T.S. Eliot, em seu livro “O Coquetel”, apresenta de forma muito feliz o drama da existência humana. Um de seus personagens se chama Célia e se sente doente, a tal ponto que procura um psiquiatra. Ela sabe que está muito enferma e que aquilo que ela sente não é algo comum. Seria terrível se todos os seres humanos se sentissem assim, pensa ela.
Ao chegar ao consultório ela explica ao médico que são basicamente dois os sintomas de sua moléstia. O primeiro é que ela se sente só, muito só. O segundo é que ela tem a sensação que cometeu pecado, não algo objetivo de que se possa livrar simplesmente pedindo perdão, não é algo que decorre de uma ação, mas uma espécie de estado da alma.
De certa forma, é esta a realidade e a dor de todo ser humano. Se sentir só, banido, exilado, sabe ele lá de onde, e impuro, imperfeito, pecador. O texto que propomos como base para a nossa reflexão de hoje, fala-nos de uma comunidade de leprosos. Eram dez ao todo, viviam em uma “aldeia fantasma”, no meio do nada, entre a Galiléia e Samaria. Creio que eles são uma metáfora apropriada da realidade humana, muito embora reconheça que o texto não é metafórico.
Como eles, todos nós estamos acometidos de uma doença crônica e incurável. Nem a medicina, nem a filosofia, nem qualquer outra ciência humana pode nos trazer a saúde. Nós até podemos disfarçá-la, maquiá-la para que ela não se manifeste em toda sua hediondez. Nós podemos nos auto-receitar remédios, terapias, tratamentos. Ou podemos seguir a receita de outras pessoas, esvaziar a mente com meditações transcendentais, fazer caridade para banhar de mel nossa chagas purulentas, engajarmo-nos em uma igreja ou organizaçao humanitária e trabalharmos freneticamente para que, quem sabe, mostremos a Deus que somos dignos de sua cura. Mas nada disso é suficiente, nós continuamos terrivelmente doentes.
E esta doença, como era a daqueles infelizes descritos por Lucas, é tal que nos exila, que nos manda pra fora, que nos exclui. Por isso nos sentimos sozinhos, por isso temos a sensação de que este não é o nosso lugar, que, nas palavras de Pedro, somos estrangeiros e peregrinos. Isso explica esta nostalgia do Éden, do jardim da Comunhão, onde nunca estivemos, mas, paradoxalmente, para onde ansiamos voltar.
Numa situação dessas, há aqueles que são capazes de nutrir uma esperança de mudança. Algo pode acontecer e mudar a sua sorte, um milagre ou o destino, quem sabe. Mas há aqueles também que se resignam, que aceitam isso como algo inevitável que lhes aconteceu e vivem de “boca aberta esperando a morte chegar”. Nossos personagens são do primeiro tipo de pessoas, tinham ouvido histórias, quem sabe um deles tinha visto Jesus fazer maravilhas antes de ser acometido pela doença e contara aos seus irmãos de sina que ele seria a solução de seus problemas, e que se um dia, quem dera... ele lhes chegasse perto, poderiam pedir-lhe que deles tivesse misericórdia e rogasse aos céus em seu favor.
Como os leprosos, só nos resta uma esperança, Jesus de Nazaré. Para nossa felicidade, e a deles, não entendo porque, o Mestre costuma entrar na “aldeia dos leprosos”, rompendo com todos os padrões religiosos, morais e higiênicos, ele entra por vontade própria na colônia dos proscritos, daqueles que não podem e nem devem ser vistos, gente destinada ao esquecimento, para quem a morte seria uma visita bem vinda. Diz-nos o texto que ele “entrando na aldeia, lhe saíram ao encontro dez leprosos”
É como se ele tivesse uma irresistível inclinação na direção dos que sofrem. Lembro-me de uma ocasião em que era comemorada a Festa da Páscoa em Jerusalém. Jesus foi para a cidade, mas em lugar de ir para a praça do Palácio, onde se poderia ouvir o fremido dos tamborins, ou para os átrios do Templo, onde o cheiro bom do incenso e o som dos louvores enchiam a tudo, ele se dirige para o Tanque de Betesda, um fétido e esquecido local, onde se empilhavam às centenas enfermos de todos os tipos, vítimas de todos os males. Por toda parte os gemidos de dor, os gritos oriundos do corpo e da alma.
Louvado seja o Senhor, que não se afasta dos que sofrem, nas palavras do compositor do Salmo 116, “amo ao Senhor porque Ele ouve a minha voz e a minha súplica”. Ou nos versos de uma outra canção que eu aprendi ainda bem criança, “bendito seja nosso Deus que não me rejeita a oração, nem afasta de mim a Sua Graça”.
Com carinho,
Rev. Martorelli Dantas
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