Liberdade de Expressão – Quem são os intolerantes?

Dr. Jorge Vacite, na qualidade de advogado militante, com ampla atuação na defesa das garantias e direitos fundamentais de ordem constitucional, aborda o polêmico tema: a liberdade de expressão confrontada com a intolerância de alguns grupos.

“Temos visto, com cada vez mais freqüência, um confronto na mídia entre opiniões externadas por cristãos evangélicos e grupos e movimentos associados ou vinculados à proteção dos direitos e interesses de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Nesses confrontos é comum a colocação dos cristãos evangélicos como agressores preconceituosos e dos citados grupos como minorias vitimadas pelos primeiros”, ressalta Vacite.

Neste primeiro encontro, através deste novo canal de comunicação, na qualidade de advogado militante, com ampla atuação na defesa das garantias e direitos fundamentais de ordem constitucional, pretendo abordar tema polêmico, porém necessário: a liberdade de expressão confrontada com a intolerância de alguns grupos.

Temos visto, com cada vez mais freqüência, um confronto na mídia entre opiniões externadas por cristãos evangélicos e grupos e movimentos associados ou vinculados à proteção dos direitos e interesses de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

Nesses confrontos é comum a colocação dos cristãos evangélicos como agressores preconceituosos e dos citados grupos como minorias vitimadas pelos primeiros.

Será que isso é verdade?

Em um Estado Democrático de Direito como o Brasil, TODOS os grupos devem ser respeitados e TODAS as opiniões devem ser consideradas. É precisamente deste pluralismo que advém a democracia e a garantia da participação de todos no Estado.

A liberdade de expressão, sobretudo sobre política e questões públicas é o suporte vital de qualquer democracia. Os governos democráticos não controlam o conteúdo da maior parte dos discursos escritos ou verbais. Assim, geralmente as democracias têm muitas vozes exprimindo idéias e opiniões diferentes e até contrárias.”1

Uma análise mais detida do confronto em comento indica que o conflito de interesses entre as partes se acirrou sobremaneira com as discussões sobre o Projeto de Lei nº 122/2006.

E por quê?

Aparentemente, e em atitude que só se pode lamentar, os grupos e movimentos associados ou vinculados à proteção dos direitos e interesses de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, não desejam um amplo debate social sobre essa norma e, mais ainda, não admitem posições discordantes ou contrárias à mesma.

Dúvida não pode haver que, em se tratando de um projeto de lei, o mesmo merece amplo e irrestrito debate, a fim de permitir que seu texto final reflita os anseios da sociedade brasileira e não apenas aquilo que defende um grupo em particular.

Verifique-se, por oportuno, que nesta oportunidade, não se discute o teor do projeto em si, mas tão somente o direito de TODOS os brasileiros, homossexuais ou não, religiosos ou não, de participarem, de maneira plena e irrestrita da discussão sobre uma futura lei de nosso país.

Nesse contexto, se a participação de TODOS é necessária, para que a mesma ocorra, é indispensável a livre expressão sobre a questão.

Como o projeto de lei versa sobre questões associadas à liberdade sexual, é imperativo que se possa – com liberdade – discutir esse tema em todas as mídias, em todos os grupos e sob todos os enfoques, inclusive àqueles contrários ao projeto.

Sendo assim é importante salientar que, tão amparado quanto o direito à liberdade sexual – supostamente tutelada pelo Projeto de Lei nº 122/2006 -, são os direitos à liberdade de pensamento, de expressão e à liberdade religiosa. Nesse sentido, por todos, temos:

Proibir a livre manifestação de pensamento e pretender alcançar a proibição ao pensamento e, conseqüentemente, obter a unanimidade autoritária, arbitrária é irreal.”2

A liberdade de expressão constitui um dos pilares primordiais de uma democracia e engloba, além de informações tidas como inofensivas ou favoráveis também aquelas que causem resistência, inquietação nas pessoas, porque é a base do Estado Democrático a pluralidade de idéias e pensamentos, bem como a tolerância de opiniões e a abertura de diálogo.

A liberdade de pensamento, por sua vez, na definição de Sampaio Dória “é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. Cuida-se de liberdade de fundo intelectual e supõe o contato do sujeito com seus semelhantes, pela qual, segundo lição de Claude Albert Coliart, “o homem tenda, p. ex., a participar de outros suas crenças, seus conhecimentos, sua concepção do mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos científicos”.

Assim, ela se caracteriza como forma de exteriorização do pensamento em seu sentido mais amplo, pois em seu sentido interno, o pensamento é pura consciência, pura crença individual, mera opinião – a liberdade de pensamento não cria problema maior.

Partindo de tais ensinamentos é que surge o questionamento sobre quem vem sendo intolerante nesse conflito de idéias.

Segundo o Dicionário Aurélio, “intolerante” é aquele que não aceita e respeita opiniões contrárias as suas. Nesse diapasão, quem está a tentar impedir a ampla discussão, sob todos os enfoques e a partir de todas as opiniões, sobre o projeto de lei em comento?

Deve-se ter em mente que qualquer lei, qualquer norma, qualquer iniciativa, qualquer movimento, que procure, de qualquer forma, sob qualquer argumento, impedir a exteriorização de críticas e pensamentos opostos e antagônicos, é, por sua própria essência, prática aproximada àquela adotada por diversas ditaduras ao longo da história.

Quem prega e defende a liberdade para si, deve defendê-la, a todo custo, para todos!

Como aceitar de um lado, a plena liberdade, e de outro, a proibição e a punição de quem não concorda ou apresenta críticas?

Se um cidadão – seja ele quem for – não pode discutir e criticar publicamente um projeto de lei em trâmite nas casas legislativas, só se pode acreditar que se está diante de odioso totalitarismo estatal, felizmente banido de nosso país há muito, não merecendo ser repristinado ou defendido por quem quer que seja;

Precisamente neste mesmo sentido, encontramos recentíssima manifestação do Supremo Tribunal Federal, que positivou:

Nesse sentido, a democracia compreende simplesmente a possibilidade de ir a público e emitir opiniões sobre os mais diversos assuntos concernentes à vida em sociedade. (…)E o veículo básico para o exercício desse direito é a prerrogativa de emitir opiniões livremente.

(…)

Nesse contexto, o específico direito fundamental da liberdade de expressão exerce um papel de extrema relevância, insuplantável, em suas mais variadas facetas: direito de discurso, direito de opinião, direito de imprensa, direito à informação e a proibição da censura. É por meio desse direito que ocorre a participação democrática, a possibilidade de as mais diferentes e inusitadas opiniões serem externadas de forma aberta, sem o receio de, com isso, contrariar-se a opinião do próprio Estado ou mesmo a opinião majoritária. E é assim que se constrói uma sociedade livre e plural, com diversas correntes de idéias, ideologias, pensamentos e opiniões políticas.

O princípio da liberdade de expressão repudia a instauração de órgãos censórios pelo poder público e a adoção de políticas discriminatórias contra determinados pontos de vista. Os delitos de opinião têm um viés profundamente suspeito, se analisados sob essa perspectiva, já que impedem a emissão livre de ideias. A possibilidade de questionar políticas públicas ou leis consideradas injustas é essencial à sobrevivência e ao aperfeiçoamento da democracia”. 3

A visão do STF é clara. A liberdade de expressão não pode ser tolhida ou sofrer patrulhamento.

O limite da liberdade de expressão é só um: a lei. E nada do que foi dito ou feito quanto ao Projeto de Lei nº 122/2006 é crime ou constitui infração a qualquer norma.

É evidente que as questões levantadas e as idéias discutidas podem desagradar a muitos, mas não podem gerar punição ou sofrer censura.

Nesse contexto, sempre relevante lembrar que “Segundo um documento da UNESCO, aprovado em Paris no dia 16 de novembro de 1995, “a tolerância não é concessão, condescendência, indulgência. A tolerância é, antes de tudo, uma atitude ativa fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro”. Isso significa que a concordância de idéias não é um requisito indispensável para a tolerância.”4

Não por outro motivo a liberdade de pensamento e expressão encontra o mais cabal e completo amparo em três dos pilares de nosso Estado a Constituição da República e aDeclaração de Direito do Homem e do Cidadão e a Declaração de Direitos Humanos.Nesse sentido, temos:

É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”5

A livre emissão das opiniões e dos pareceres é um dos direitos mais preciosos do homem; portanto, todo e qualquer cidadão pode falar, escrever e imprimir livremente, salvo nos casos em que o abuso desta liberdade implique uma responsabilidade determinada pela lei.”6

Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”7

Não é diferente ou dissonante o exposto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, internalizado no direito brasileiro pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992 – que proclama a intangibilidade da liberdade de expressão e, em seu artigo 13, estabelece:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.”

Como conclusão, verifica-se que o que vem sendo exposto na mídia não parece corresponder à verdade.

Se é necessário, e até mesmo indispensável, que TODOS possam participar de forma plena e livre de um amplo e irrestrito debate sobre relevante projeto de lei em andamento, não se pode tentar impedir ou desqualificar idéias contrárias ao mesmo ou que levem à sua modificação, impondo-se a garantia da liberdade de expressão a TODOS que desejem discutir tal projeto.  

Dr. Jorge Vacite Neto
Advogado militante, palestrante, Pós-graduado em Direito Constitucional, Empresarial e doutor em Direito Público e Ciências Jurídicas
 

1 Texto retirado da página oficial da Embaixada dos Estados Unidos da América (http://www.embaixadaamericana.org.br/democracia/speech.htm)2 (Alexandre de Moraes, in “Constituição do Brasil Interpretada”, Atlas).3 “STF – ADPF 187 – Voto do Ministro Relator Dr. Celso Mello.4 (Aldir Guedes Soriano, 03/04/2007, no site “Observatório da Imprensa”)5Artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República do Brasil, 1988.6 “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, artigo 11, ano 1789. 7 “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, artigo 19, ano 1948.


http://www.verdadegospel.com

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