Ariovaldo Ramos
Pobres ateus! Disseram-me que o ateísmo está crescendo. Fiquei a pensar... Quem quer o mundo oco e solitário dos ateus? Não eu! Eu quero o mundo povoado dos cristãos, dos judeus, dos muçulmanos, dos animistas... Quero um mundo onde a gente não esteja só. Um mundo com anjos de pé e caídos. De entidades, de elfos, de mística, de mágica, de mistérios... Quero o mundo onde os tambores invoquem. Onde a multidão de línguas estranhas dos pentecostais façam os seres da escuridão retroceder. Quero o mundo que produziu Beethoven que, surdo, dizia ouvir a música que Deus queria escutar, a quem aplaudiu na nona. Que produziu Shakespeare, que disse que havia mais entre o céu e a terra, do que supõe a nossa vã filosofia, e que valia morrer por amor. Que desafiou Mozart a zombar de Deus enquanto, qual o profeta Balaão, só conseguia emitir os sons que boca de Deus entoa! Quero o encanto catártico de Haendell gritando ALELUIA! de forma arrebatadora! A beleza de Bach nos fazendo ver a paz da Família Eterna. Quero mundo das lindas e majestosas catedrais e dos pregadores das praças, das esquinas, dos caminhos... Da riqueza sonora profunda dos cantos gregorianos e dos vociferantes pregadores: convocando os homens a mudar e o Espírito Santo a se levantar contra o mal. Quero o mundo que faça um ser humano, diante a pior das borrascas, ver o seu salvador andando sobre o mar, anunciando a possibilidade. Aquele em que o guerreiro, diante da incerteza, se ajoelha perante o Eterno e se levanta com um brilho nos olhos, certo de que tem uma missão, um motivo para brandir a espada, porque se há de correr o sangue humano, tem de haver uma razão, que dando significado a vida o faça não temer a morte. Um mundo de poetas e romancistas, que fazem a morte gerar vida, que contam histórias porque, em meio ao mais insano, há algo para contar, e se há o que contar, então significa; e se há como contar, então há um significante anterior, de modo que, por mais que cada leitor possa, de alguma maneira, reinventar, ninguém consegue negar que leu e, se leu, podia ser lido. Quero a fé que faz uma menina entrar numa das melhores faculdades do pais, sonhando que, um dia, tudo o que sabe ajudará um ser desprovido de tudo, num dos miseráveis cantões do planeta, a sorrir com esperança! Quero a loucura dos missionários que abandonam tudo no presente, certos de que levarão milhares a viver o futuro.
Quem quer o socialismo frio do ateus? Eu quero o socialismo dos crentes que, em meio à marcha dos trabalhadores e, diante do impasse do confronto com as forças do estabelecido, grita ao megafone: companheiros, avancemos! Deus está do nosso lado! Da ciência não quero as equações, quero o grito de "Eureka!", onde o cálculo se mistura com a revelação. Da matemática quero a música, a certeza de que há sons no universo, que não só os podemos cantar, mas que há quem nos ouve. Que ouviremos a grande e última trombeta, que reunirá toda a criação para o canto da redenção.
Eu não quero capitalismo nenhum, mas prefiro o dos seres humanos que acreditavam que o trabalho é um culto ao Criador e que o seu produto tinha de gerar um mercado a serviço do bem. Quem quer o capitalismo consumista dos ateus, que reduz a vida ao aqui e agora, e transforma todos em desesperados que, pensando que não sobrará para eles, correm para acumular para o nada? Os ateus dizem que evoluímos, mas que não vamos para lugar nenhum; que a ciência pode tudo; que verdade é a palavra dos vencedores; que os mais fortes sobreviverão, e que é o direito natural deles. Não! Mil vezes não! Quero o mundo onde os fracos tenham direito ao Reino; onde os mansos herdarão a terra; onde os que choram serão consolados; onde os que têm fome e sede de justiça serão fartos; onde os que crêem na justiça estejam prontos a morrer por ela; onde os mortos ressuscitarão.
Quem quer um mundo explicado, onde tudo é virtude ou falha de um neuro-transmissor qualquer? Quero um mundo onde a fé , o amor e a paixão curem, mudem histórias e construam caminhos! Onde os artistas tenham o que registrar! Um mundo onde o sol nasça e se ponha, onde as estrelas, polvilhando o infinito, apontem um caminho, falem da esperança de uma grande e decisiva família, e que qualquer ser humano ao ver isso, não se envergonhe de falar: maravilha! Um Deus fez isto!
Mas não quero a teologia técnica... Quero o Deus apaixonado dos cristãos, que abandona sua Glória e se faz gente, trazendo a divindade para a humanidade e, ressuscitado, ao voltar, leva a humanidade para a divindade! Quero o Deus inquieto de Israel, o pai dos judeus, com quem é possível lutar. Quero do Deus que se permite ser detido por um Jacó. Quero o Deus chorão de Jesus de Nazaré, que mesmo a gente tendo brigado com Ele, nunca conseguiu brigar conosco. O Deus Pai, Mãe e Filho que repartiu conosco o privilégio de ser! Quero o mundo do medo do desconhecido, e do maravilhar-se com o desconhecido: o mundo do encanto. Como disse o pai da filosofia moderna, o que se descobre ser ao pensar, precisa de um mundo para aterrissar, precisa que haja alguém que faça pensar valer a pena, alguém que, ao fim, é da onde se pensa, e se ele não existe, então nada existe, porque o que pensa não tem como pensar a partir de si. Quero o mundo que ri da finitude; que desdenha das limitações; que resiste ao sofrimento; que olha para o infinito sabendo que nossa existência não é determinada pela morte ou por nossas impossibilidades; que não somos frutos de um acidente. Quero mundo que se sustenta na fé de que ressuscitaremos, de que brilharemos como o sol ao meio dia; de que vale a pena lutar pelo bem; de que vale a pena existir!
Extraído
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