por: Rev. João Cesário Leonel Ferreira
DEDICATÓRIA
Dedico estes estudos à memória do querido amigo e irmão Mário Sérgio Ginez, que de modo repentino foi chamado pelo Senhor Jesus Cristo à Sua presença em 03.05.96, com 30 anos de idade, deixando uma saudade quase insuportável em todos nós da Igreja Presbiteriana do Jardim Itália e um espaço que nunca será preenchido. Este querido irmão, que sempre foi fonte de estímulo a mim através de sua participação nas aulas sobre o Apocalipse, hoje é mais do que “vencedor” (Ap 3,21) em Jesus e goza da alegria de estar em Sua presença. Minha alegria é que, enquanto no domingo 05.05.96, nós nos consolávamos diante de sua partida estudando sobre a Nova Jerusalém, o Novo Céu e a Nova Terra em Ap 21,1-22,5, este nosso irmão já gozava plenamente dessa realidade. Quanto a nós, fica o desejo de um dia estarmos juntos dele diante do Pai e podermos nos alegrar de novo como sempre fazíamos.
INTRODUÇÃO DO ESTUDO
O Apocalipse, com muita certeza, é o livro que mais abusos tem sofrido no decorrer da História e, como decorrência, é o livro que tem despertado reações sempre as mais antagônicas possíveis. Há aqueles que o amam por seu conteúdo, beleza, e imagens fortes. Por outro lado, outros sentem um verdadeiro “pavor” do livro por não compreenderem-no e devido a estudos ou sermões ouvidos que revelavam uma perspectiva de análise equivocada.
Obviamente meu objetivo não é oferecer uma visão sui generis do livro, mas procurar estudá-lo de modo coerente com ele mesmo, respeitando sua mensagem e seu modo de transmiti-la. Além disso, meu desejo ao estudá-lo é fazer sua integração com o resto do Novo Testamento e a vida da igreja. É fazer a igreja lê-lo, entendê-lo e amá-lo como o restante dos livros da Bíblia. Isso implicará numa “desmistificação” do livro, o que procurarei fazer nas páginas seguintes.
Os estudos que se seguem não são um “comentário” ao Apocalipse, mas uma série de “estudos” onde, por questão de espaço e de tempo, alguns pormenores foram deixados de lado. Isso não significa um estudo superficial. Meu objetivo através destes estudos é fornecer numa série de aulas uma visão e interpretação do Apocalipse que permitam que aqueles que participaram possam ler este livro com mais proveito em suas casas.
Estes estudos foram ministrados na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana do Jardim Itália - Itapetininga, SP, nos meses de fevereiro a maio de 1996.
Rev. João Cesário Leonel Ferreira
Itapetininga, 12 de maio de 1996.
INTRODUÇÃO
Apocalipse! Talvez o livro menos lido em todo o Novo Testamento. É provável que a maioria dos cristãos nunca tenham lido esse livro, ou, se o leram, o fizeram apenas nos três primeiros capítulos. Possivelmente esse desprezo para com o Apocalipse deve-se à visão que as pessoas têm dele.
1. APOCALIPSE - O VILÃO DO NOVO TESTAMENTO.
Por que esse título? Porque é assim que a maioria de nós vê tal livro. Embora não tendo lido o Apocalipse, ou lendo pequenos trechos dele, grande parte das pessoas crê que ele fala do fim do mundo, com estrelas e prédios caindo sobre suas cabeças. Além disso, ele falaria do grande sofrimento pelo qual os cristãos passarão, e isso não é nada bom para qualquer pessoa, e além do mais, esse dado estaria em contraste com a vida vitoriosa da qual o resto do Novo Testamento fala. O Apocalipse também é um vilão por que ele fala de Dragão, Besta, Falso Profeta, 666 como número da Besta, dando a impressão que todos eles um dia, de modo inesperado, surgirão correndo atrás dos cristãos para matá-los, e isso gera pânico em muitas pessoas.
A interpretação popular também ajuda a confundir o entendimento do livro. Uma interpretação meramente futurista, alienante e de extrema direita é muito comum. Nesse sentido, o Apocalipse falaria apenas do futuro, sem se importar com o presente, sendo que a conseqüência disso seria a alienação profunda gerada naqueles que o lêem. É comum ver esse tipo de interpretação. O livro também serviu para justificar posturas politicamente corretas(???), que viam o Apocalipse falando que ex-União Soviética juntamente com a China (Gogue e Magogue - Ap 20,7-8), como bloco comunista e diabólico, combateriam os cristãos democráticos e capitalistas, os quais, entretanto, venceriam com a ajuda de Cristo (obviamente essa visão foi difundida por intérpretes norte-americanos).
Por essas e outras razões, por quê um cristão leria esse livro?
2. QUE LIVRO É ESSE?
O ponto de vista acima encontra sua razão na falta de entendimento do gênero literário ao qual o Apocalipse pertence. Na realidade, Apocalipse é um gênero literário. O livro faz parte de um conjunto de obras chamado de APOCALÍPTICA. Vários outros livros apocalípticos, semelhantes ao que estamos estudando foram escritos:
• I Enoque, escrito cerca de 200 a.C.
• Livro do Jubileu, por volta do 2o. século a.C.
• Testamento de Moisés, começo do 1o. século d.C.
• 4 Esdras, final do 1o. século d.C.
• Apocalipse de Abraão, 1o. ou 2o. século d.C.
• Daniel 7-12.
• Marcos 13 (paralelos em Mt 24 e Lc 21).
• 2 Tss 2.
Todos esses livros compõem a literatura apocalíptica. Ela procura transmitir uma mensagem de fé e esperança para aqueles que estão sofrendo. O próprio termo apocalipse, que significa revelação, indica isso. Através desses livros, seus autores querem revelar o propósito de Deus àqueles que são perseguidos por sua fé. O objetivo dos livros é mostrar a verdadeira realidade a fim de fornecer forças para continuar na luta. Isso se dá através de imagens muito coloridas e simbólicas. Por exemplo, a simbologia dos números: três, sete, doze, mil anos, cento e quarenta e quatro mil. A figura de animais: dragão, besta, leão, urso, cordeiro. Na realidade, parece uma linguagem secreta, em código. De fato, era isso mesmo. Para aqueles que perseguiam, esses livros não tinham sentido. Mas para aqueles que escreviam ou liam, eram cheios de significado.
Nosso problema hoje, é que nos sentimos como aqueles que perseguiam os cristãos. Não conseguimos entender a mensagem do Apocalipse. Para que o compreendamos, é necessário conhecer um pouco do contexto em que o livro surgiu, e, principalmente, conhecer o Velho Testamento, de onde a grande maioria das imagens é tirada.
Mas também é importante saber que o livro interpreta vários de seus símbolos. Ex: 1,12 com 1,20; 12,3 com 12,9; 17,3 com 17,9.
3. PARA QUEM O LIVRO FOI ESCRITO E QUANDO?
O Apocalipse é um livro pastoral escrito às sete igrejas da Ásia Menor (região ocidental da atual Turquia) - 1,4. Esse dado é importante, pois mostra-nos que o livro não é um documento caído do céu, atemporal. Para entendê-lo, precisamos compreender primeiramente a mensagem que tinha para seus destinatários. Os capítulos 2 e 3 mostram-nos os problemas que essas comunidades passavam, o que justifica o envio do livro para elas.
Até algum tempo atrás havia um consenso quanto a afirmação de que os cristãos na Ásia estavam passando por perseguições e que o livro foi enviado nesse contexto. De fato, o livro fala de perseguição: o próprio João está exilado numa colônia penal em Patmos devido a perseguição religiosa - 1,9; os cristãos estão passando por tribulações: 2,9-10; morte - 2,13; 6,9. Porém hoje questiona-se que houvesse uma perseguição de caráter geral aos cristãos. O que existiria seriam problemas localizados. Seguindo este ponto de vista, o escritor veria nesses problemas esporádicos sinais de um grande confronto que estava para se dar: Estado Romano x Igreja. O Apocalipse teria, então, a função de servir como um alerta para despertar os cristãos para a realidade de que esse confronto estava começando, embora alguns não concordassem com tal postura. Dentro dessa perspectiva este livro é altamente relevante para nós. Pode ser que convivamos bem com a sociedade, com as estruturas, etc. Mas isso não revelará um certo conformismo de nossa parte? O Apocalipse serve para nos questionar em nossas posturas.
O livro surgiu quando o imperador Domiciano , que reinou de 81 a 96 d.C., começou a exigir que todos os súditos dentro do império o adorassem como deus. Isso não constituiu problema para a população, visto que estavam acostumados com um culto politeísta, e adorar um deus a mais não seria problema. Para os cristãos não foi assim. Até então a tradição cristã era de interceder pelas autoridades - 1 Tm 2,1-2; submeter-se às autoridades - Rm 13,1-7; honrar ao rei - 1 Pe 2,17. Mas agora a situação mudara. Os cristãos não podiam dividir sua lealdade a Jesus Cristo. Portanto, ao não prestar culto ao imperador, eles estariam sendo acusados de impatriotismo. Isso foi mais intenso principalmente na Ásia Menor, onde o culto ao imperador desenvolveu-se de modo mais acentuado. O confronto estava apenas começando. Para alguns, por outro lado, ele não existia. Esses cristãos achavam que podiam adorar a Jesus e ao imperador. Eles são criticados duramente no Apocalipse. Aqui podemos ver a ligação entre o Estado e a religião. Será que hoje os dias são diferentes? Não estaremos “adorando” religiosamente nosso mundo moderno, secular, tecnológico, consumista, etc, etc???
4. EXISTE UMA ESTRUTURA NO APOCALIPSE?
Um comentador já disse que existem tantas estruturas para o Apocalipse quanto o número de seus comentadores. Obviamente exagerada, a afirmação procura realçar a dificuldade em se buscar a estrutura desse livro.
Embora seja muito difícil de se chegar a um consenso, há alguns dados que podem ser observados. Todos os estudiosos admitem que o livro tem uma forte ênfase sobre o número sete. Há:
• sete igrejas: capítulos 2 e 3.
• sete selos: capítulo 6 e 8,1-6.
• sete trombetas: 8,7-9,21 e 11,15-19.
• sete taças: capítulo 16.
• sete espíritos: 1,4; 4,5.
• sete bem-aventuranças: 1,3; 14,13; 16,15; 19,9; 20,6; 22,7.14.
Por enquanto podemos dizer que o livro desenvolve-se, em termos estruturais, em torno do número sete. Obviamente esta é uma visão simplista, e onde ela não puder ser considerada, outras explicações serão fornecidas.
CONCLUSÃO
O objetivo desta aula foi fazer uma primeira apresentação do Apocalipse. Espero que tenhamos podido perder um pouco o medo deste livro tão belo e entendermos alguns fatos relativos a ele que nos ajudem a compreendê-lo melhor. Uma última palavra. É significativa a posição que o Apocalipse tem no cânon bíblico. Sendo o último livro, é nele que confluem todas as esperanças, lutas e vivências do povo de Deus. Nele encontramos a última chance de expressão de vida cristã. E neste livro, ou se está ao lado de Deus, ou contra Ele. Para seu autor, quem é “morno” corre o risco de ser vomitado pelo Senhor Jesus (Ap 3,16). Nesse sentido, sua leitura e estudo são desafiadores para nós. Esse desafio é importante, pois motiva-nos a crescer diante de nosso Deus e Pai na avaliação de nosso compromisso com Ele.
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
INTRODUÇÃO - II
Hoje continuaremos vendo alguns aspectos introdutórios ao estudo do Apocalipse. Após defini-lo como fazendo parte de um gênero literário chamado de apocalíptico e de situar a época em que foi escrito (reinado de Domiciano - 81 a 96 d.C.) e o seu objetivo (fortalecer comunidades que sofrem ou então prepará-las para o sofrimento), veremos neste estudo a auto-definição do livro como profecia (1,3) e buscaremos uma estruturação mais pormenorizada.
1. O APOCALIPSE COMO PROFECIA - O QUE SIGNIFICA ISSO?
Já foi visto que, de acordo com o próprio nome do livro (Apocalipse = “revelação”- 1,1), o escritor procura apresentar o real sentido da vida cristã e do sofrimento através de uma “revelação” de Jesus Cristo. Mas o escritor também se apresenta como profeta (22,9) e caracteriza seu livro como profecia (1,3; 22,19). Qual a importância disso para o entendimento do texto?
A importância é muito grande, visto que dependendo da definição que temos de profecia, será o tipo de interpretação que faremos do livro. O que é profecia para você?
Hoje em dia é muito comum o conceito de profecia como “predição do futuro”. É algo semelhante ao horóscopo, às profecias de Nostradamus ou coisa assim. Tal visão também é muito influenciada pelos místicos que fazem previsões e pelas práticas pentecostais, onde a previsão do futuro, como profecia, ocupa lugar de destaque. Mas será que é isso que o escritor do Apocalipse tem em mente quando chama seu livro de “profecia”?
O escritor do Apocalipse baseia-se no conceito vétero-testamentário de “profecia” para definir sua atividade. Nesse sentido, profecia é:
• Uma mensagem recebida diretamente de Deus. Essa era a principal característica dos verdadeiros profetas em relação aos falsos (Jr 23,18-22). Eles entravam no “conselho” do Senhor. Esse conselho é composto pela Trindade e os seres celestiais que estão na presença de Deus e pode ser visto nas cenas dos capítulos 4 e 5 do Apocalipse. É ali que João, como profeta, se encontra (4,1). Portanto, o profeta é, fundamentalmente o que recebe “de Deus” sua mensagem. Por isso, ela é importante e não pode ser alterada (22,18-19). Além de provir de Deus, a profecia nos tempos neotestamentários é centralizada em Jesus (19,10). O espírito, o centro da profecia é o “testemunho de Jesus”. Ela visa fornecer uma mensagem sobre Jesus Cristo, e não “satisfazer” nossa curiosidade quanto ao futuro.
• Uma mensagem que aponta para a vinda final de Jesus Cristo. Ela segue aqui a perspectiva pela qual o Velho Testamento era interpretado: cristologicamente, isto é, vendo nele predições que apontavam para Jesus Cristo (Lc 24,44). O Apocalipse segue essa linha apresentando uma visão “cristológica” da história, afirmando que Jesus controla a história e indicando que os eventos relativos a sua segunda vinda “estão próximos” (1,3). Na realidade, para o Novo Testamento, desde que Jesus encarnou e ressuscitou, ele “já está chegando”. É por isso que o escritor pode falar do julgamento sobre Roma como algo muito próximo. Porém o livro não fala de acontecimentos “particulares”, mas de ações de Jesus que se darão como conseqüência de sua segunda vinda.
• Uma mensagem que chama ao arrependimento. Essa é uma das principais características da profecia. Na realidade, ela é uma palavra que tem uma forte ênfase no “presente”, no comportamento do povo. Para criticar a prática pecaminosa, o profeta volta-se para o “passado” e encontra nele as orientações de Deus dadas no Pentateuco (quando o profeta vive nesse período), ou nas palavras de Jesus (quando o profeta é cristão). A partir daí faz advertências para que se abandone a prática do pecado, pois se não houver arrependimento, Deus irá punir tal comportamento no “futuro”. Portanto, a profecia fala do futuro como conseqüência da vida do povo no presente. É nesse contexto que o profeta fala às igrejas nos capítulos 2 e 3 chamando-as ao arrependimento e advertindo-as quanto ao futuro (2,5.16. 21-23; 3,3).
Após essas considerações sobre a profecia no Apocalipse, podemos ver por que o seu autor usa o gênero apocalíptico e refere-se ao livro como profecia. Seu objetivo através da apocalíptica é chamar a atenção para as tribulações que estão por vir e fornecer fortalecimento e conforto aos que sofrem. Para dar autoridade a essa mensagem, dá a ela a categoria de profecia.
Visto que a profecia não pode ser vista como um mero “narrar de eventos futuros”, estando, pelo contrário, mais ligada ao presente, podemos, portanto, concluir que o Apocalipse não é um livro que narra apenas acontecimentos “futuros”. Essa constatação permite-nos agora buscar uma visão que substitua essa abordagem futurista que se faz ao livro.
2. APOCALIPSE - UMA ESTRUTURA NÃO CRONOLÓGICA.
O Apocalipse não tem uma seqüência cronológica, onde um fato vem “depois” do anterior até chegar à segunda vinda de Jesus Cristo. Pelo contrário, o livro fala do conflito eminente com o império, e procura dar forças para o povo cristão ser fiel e, ao mesmo tempo, é uma palavra de condenação ao império romano e seu imperador que exige ser adorado como Deus.
O autor desenvolve essa mensagem usando um recurso retórico chamado de “paralelismo progressivo”. Esse recurso é usado após a “introdução” (capítulo 01) e a apresentação dos “destinatários” (capítulos 02 e 03). Nele, o escritor apresenta basicamente a mesma cena, que representa o passado, presente e futuro, repetidas vezes, sempre acrescentando um dado para desenvolver o tema e aumentar o clímax até o final do livro. Vejamos como isso se dá na estrutura do livro:
1. Introdução (capítulo 01).
2. Destinatários. As Sete Igrejas da Ásia Menor (capítulos 2 e 3).
3. Seis visões desenvolvendo o “paralelismo progressivo” (4,1-22,5).
• Abertura dos sete selos (4,1-7,17).
Aqui encontra-se o “passado” (5,6-7), representando a exaltação de Jesus Cristo após a ressurreição, o “presente” (6,9-11), apresentando os mártires cristãos que estavam sendo mortos, e o “futuro” (6,12-17), revelando a vinda de Jesus Cristo para julgar os opressores de seu povo (6,15-17).
• Toque das sete trombetas (8,1-11,19).
Temos o “presente” (8,3-4), nas orações dos santos, e o “futuro” (11,18) na afirmação de que “chegou o dia da ira e o tempo de serem julgados os mortos”.
• A identidade do imperio romano e a perseguição dos cristãos por ele (capítulos 12-14).
É claro na passagem: o “passado” (12,5), através do nascimento de Jesus, o “presente” (12,17), na perseguição da igreja pelo dragão (Satanás), e o “futuro” (14,14-20, compare com Mt 13,24-30.36-43).
• Sete taças (capítulos 15-16).
O “futuro” (16,20),é descrito através da imagem do aniquilamento dos elementos da natureza (= 6,14).
• A derrota de Roma e da Besta (capítulos 17-19).
O “futuro” (19,11 e 13) pode ser observado através da pessoa de Jesus Cristo que vem para lutar contra a Besta (19,20).
• O aprisionamento do Dragão e a vitória da Igreja (capítulos 20-22).
O aspecto “passado” é notado através da referência ao aprisionamento de Satanás (20,2), que se deu na encarnação de Jesus Cristo (Lc 11,20-22), e o “futuro” está claro na narração do juízo (20,11-14).
4. Conclusão (22,6-21).
Além dos dados acima que mostram o paralelismo progressivo, há um outro recurso para mostrar o desenvolvimento do clima de tensão do livro. São as palavras ira e cólera de Deus. A “ira” aparece em 6,16.17; 11,18, e “cólera” em 14,19; 15,1.7; 16,1. Elas vem juntas para enfatizar o sentimento de Deus em 14,10; 16,19 e 19,15.
Esse tipo de uso que não respeita a cronologia não é estranha à Bíblia. Dois exemplos servem para ilustrar: Is 6,1-13. Este texto fala da vocação de Isaías. Mas então, ele não deveria estar no começo do livro? Cronologicamente, sim, mas teologicamente, não. O autor fala da dureza do povo (6,9-13) diante da mensagem do Senhor. Para exemplificar isso, coloca os cinco primeiros capítulos que mostram de modo prático essa dureza. Outro exemplo se encontra em Lc 3,20-22. Este texto diz que João Batista foi preso (3,20), mas na seqüência faz referência ao batismo de Jesus por João Batista (3,21). Como pode ser? O autor não está preocupado com a cronologia, mas com a ênfase teológica. Ele quer mostrar que com João Batista termina um período da história de Israel e começa outro com Jesus. Por isso a separação entre a prisão de João e o batizado de Jesus.
CONCLUSÃO
Vimos neste estudo que o livro do Apocalipse é uma “profecia”, uma palavra vinda diretamente de Deus. Isso é importante para você? Vimos também que o livro não deve ser entendido apenas em termos futuros, que ele não apresenta uma ordem cronológica. Esse fato deve orientar nosso estudo. A partir da próxima aula entraremos mais propriamente no texto do livro.
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
CAPÍTULO 01
Hoje começaremos a estudar o texto propriamente dito do Apocalipse. Como vimos no estudo anterior, na Estrutura do livro, o capítulo 01 funciona como uma Introdução. Ela está dividida em três partes: título do livro (v.1-3); carta de abertura (v.4-8); e a vocação do profeta (v.9-20).
1. TÍTULO DO LIVRO - 1,1-3.
Esta seção se subdivide em duas: título (v.1-2) e bênção (v.3).
a. Título: (v.1-2). Tantos os profetas do Velho Testamento como os escritores cristãos geralmente começavam seus livros com uma afirmação sobre seu conteúdo (Is 1,1; Jr 1,1; Ez.1,2-3; Mc 1,1). João caracteriza seu livro como “revelação” (= apocalipse) que, como vimos, tem a função de fortalecer as igrejas da Ásia Menor, e como “profecia” (v.3), o que dá autoridade ao escrito. Depois apresenta o meio pelo qual a revelação é concedida: de “Deus” para “Jesus Cristo”, dEle para o “anjo”, do anjo para “João”, e deste para as “sete igrejas” (v.4a).
b. Bênção: (v.3). São bem-aventurados “aquele que lê” (no texto grego está no singular) e “aqueles que ouvem”. Devemos lembrar que na antigüidade os livros eram raros, e a igreja, seguindo a prática das sinagogas, após receber os livros (vindos de João, Paulo, Pedro, etc) fazia a leitura deles em público. Era dessa forma que os cristãos tomavam conhecimento de sua mensagem. Dificilmente alguém possuía uma cópia particular. Por isso a bênção vem sobre o que lê publicamente, e sobre a igreja que se reúne para ouvir a leitura. Temos, portanto, a informação de que o Apocalipse tinha como objetivo ser “ouvido”. O importante não é apenas ouvir, mas “guardar” (com o sentido de “observar”, “viver”) aquilo que está escrito.
2. CARTA DE ABERTURA - v. 4-8.
Esta carta está dividida em duas partes: saudação (v.4-5a), e uma tríplice expressão de louvor (v.5b-8).
a. Saudação: (v.4-5a). Apresenta o “remetente” (João - v.4) e os “destinatários” (as sete igrejas - v.4). A saudação é feita com os termos “graça” e “paz” (cháris e eiréne no grego). O primeiro é caracteristicamente cristão, lembrando a graça vinda aos homens através de Jesus Cristo possibilitando salvação (Ef 2,8) e sendo a base da vida cristã (Rm 5,2). O segundo vem do judaísmo sendo a tradução da palavra hebraica shalom que é um desejo de que a bênção de Deus se manifeste na vida física, espiritual, material, etc. Nessa época, tal saudação já era uma característica dos escritores do Novo Testamento (ver Ef 1,2; Cl 1,2; 1Pe 1,2). Quem envia a saudação não é João, visto que ele é apenas um instrumento. A saudação é enviada pela “Trindade”:
• Deus: “aquele que é, que era e que há de vir” (v.4). Para tal expressão João tem como pano de fundo Ex 3,14 - Deus é o eternamente “Eu Sou”. Mas a ênfase em Êxodo e aqui no v.4 não está tanto na eternidade de Deus, quanto na sua “ação”. Ao falar que Deus “era, é, e virá”, o escritor quer enfatizar que Ele é atuante em toda a história e a levará a cabo com sua vinda. É importante notar que a tradicional segunda vinda de “Jesus” é vista aqui como a vinda de “Deus”. Talvez com isso coloca-se a ênfase em seu desejo de julgar aqueles que perseguem a igreja.
• Espírito Santo: “sete espíritos” (v.4). Maneira diferente de se falar do Espírito Santo! O número sete, altamente simbólico, representa totalidade, plenitude. Portanto, o Espírito Santo é Deus pleno, em nada inferior ao Pai. O número sete também pode indicar que o Espírito está ativo nas “sete igrejas”. Ou seja, Ele está atuando em todas as igrejas onde se invoca a Trindade.
• Jesus Cristo: (v.5a). Os qualificativos que aparecem para Jesus são importantes para os ouvintes. “Fiel testemunha” apresenta Jesus como companheiro daqueles que estavam morrendo por causa do testemunho de Seu nome (6,9). Jesus também testemunhou a verdade de Deus e também foi morto pelos romanos (Jo 18,33-19,16; 1Tm 6,13). A palavra “testemunha” traduz o grego “martus”, do qual vem a palavra “mártir”. Nessa época a palavra já estava assumindo um sentido “técnico”. Muitas vezes o testemunho de Jesus levava ao martírio. Nós somos chamados também, se necessário, a viver essa dimensão do testemunho cristão. “Primogênito dos mortos” manifesta o destino daqueles que crêem em Jesus e têm morrido por isso. A morte não é o fim! Como Jesus ressuscitou, todos que professam seu nome também ressuscitarão. Esta mensagem é de grande importância para aqueles que estavam ou iriam passar por sofrimento. Além disso, tais palavras nos lembram que o final já chegou, na medida em que a ressurreição é um dos seus sinais e que Jesus foi o primeiro a ressuscitar. Vivemos nos últimos dias. “Soberano dos reis da terra” serve para mostrar quem realmente manda neste mundo. Não era o império romano, nem são os Estados Unidos, nem o FMI. Jesus é o soberano sobre todos eles. É ao Senhor dos senhores que servimos.
b. Tríplice expressão de louvor: (v.5b-8). É composta por: uma doxologia (v.5b-6), uma profecia (v. 7) e uma auto-proclamação da parte de Deus (v.8).
• doxologia: (v.5b-6). Jesus é louvado pelos seus poderosos atos de salvação. Lembra que Jesus agiu porque nos “ama” e não porque fôssemos merecedores de sua graça. O escritor afirma que Jesus “perdoou nossos pecados”, e que se não fosse isso seríamos tão ruins quanto aqueles romanos que estavam começando a perseguir e matar cristãos. E apresenta nossa posição como salvos: compomos “um reino” (singular), onde só pode haver um único rei - Jesus, sendo todos os outros servos; somos “sacerdotes” (plural), com responsabilidade de ministrar em favor uns dos outros e do mundo. As últimas palavras da doxologia são de louvor terminando com um “amém” que deve ser declarado por todos como sinal de concordância.
• profecia: (v.7). João faz uma declaração solene declarando a vinda visível e gloriosa de Jesus Cristo. A ênfase recai sobre os que o “transpassaram” (crucificaram) e sobre os povos que não quiseram reconhecê-lo enquanto puderam. Esses se “lamentarão” porque agora não terão mais chance de se arrependerem de seus pecados.
• auto-proclamação da parte de Deus: (v.8). Temos aqui uma palavra vinda diretamente de Deus. Ela repete termos do v.4 (“é, era e há de vir”), enfatizando mais ainda a eternidade e domínio de Deus sobre todas as coisas (“alfa e ômega”, primeira e última letras do alfabeto grego), e conclui com a declaração de ser “Todo-poderoso”. Essas palavras tinham o objetivo de dar segurança àqueles que serviam a Deus. Ele mesmo assegura ao seu povo o seu domínio sobre a situação.
3. VOCAÇÃO DO PROFETA - v. 9-20.
Neste ponto temos o chamado da parte de Deus para João. Ela divide-se em quatro itens: contexto de João (v.9); audição (v.10-11); visão (v.12-16); e comissão (v.17-20).
a. Contexto de João: (v.9). João não é apenas um profeta. Ele também é um “sofredor” por causa do testemunho de Jesus - é um irmão e companheiro na “tribulação”. É por isso que ele está na ilha de Patmos, uma ilha próxima da cidade portuária de Éfeso, possivelmente cumprindo uma pena de banimento.
b. Audição: (v.10-11). João ouve uma “grande voz”. A voz da parte do Senhor é uma característica do chamado profético (ver Jr 1,4-5; e Ez 1,2-3). Deus interfere na vida de João mandando-o, após registrar por escrito o conteúdo da visão, enviá-lo às sete igrejas.
c. Visão: (v.12-16). Após a audição vem a visão.
• v.12: Ele vê “sete candeeiros de ouro” (representam as sete igrejas - v.20).
• v.13: No meio deles está um “semelhante a filho de homem” (imagem provinda de Dn 7,13, que apresenta a vinda do Messias em poder). As “vestes talares” (= manto comprido) são roupas que caracterizam Jesus como sacerdote (ver Ex 28,4), enquanto a “cinta de ouro” era uma peça usada, provavelmente, pelo rei. Aqui temos combinado os aspectos messiânico, sacerdotal e real de Jesus Cristo.
• v.14: A “cabeça e cabelos brancos como a lã” são símbolos da eternidade de Jesus (vem de Dn 7,9 onde Deus é apresentado como um “ancião” que tem os “cabelos brancos”. Quer dizer, como ancião, ele é o mais velho de todos, é eterno). Os “olhos como chama de fogo” lembram a aparência do anjo em Dn 10,6. Este versículo apresenta Jesus como eterno mas que se comunica com os homens.
• v.15: Os pés “semelhantes ao bronze polido” e a voz “como de muitas águas” estão presentes novamente em Dn 10,6 que fala do aparecimento do anjo a Daniel. Temos aqui a ênfase em Jesus como comunicador às igrejas.
• v.16: As “sete estrelas” são os anjos das sete igrejas (v.20). A “espada de dois gumes” é a arma messiânica (Is 11,4) com a qual Jesus destruirá seus inimigos. Ela sai de sua “boca”, sendo, portanto, sua palavra (ver Hb 4,12). O “brilho do rosto” refere-se ao aspecto glorificado de Jesus Cristo (ver Mt 17,2).
Esta visão apresenta aspectos referentes ao poder de Jesus vinculado ao seu senhorio sobre o mundo, sobre sua Igreja e, em particular, sobre as sete igrejas da Ásia. Vários desses aspectos voltarão a aparecer nas cartas às igrejas (capítulos 2 e 3).
d. Comissão: (v.17-20). Como acontece com freqüência com os profetas, após uma visão vem o comissionamento para uma missão específica (Is 6,1-8; Ez 1,28-2,l). Diante do temor de João, há uma palavra de segurança de Jesus (v.17), com ênfase sobre seu poder pós-ressurreição (v.18). Novamente vem a ordem para “escrever” (v.19). Esta ordem já apareceu na audição (v.11), mas não havia nada para ser escrito ali. Agora não. João teve uma visão e ela continuará. Sua missão é registrar por escrito tudo o que será mostrado a ele e enviar às igrejas (v.19). No v. 20 Jesus fornece uma interpretação parcial da visão anterior (conforme interpretada nos vs. 13 e 16).
CONCLUSÃO
O capítulo 01 do Apocalipse, funcionando como introdução ao livro, tem uma função muito importante. Ele nos dá o título (revelação, profecia), impedindo que façamos confusão em sua interpretação; uma carta de abertura (v.4-8), onde o remetente e os destinatários são identificados, mostrando, assim, o contexto no qual o livro deve ser entendido; e a autoridade com a qual João escreve: ele foi vocacionado para escrever o Apocalipse (v.12-20). Estas informações são fundamentais para o entendimento de todo o livro.
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
DESTINATÁRIOS: AS SETE IGREJAS
Capítulos 2 e 3
Vimos que o capítulo 01, como Introdução ao livro, apresenta o título, uma carta de abertura e a vocação de João. Hoje veremos com mais cuidado os destinatários do livro: as sete igrejas das Ásia Menor (cp. 2 e 3).
1. AS SETE IGREJAS DA ÁSIA MENOR
As sete igrejas representam uma seleção dentre as igrejas existentes na região. Existiam outras, como por exemplo, a de Colossos. Isso nos leva a pensar sobre o porquê dessa escolha. Um princípio seria o fato de todas estarem conectadas por estradas romanas e distarem cerca de 55 quilômetros umas das outras. Esse aspecto era importante para as visitas apostólicas e para a troca de correspondência.
Outro aspecto era o fato de que cada uma dessas cidades possuía uma corte romana, onde, por serem cristãos, os membros das igrejas poderiam enfrentar problemas. Nas três primeiras cidades (Éfeso, Esmirna e Pérgamo) havia também templos dedicados a César onde a população lhe oferecia sacrifícios como deus.
Além disso, o número sete, é muito significativo, indicando totalidade. Cartas para “sete igrejas” poderia representar uma correspondência que visava atingir todas as igrejas existentes.
2. QUEM SÃO OS “ANJOS” DAS IGREJAS?
Este é um problema difícil de ser resolvido. As cartas são endereçadas ao “anjo” de cada igreja (2,1.8.12.18; 3,1.7.14). Quem são eles?
Se entendermos anjo como “ser celestial”, teremos algumas dificuldades para compreendermos alguns dados das cartas. O primeiro diz respeito ao fato de que o Apocalipse é enviado por Deus, através de Jesus, por intermédio do anjo para João (1,1). É o anjo que traz a revelação ao profeta. Já nas cartas as posições se invertem: nelas, Jesus manda João escrever para o anjo (1,19 e 2,1, etc). Mas como entender que João envie cartas para anjos? Por que eles precisam de cartas contendo orientações, se estão na presença de Deus (5,11)?
Outro problema é o fato de que as cartas são escritas “para os anjos”, e somente através deles para as igrejas. Nota-se isso quando são citados adjetivos no “masculino” que, portanto, dizem respeito ao “anjo” e não à “igreja” (que é feminino). Por exemplo: “rico” (2,9), “morto” (3,1), “frio” e “morno” (3,15). Isso que dizer que as palavras de louvor e as advertências de Jesus dirigem-se a eles. Mas, então, como podemos compreender que os anjos devam “arrepender-se” (2,1.16; 3,3.19)? Ou então que tenham “abandonado o primeiro amor” (2,4)?
Creio que a resposta está em outra direção. A palavra “anjo” significa literalmente “mensageiro” (ángelos), podendo ser um mensageiro celeste, ou seja, um anjo, ou não. O mensageiro pode ser uma pessoa (Mc 1,2; Lc 9,52), um profeta (Ag 1,13). Portanto, penso que os “anjos” das igrejas seriam profetas líderes nas comunidades (Ap 22,6) que receberiam de Deus a mensagem e que deveriam transmiti-la às suas igrejas. Nesse sentido, eles eram responsáveis pelo andamento de suas comunidades, tanto positiva, quanto negativamente.
3. A ESTRUTURA DAS SETE CARTAS
Todas as cartas têm a mesma estrutura que se apresenta em sete pontos:
1. Todas elas são dirigidas ao “anjo da igreja” (2,1.8.12.18; 3,1.7.14).
2. Todas se apresentam como palavra de Jesus: “Estas coisas diz...” (2,1.8.12.18; 3,1.7.14).
3. Em cada carta, Jesus recebe um título (2,1.8.12.18; 3,1.7.14). Quase todos os títulos vêm da visão que João teve de Jesus (1,12-20).
4. Em todas as cartas, Jesus começa dizendo: “Conheço...”, e descreve as qualidades positivas da comunidade (2,2-3.9.13.19; 3,8). A comunidade de Laodicéia não têm nada de positivo. Ela “não é fria nem quente” (3,15).
5. Jesus descreve o que cada comunidade tem de negativo e dá advertências (2,4-6.14-16.20-25; 3,2-3.15-19). Duas comunidades não têm nada de negativo: Esmirna e Filadélfia. A estas Jesus dá conselhos de perseverança (2,10; 3,11). Na comunidade de Sardes, o negativo é mais forte do que o positivo (3,4). Por isso, lá se inverte a ordem.
6. Todas elas têm o aviso final: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (2,7.11.17.29; 3,6.13.22).
7. Todas elas terminam com uma promessa ao vencedor (2,7.11.17.26-28; 3,5.12.21).
(Este sete pontos foram extraídos do livro: “Esperança de um povo que luta. O Apocalipse de São João. Uma chave de leitura”. 7a. ed. Carlos Mesters, São Paulo, Paulus. p. 43 e 44).
4. PROBLEMAS NAS IGREJAS
São basicamente de três tipos:
a. Pressões, tanto de pagãos (1,9; 2,13) quanto de judeus (2,9; 3,9). Tal problema se dava em virtude dos cristãos pertencerem a uma religião minoritária com costumes estranhos (Santa Ceia, por exemplo) e acusada de ser atéia (por não ter deuses e nem imagem deles).
As dificuldades com os judeus vinham do fato de que, após a destruição do templo em Jerusalém (70 d.C.) os cristãos foram expulsos das sinagogas. Nelas, a partir desse momento, eram pronunciadas maldições contra os cristãos. Para o Cristo, essa é uma “blasfêmia” que se faz contra seu povo (2,9). As sinagogas onde tais práticas aconteciam eram, na realidade, “sinagoga de Satanás” (2,9).
Os judeus não apenas expulsavam os cristãos da sinagogas como denunciavam-nos às autoridades romanas. Estas, por sua vez, acatando as acusações (possivelmente dizendo que eles eram “contra o imperador”), começavam a prendê-los (2,10), e até a matar alguns (2,13). A morte de Antipas, em particular, é interessante por ter acontecido em Pérgamo, cidade onde estava o “trono de Satanás” (2,13). Essa cidade era a sede do governo imperial na Ásia e o centro do culto ao imperador, possuindo o mais antigo templo dedicado a essa prática na região. É importante observar que a prisão e morte de cristãos não era um fenômeno amplo, mas limitado a algumas cidades da Ásia.
b. Problemas internos com falsos mestres (2,2 - apóstolos; 2,6.15 - nicolaítas; 2,14 - os que seguiam os ensinos de Balaão; 2,20-23 - a profetiza Jezabel). Os “falsos apóstolos” (2,2) eram pregadores itinerantes que viajavam pregando nas igrejas falsos ensinos. Os “nicolaítas” (2,6.15) estão associados com os “seguidores de Balaão” (2,14.15) e estes, por sua vez, com a “profetiza Jezabel” (3,20), visto que todos eles “comiam coisas sacrificadas aos ídolos e praticavam a prostituição”.
Os “nicolaítas”eram partidários de um pensamento gnóstico que enfatizava as coisas espirituais em detrimento das materiais. A conseqüência disso era uma permissividade no comportamento. Para eles, não havia problema em participar das ceias oferecidas aos deuses ou então na prostituição, visto que com isso somente o “corpo” era atingido. “Balaão” era lembrado por ter levado o povo de Israel a cultuar deuses estranhos (ver Nm 31,16 e 25,1-2), enquanto “Jezabel” ficara famosa por ter introduzido o culto de outros deuses em Israel (1Rs 18,19). Os dois últimos certamente são referências simbólicas a pessoas que, juntamente com os nicolaítas, estavam introduzindo nas igrejas um baixo padrão moral que não via problemas em comer coisas sacrificadas a ídolos ou no culto ao imperador, nem na prática da prostituição. Na realidade, estava havendo uma acomodação aos padrões morais e culturais dos pagãos. Essa não era uma questão apenas “religiosa”, mas “econômica”, visto que a carne sacrificada a ídolos era servida em jantares de negócios e em recepções particulares que compunham a vida profissional e social das pessoas da época. Participar ou não desses eventos poderia decidir se a vida profissional seria bem ou mal sucedida.
Para estas pessoas, João era “radical” ao exigir o abandono dessas práticas. Como podemos ver essa questão nos dias de hoje? Estaremos sendo radicais ou permissivos? Temos enfrentado o problema da assimilação de valores não-cristãos? Até onde isso é correto ou prejudicial?
c. Problema com a frieza espiritual (2,4 - abandono do primeiro amor; 3,4 - contaminação; 3,15 - perda de zelo). Esta questão relaciona-se diretamente com a pessoa de Jesus Cristo. Mesmo que uma igreja combata as heresias, como a de Éfeso (2,2.6), isso não substitui sua ligação com seu Senhor, apenas o complementa. Essa relação, expressa pelo “conservar o nome de Jesus” é que dá coragem para que se morra por Ele (2,13). É preciso ter um amor apegado a Jesus que nos leve à comunhão com Ele e à prática de uma vida realmente transformada. Quando isso não acontece, toma o seu lugar a frieza, e a auto-suficiência que coloca Jesus à parte da vida (3,15-17.20). Para que a situação mude é necessário que se ouça o chamado ao “arrependimento” (2,5.16; 3,3.19).
Talvez, mais do que nunca, nós, como igreja, devamos analisar nossas vidas dentro dessa radicalidade do amor integral a Jesus. Devemos também refletir se estamos constantemente avaliando a vida e vendo a necessidade de arrependimento.
CONCLUSÃO
Analisar as sete igrejas e seus problemas é muito importante para que possamos ter um quadro correto do porquê o Apocalipse foi escrito. Nelas temos um misto de igrejas que tem passado por dificuldades mas que estão se mantendo fiéis, e igrejas que não tem conseguido discernir as exigências da vida cristã. Tal situação não é diferente hoje. O problema principal para nós, semelhante ao das igrejas da Ásia, é o da assimilação. Cada geração é chamada a refletir sobre sua conduta diante desse desafio. Assimilaremos elementos, correndo o risco de sincretismo, ou nos fecharemos totalmente, podendo nos tornarmos alienados?
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
ABERTURA DOS SELOS
4,1-7,17
Após analisarmos as cartas remetidas às sete igrejas da Ásia, que apresentam os problemas pelos quais aquelas comunidades estavam passando, a partir do capítulo 04 temos as seis visões que desenvolvem um paralelismo progressivo. A primeira destas visões está nos capítulos 4 a 7.
Estes capítulos dividem-se em duas partes:
? capítulos 4 e 5 - cena de abertura no céu.
? capítulos 6 e 7 - abertura dos sete selos.
1. CENA DE ABERTURA NO CÉU - cp. 4 e 5.
Estes dois capítulos falam sobre Deus (cp. 4) e Jesus Cristo (cp. 5), e têm a mesma estrutura:
Apocalipse 4 - Deus
a. Glória de Deus (4,2-8a)
b. Adoração a Deus (8b-11)
b.1. Primeiro hino (8b)
b.2. Narrativa (9-10)
b.3. Segundo hino (11)
Apocalipse 5 - Jesus
a. Glória do Cordeiro (5,5-7)
b. Adoração ao Cordeiro (8-12)
b.1. Primeiro hino (9-10)
b.2. Narrativa (11-12a)
b.3. Segundo hino (12b).
Esta seção termina com a adoração tanto a Deus quanto a Jesus Cristo (5,13-14).
Temos, nestes capítulos, aquilo que é chamado de “Conselho do Senhor”. Ele é apresentado segundo o modelo das cortes orientais da Antigüidade, e, no nosso caso, é composto da Trindade, dos seres celestiais que estão diante dela (outros exemplos: 1R 22,19; Jó 1,6-7), e dos 24 anciãos. Quem são eles?
Comecemos com os 24 anciãos (4,4). Eles não são anjos, mas homens. Isso pode ser verificado porque estão sentados em tronos (ver Mt 19,28), têm coroas (a coroa é recebida pelo crente fiel - 2,10) e estão vestidos de branco (outra característica dos cristãos - 3,4-5). Mas então, como identificá-los? Não há muita certeza quanto a isso. Talvez, através do título anciãos, possamos pensar nos líderes da sinagoga e das comunidades primitivas (presbítero significa “ancião”). Nesse sentido, tem-se suposto que o número 24 representaria 12 tribos de Israel (= povo da Antiga Aliança) mais 12 apóstolos (= povo da Nova Aliança), simbolizando o povo de Deus de todas as épocas. Outra possibilidade seria a de que o número 24 representaria os escritores dos livros do Velho Testamento (em algumas listas do cânon judaico apresenta-se 24 livros). Estes escritores, por sua importância, estariam ao redor do trono de Deus. Mas não como chegar a uma definição concreta.
Os seres viventes (4,6-8a) são apresentados tendo como pano de fundo Ez 1,5.10 e 10,20. Eles são descritos ali como “querubins”. Isaías também fornece uma parte da imagem onde diz que os “serafins” têm seis asas (Is 6,2 // Ap 4,8a) e apresenta o cântico deles (Is 6,3 // Ap 4,8b). Esses seres, pela proximidade com Ezequiel, estão mais próximos de querubins do que serafins. Eles representam a criação visto que um é semelhante ao “leão” (=os animais selvagens), outro ao “novilho” (= animais domésticos), o terceiro ao “homem” (= raça humana), e o último a “águia” (= pássaros). Estes seres, como representantes da criação louvam a Deus (v.8). Além disso, os querubins eram responsáveis por guardar as coisas mais santas e próximas de Deus (ver Gn 3,24 e Ex 25,20).
Por último, nesta visão do Conselho do Senhor temos a presença do “trono”, e de “Deus” sentado nele (4,2). João não descreve Deus em termos antropomórficos, mas usa pedras preciosas (v.3). “Jaspe” é uma pedra transparente, e o “sardônio” é vermelho, faiscante. Possivelmente esta descrição quer enfatizar o aspecto precioso e glorioso de Deus em seu trono. Já o “arco-íris” mostra que neste trono não há apenas poder, mas misericórdia. Ele é símbolo do pacto de Deus com o homem (Gn 9,8-15). Temos, portanto, no trono, um Deus que é glorioso e misericordioso ao mesmo tempo.
O capítulo 5 começa falando de um “livro” selado com sete selos, que está nas mãos de Deus (v.1). Que livro é esse? É o livro que contém o domínio de Deus sobre todas as coisas, bem como a definição da libertação do seu povo e a punição daqueles que se voltam contra a igreja e seu Senhor. Portanto, tudo o que acontece no Apocalipse é a revelação do conteúdo do livro.
Os “sete selos” que mantém o livro fechado (possivelmente um pergaminho ou papiro) e que são abertos no capítulo 6 e 8 não fazem parte do conteúdo do livro, mas formam uma preliminar à abertura do mesmo.
João chora muito porque ninguém pode abrir o livro e, sendo assim, não há nenhuma certeza quanto ao futuro (v.4). Porém um dos anciãos apresenta Jesus no v.5 como “leão da tribo de Judá” (Gn 49,9-10 que fala do reinado provindo da tribo de Judá) e “raiz de Davi” (Is 11,1 indicando que o Messias viria da família de Davi). Essas duas descrições mostram Jesus em seu caráter real e vencedor. Por outro lado, no v.6 Ele é apresentado como “Cordeiro como tinha sido morto”, que demonstra o caráter sacrificial da obra de Jesus. Esse aspecto é enfatizado nos dois cânticos que citam a morte de dEle (v.9 e 12). Há aqui, possivelmente, a apresentação de Jesus como aquele que vence através da morte como modelo para os crentes (2,10).
Finalmente, Jesus toma o livro (v.8) e no capítulo 6 ele começa a abrir os selos. É importante notarmos aqui que a visão do trono de Deus e de Jesus representa o passado, o momento da exaltação de Jesus à direita de Deus através da ressurreição e a posse de seu domínio sobre todo o universo.
O objetivo da visão nos capítulos 4 e 5 é fornecer confiança e força para os crentes diante dos problemas que virão. Eles, por serem cristãos, não estariam livres de pagar o preço pela sua fé. Mas era importante saber que, no final de tudo, Deus estava controlando a situação e que Jesus traria o consolo a eles e a punição aos seus perseguidores.
2. ABERTURA DOS SETE SELOS - cp. 6 e 7.
Como dissemos acima, os selos não apresentam o conteúdo do livro, mas são antecipações a ele. Os quatro primeiros selos devem ser vistos formando um bloco pela unidade da estrutura que gira em torno dos cavaleiros, enquanto o quinto fala especificamente da igreja, o sexto sobre a segunda vinda, e o sétimo vem somente no capítulo 8.
O primeiro cavaleiro (6,2), que leva um “arco” representa soldados “partos” que eram os únicos arqueiros montados na época. A Pártia era um reino situado a leste da Palestina e que significava constante fonte de ameaça ao domínio romano no oriente. Aqui este cavaleiro simboliza guerras e conquistas que ameaçavam o império romano.
O segundo cavaleiro (v.3-4) simboliza o conflito e a guerra entre os povos em geral.
O terceiro cavaleiro (v.5-6) traz a imagem da escassez. “Uma medida de trigo” era o consumo de uma pessoa durante um dia. “Um denário” era o salário de um dia de trabalho. Portanto, mostra-se aqui que os tempos são difíceis, visto que gasta-se todo o dinheiro para a alimentação de uma única pessoa. A cevada, mais barata, era o alimento dos pobres. Somente com ela poderia-se alimentar a família. A questão aqui é a crise econômica.
O quarto cavaleiro (v. 7-8) parece sintetizar o segundo e o terceiro. Ele traz a morte pela “espada” que pode ser referência à guerra, mas também a todo o tipo de morte violenta, p.ex. assassinato. A morte pela “fome” é uma derivação mais intensa da escassez do v.6.
O quinto selo (v.9-11) apresenta os cristãos que têm sido mortos. Eles estão diante de Deus (v.9). O Apocalipse até aqui fez menção apenas a uma morte (2,13) e à possibilidade de se morrer (2,10). Possivelmente João vê as coisas de modo presente e também futuro, ou seja, estaria vendo aqueles que “seriam” mortos. Eles pedem vingança a Deus, mas não especificam seus assassinos. Isso será mostrado mais adiante no livro.
O sexto selo (v.12-17) expressa a segunda vinda de Jesus. Pode-se notar através dos sinais no v. 12 e pela referência ao “dia da ira” (v.17), termo vétero-testamentário que significa o dia da vinda de Deus para julgamento.
Mas, qual o sentido desses selos? Eles simbolizam a presença do mal, pecado e sofrimento no mundo, durante todas as épocas, atingindo todas as pessoas, sejam cristãs ou não. Isso pode ser visto através da comparação com Mt 24. O segundo, terceiro e quarto selos estariam relacionados com Mt 24,6-8; o quinto selo com Mt 24,9-13; e o sexto selo com Mt 24,29-31. É importante frisar que Mt 24 não apresenta “sinais” antecipatórios para a vinda de Jesus, pelo contrário, seu objetivo é mostrar que tais acontecimentos não representam o fim (24,6b e 8). O mesmo se dá com os selos do Apocalipse. Eles mostram que os cristãos estão sujeitos a sofrimentos dentro do mundo como qualquer ser humano e que tais tribulações não evidenciam a chegada do juízo de Deus ao mundo, elas não são o “conteúdo” do livro, são apenas um dado preliminar.
Nesse contexto tornam-se muito importantes as visões dos capítulos 4 e 5. Se os cristãos devem passar por sofrimentos, é necessário que saibam que, apesar dessas lutas, Jesus está dirigindo os destinos do mundo e dará forças a eles para vencer.
Antes que o sétimo selo seja aberto, temos o capítulo 7. Ele expressa um interlúdio para a abertura do último selo. Isso fornece uma caráter dramático ao texto. Deve-se esperar mais um pouco para que o sétimo selo seja aberto e, finalmente, possa-se conhecer o conteúdo do livro.
O capítulo 7 não segue uma ordem cronológica com o capítulo 6, como se, depois da segunda vinda de Jesus, acontecessem os fatos descritos nele. Pelo contrário, fala-se para que não se danifique o planeta até que os servos de Deus sejam selados (v.3). É impossível falar em dano sobre a terra após a segunda vinda de Cristo!
Temos, no capítulo 7, duas cenas: uma na terra (v.1-8), e outra no céu (v.9-17). Na primeira, temos os cristãos sendo selados (v.3), o que significa que eles recebem a marca de Deus, são possessão dEle. Isso lhes dá garantia de que Deus os guardará durante os períodos de sofrimento. O número de “cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos de Israel” (v.4) significa, por um lado, um recenseamento que Deus faz, mostrando que conhece exatamente quantos são os seus. Por outro lado, o número indica que são doze mil de cada uma das 12 tribos. Isso é simbólico, e quer mostrar a totalidade do povo de Deus. Não falta ninguém! Esse Israel é o “Israel espiritual” (Gl 6,16; Tg 1,1), a Igreja. Mesmo que ela sofra, Deus a guarda.
Na segunda cena (v.9-17), temos a igreja no céu. Os crentes estão “diante do trono e do Cordeiro” (v.9). São, especialmente, aqueles que têm morrido por seu testemunho (v.14 com 6,9). Para eles é apresentado o término do sofrimento como acontecerá na segunda vinda (v.16-17 com 21,4). Esta imagem é importante para as igrejas da Ásia Menor, onde alguns haviam morrido e outros estariam para morrer, demonstrando o seu destino e sua bem-aventurança ao lado do Senhor.
CONCLUSÃO
Deus está no controle de todas as coisas! Jesus tem o domínio sobre a história. Mesmo que passemos por tribulações, o Senhor nos conhece um a um. Isso deve fazer diferença para nós!
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
O TOQUE DAS SETE TROMBETAS
8,1-11,19
Na abertura dos selos, quando esperamos que o sétimo seja aberto, o escritor apresenta um interlúdio (capítulo 7) para somente depois dele abrir o último selo. Mas, para nossa surpresa, esse selo não introduz a abertura do livro com a revelação do seu conteúdo e conseqüentemente a vinda de Jesus; pelo contrário, ele traz uma nova série de sete. Agora são sete trombetas que serão tocadas! Elas compõe o conteúdo do sétimo selo. Temos um novo bloco do livro que volta a apresentar o paralelismo progressivo.
Em termos cronológicos, o texto começa novamente a falar do presente (8,3 - os cristãos das igrejas que estavam orando), e do futuro (11,17-18 - julgamento dos mortos e galardão). Além disso, não existe seqüência cronológica entre os selos e as trombetas, visto que em 6,12 fala-se do “sol que se tornou negro”, e em 8,12 há a menção de que “um terço do sol se tornou escuro”. Se no capítulo 6 o sol já estava escuro, como, no capítulo 8, ele teve apenas uma terça parte sem luz? Isso mostra que não há sucessão de tempo entre as duas seções.
À semelhança do bloco anterior, estes capítulos também são divididos em duas partes:
? 8,1-6 : cena de abertura no céu.
? 8,7-11,19 : toque das trombetas.
1. CENA DE ABERTURA NO CÉU - 8,1-6.
A abertura do sétimo selo introduz uma cena celestial (v.1-2). Um anjo queima incenso para oferecer com as orações dos santos (v.3-4). Os sacrifícios no V.T. eram apresentados com incenso (Lv 16,12), e a oração, vista como um sacrifício a Deus passou a ser comparada ao incenso que sobe diante de Deus (Sl 141,2). Esta cena fornece a garantia de que as orações dos fiéis têm chegado a Deus e que Ele as responde. Essa resposta se manifesta quando o anjo pega o fogo do altar e joga sobre a terra (v.5). Isso indica o julgamento de Deus que se dará através do toque das trombetas. Talvez fosse isso que os cristãos pediam em suas orações.
2. O TOQUE DAS TROMBETAS - 8,7-11,19.
Trombetas foram usadas para sublinhar os grandes momentos na história de Israel (foram usadas: para anunciar o combate - Jr 4,5; nas festas - 2Sm 15,10; na cerimônias cultuais - Nm 10,10; nas teofanias - Ex 19,16ss). São elas que anunciarão a vinda de Jesus (Mt 24,31; 1Co15,52; 1Tss 4,16). Somos tentados a identificar as trombetas do Apocalipse com este último sentido. Porém, a análise do texto mostra que essa relação não é correta. Elas não anunciam o fim, mas sim o juízo de Deus que se manifesta na terra e sobre os homens no decorrer da história. Parece que o uso delas é justamente para quebrar essa expectativa iminente, mostrando que ainda não é o fim.
Dentro do paralelismo progressivo, as trombetas apresentam basicamente o mesmo tema dos selos: as catástrofes que vêm sobre a humanidade. Enquanto nos selos esses sofrimentos acontecem de modo generalizado, para cristãos e não-cristãos, nas trombetas eles visam os homens que não crêem (8,13 - os “que moram na terra” são os homens que têm perseguido os cristãos [ver 6,10]; 9,4). Elas mostram que, para estes homens, o sofrimento é especialmente duro. Nele, os cristãos são chamados à perseverança, e os incrédulos recebem uma advertência de Deus para que se arrependam (9,20-21). Por isso a destruição não é total, ela visa apenas a “terça parte” (8,7.8-9.10.11.12; 9,18). Porém os homens não se voltam para o Senhor, e por isso serão destruídos na manifestação de Jesus (11,18b). Isso se dará na sétima trombeta, que marca o fim (11,15-19).
As pragas que vêm por intermédio das trombetas devem ser entendidas como conseqüência e retribuição aos pecados dos homens. Somente nesse sentido é que pode-se entender que a terra e a natureza sofram (8,9.11. Ver Rm 8,20-22). Além disso, o pano-de-fundo das trombetas se encontra nas pragas do Egito (Ex 7-11) que mostram o juízo de Deus sobre um povo que oprimiu os israelitas e não quis ouvir a voz de Deus.
Primeira trombeta (8,7). Representa qualquer tipo de destruição que causa dano à terra (ver a relação com a sétima praga em Ex 9,24-25).
Segunda trombeta (8,8-9). Indica, na linguagem apocalíptica, os danos ocorridos no mar. Os seres aquáticos são atingidos, bem como o comércio marítimo, que era muito importante para Roma, através da destruição das embarcações. Esta catástrofe é mais séria que a primeira, porque atinge, mesmo que indiretamente, os seres humanos (ver a primeira praga em Ex 7,20-21).
Terceira trombeta (8,10-11). Se a terra e o mar já foram atingidos, agora a destruição atinge a água potável. As águas se tornam em “absinto”, uma planta que, por ser muito amarga, passou a ser usada como sinônimo de “veneno”. Nesta trombeta os homens são atingidos diretamente. Muitos deles morrem. Uma depois da outra, os segmentos mais necessários à vida humana na terra são atingidos.
Quarta trombeta (8,12-13). Se o sol tornando-se negro, e as estrelas caindo são sinais da vinda de Jesus (6,12-13), o escurecimento da terça parte do sol, da lua e das estrelas é um sinal antecipatório de que o fim está próximo. É essa a mensagem que a águia traz no versículo 13.
Quinta trombeta (9,1-12). O versículo 13 marcou uma transição entre as quatro primeiras trombetas e as três últimas. As últimas são mais intensas e piores que as anteriores. A citação da “estrela que cai do céu” (v.1) é usada para descrever seres vivos que atuam arrogantemente (Is 14,12) e aqui pode referir-se a Satanás (Lc 10,18; Ap 12,9). O “abismo” é o inferno antes do juízo final (Ap 20,1.3). Os gafanhotos como “escorpiões” (v.3, 10) lembram seres subordinados ao diabo (Lc10,19), portanto, “demônios”. A imagem, portanto, está clara. Enquanto as trombetas anteriores falavam de males físicos, aqui a ameaça é espiritual. É o sofrimento que o diabo e seus demônios impõe aos homens que “não têm o selo de Deus” (v.4).
Sexta trombeta (9,13-21). Esta última trombeta, antes do final, apresenta um último aviso e mais grave: a morte (v.15, 18). De fato, ela nos faz pensar na nossa situação diante de Deus. Mas mesmo diante dela, os homens não se arrependem (v.20-21).
Agora, à semelhança do que aconteceu com os selos, há um interlúdio (capítulo 10-11,14). Ele serve para aumentar a expectativa antes da última trombeta.
Um anjo vem e afirma através de um juramento que não haverá demora para o fim (10,1-7). Ordena-se a João que coma o livro que está com o anjo (v.8-10), sinal e símbolo de vocação profética (ver Ez 2,8-3,3). Comer o livro significa encher-se da revelação profética. Isso acontece porque João tem muito o que profetizar (v.11).
No capítulo 11 João deve medir o santuário e o altar do templo (v.1). Logicamente o templo aqui não é uma realidade física, visto que ele já havia sido destruído no ano 70 d.C. Possivelmente se refere à Igreja, enquanto santuário de Deus (1Co 3,16; 2Co 6,16; Ef 2,21). A medição significa “preservação”. O que não é medido é entregue aos gentios para destruição (v.2). Temos, portanto, a reafirmação daquilo que dissemos anteriormente, que os cristãos são guardados por Deus durante o toque das trombetas.
Essa mesma igreja que é protegida por Deus, é mandada testemunhar através do símbolo dos dois profetas (11,3). Eles são Elias (v.6a) e Moisés (v.6b), que eram tidos como os maiores profetas de Israel. Em termos proféticos, representam muito bem a Igreja. Eles são guardados por Deus (v.5). Devem profetizar 1.260 dias, período esse entendido como compreendendo o tempo entre a primeira e segunda vindas de Jesus (ver 12,4-5.14). A besta, que surgirá no capítulo 13, os mata (v.7-8). Os povos alegram-se com isso (v.10), possivelmente porque eles pregavam contra seus pecados. Mas três dias e meio depois da morte das duas testemunhas elas ressuscitam (v.11), como o Senhor Jesus, e vão para junto do Pai (v.12). Esse é o destino da Igreja. Embora receba forças para suportar os tormentos que se abatem sobre a terra, sua pregação aos homens desperta ira, e ela é perseguida. Isso tem acontecido na história da Igreja e acontecerá até a vinda de Jesus.
Por fim, temos a sétima trombeta (11,15-19). Ela marca a chegada do fim. Jesus julga os mortos, dá galardão aos santos e destrói os ímpios (v.18-19). Aqui Jesus é visto em toda a sua justiça que trará alegria àqueles que sofreram em seu nome e punição para os que o rejeitaram.
CONCLUSÃO
Nas trombetas temos novamente o paralelismo progressivo. Pela segunda vez são apresentadas catástrofes que se manifestam na história da humanidade. O objetivo delas agora é atingir os descrentes a fim de despertar arrependimento e fé neles. A Igreja é enviada ao mundo para testemunhar o evangelho de Jesus (cp. 11). Porém, apesar dos sinais de Deus e da pregação da Igreja, o mundo não crê e mantém-se endurecido em seu pecado. Nesse contexto, a sétima trombeta vem para dar o pagamento que cada um merece.
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
A IDENTIDADE DO IMPÉRIO ROMANO E A PERSEGUIÇÃO
DOS CRISTÃOS POR ELE
Capítulos 12 a 14
Neste estudo começamos um novo ciclo dentro do Apocalipse. Nele, as coisas vão ficando mais claras e explicadas. Aqui, fora as referências indiretas nas cartas às igrejas, é a primeira vez que o império romano aparece de modo claro. Ele é citado devido a sua relação com os cristãos. Todo o resto do livro será um desenvolvimento do que for mostrado neste texto.
Estes capítulos se dividem da seguinte maneira:
? 12 e 13: a hostilidade do dragão e das duas bestas.
? 14: anúncios do julgamento divino.
1. A HOSTILIDADE DO DRAGÃO E DAS DUAS BESTAS - cp. 12 e 13.
Estamos novamente no passado, na encarnação de Jesus (12,5). A “mulher” é símbolo de Israel, de onde vem Jesus (ver Is 66,7-8 para a imagem de Israel dando a luz filhos), e da igreja, cuja descendência é perseguida pelo dragão (12,17). O “dragão” é Satanás (12,9), e a “criança” que nasce é Jesus Cristo (12,5 - referência ao Salmo 2 que fala do Messias).
O dragão quer “devorar o filho da mulher” (v.4). Ou seja, ele queria matar Jesus Cristo antes que Ele consumasse sua obra na cruz (Ver, nesse sentido, a intenção demoníaca de Herodes em Mt 2,16-18). Porém não consegue. A criança é arrebatada aos céus por Deus (v.6), o que significa sua ascensão após a ressurreição. O objetivo destes primeiros seis versículos, portanto, é mostrar como o diabo foi malsucedido ao tentar destruir o Senhor Jesus Cristo.
Como conseqüência do que foi dito acima, os versículos 7-12 mostram a expulsão do diabo do céu que se deu com a encarnação, vida (o que pode ser visto através da vitória sobre o diabo no deserto - Mt 4, e nos diversos exorcismos), morte e ressurreição de Jesus (Jo 12,31-32; 16,11). Essa expulsão é apresentada através de uma luta celestial (vs.6-9). A vitória de Jesus é assumida pelos cristãos (v.11).
A expulsão do diabo já foi mencionada na quinta trombeta (9,1-11) que falava da sua ação sobre os homens descrentes. Agora sua ira (v.12) se manifesta contra a igreja (v.13). A mulher (= igreja) foge com “asas de águia” (símbolo de ajuda divina - Ex 19,4) para o “deserto” (referência à saída do povo do Egito, em direção ao deserto, onde Deus os dirigiu e protegeu contra o faraó). Como já foi mencionado, esse “um tempo, tempos, e metade de um tempo” significa todo o período entre a primeira e a segunda vindas de Jesus Cristo. A “água” que sai da boca do diabo (v.15) significa maldade, tribulação lançados contra a igreja (Ver sobre o símbolo da água - Sl 32,6; 124,4). Mas a igreja é salva (v.16). Isto só torna o diabo mais irado, e sua próxima investida será através da duas bestas (cp.13).
A primeira, a “besta que surge do mar” (13,1) é o império romano (ver 17,3 e 9, onde menciona-se os “sete montes”, referência explícita à cidade de Roma). O “mar” representa os poderes que se opõe ao domínio de Deus (Sl 74,13-14; 89,10-11) ou então significa o “mar Mediterrâneo”, lugar de domínio romano. Em ambos sentidos, mar, aqui, significa oposição a Deus. A besta que vem do mar é o império romano que se opõe a Deus e ao seu povo. Estamos agora falando do presente, dos problemas da comunidade em seus dias diante de Roma.
Por trás deste domínio político, diz João, está o diabo (v.2b). Fica claro que a questão da oposição de Roma que surge, ou surgirá, não é uma questão política apenas, mas sim religiosa. É nesse sentido que os cristãos devem entender a situação e se posicionar diante dela. Se em Rm 13 o imperador é instrumento de Deus, neste capítulo ele é instrumento do diabo. Como o cristão deve se comportar diante dessas realidades?
A “cabeça ferida de morte que é curada” (v.3), no texto grego é muito parecida com a afirmação sobre Jesus, que é o “Cordeiro como tinha sido morto” (5,6). A “cabeça” significa um imperador romano (ver 17,9b). Portanto, há um imperador que arroga o direito de ocupar a mesma posição de Jesus como ressurreto. Na época havia uma lenda que dizia que o imperador Nero, morto em 68 d.C., voltaria à vida, e, cria-se, isso estaria acontecendo. Domiciano era, para o povo, o Nero redivivo! Isso maravilhava “toda a terra” (v.3b) e trazia “adoração ao dragão e à besta” (v.4). Temos, nestes versículos, um princípio importante para a manutenção de todo poder político: criar uma “aura de divinização” em torno de si. Ou seja, apresentar-se como representando Deus, ou então, divinizando seus heróis. É o que acontece com os Estados Unidos, que dizem cuidar da democracia de todo o mundo, como país escolhido por Deus, sendo que, na realidade, trazem opressão. De modo semelhante, o Brasil apresentava o golpe de estado de 1964 como orientado por Deus para preservar a democracia contra o “comunismo diabólico”. O Apocalipse nos ajuda a ver por “detrás” dessa máscara. Ver o quem realmente está agindo. E o que se esconde por detrás dessa fachada é o poder diabólico que gera violência, sofrimento e derramamento de sangue.
A besta profere blasfêmias, persegue a igreja e a vence, dominando sobre os povos que a cultuam (v. 6-8). É um tempo de opressão. Nessa hora, é importante crer que, apesar do sofrimento e da morte, os cristãos já venceram o diabo (12,11-12).
A segunda besta, a que “surge da terra” (13,11-18), representa o poder religioso do império. Ela “parece cordeiro”, referência a Jesus Cristo, mas fala como “dragão” (v.11). É a máquina estatal a serviço da adoração do imperador. Possivelmente fala-se aqui dos sacerdotes dos templos que cultuavam ao imperador e dos altos funcionários provinciais responsáveis pelo desenvolvimento desse culto (v.12). Mas essa prática só desenvolveu-se porque havia uma desejo e aspiração do próprio povo. A sociedade o estimulava (a Ásia Menor foi a região onde tal culto mais desenvolveu-se), e aceitava de bom grado a idéia de fazer imagens em homenagem ao imperador para cultuá-lo (v.14). Os cristãos por não adorarem a imagem do imperador, declarando-o Senhor, eram mortos (v.15).
Esta segunda besta, enquanto manifestação religiosa, opera “sinais”, visto que Satanás está por trás dela (2Tss 2,9). Ela desenvolve uma identidade profética poderosa, semelhante a Elias (v.13. Ver 1Rs 18,30-38). Também torna viva a imagem da besta (v.15a), possível referência aos oráculos que eram proferidos por ela. Assim como os que adoram a Deus foram marcados (7,3), os adoradores da besta também o são (v.16). Tal procedimento significa a identificação daqueles que são leais, tanto a Deus, quanto à besta. Esta caracterização irá definir o destino de cada pessoa no desenrolar do livro. Assim como a marca de Deus, a marca da besta também era simbólica. Não existe dado histórico indicando que todos que adoravam ao imperador recebiam uma marca. A marca consistia na própria lealdade, fosse a Deus ou ao diabo. Portanto, adorar ao imperador inclinando-se diante de sua estátua, maravilhando-se com seus sinais prodigiosos, e seguindo suas orientações como se fosse um deus, já constituía um sinal que haveria de identificar seus praticantes.
Do mesmo modo, o “número da besta” (v.18) não introduz um nome específico, visto que já sabemos que a besta é o império romano, representado por seu imperador, Domiciano, mas sim um simbolismo. O número seis, por ser inferior ao sete, número da perfeição, simboliza exatamente seu oposto, a “imperfeição”. Dizer que o número da besta é 666, significa dizer que, apesar de toda sua arrogância e poder, o império romano é imperfeito, até mesmo frágil e que, portanto, é sábio aquele que se mantém ao lado de Deus.
A imagem das duas bestas é altamente relevante para nós. Muitas vezes, de modo infantil, temos nos preocupado com o “significado” do número da besta e do seu sinal, não compreendendo o real sentido disso. Na verdade, tem o sinal da besta aquele que sente-se fascinado pelo estilo de vida da sociedade; aquele que idolatra uma ideologia, seja comunista ou capitalista; aquele que coloca um propósito de vida materialista para si; aquele que se deixa guiar por um Estado totalitário, ou pseudo-democrático, etc. Todas essas expressões de vida e, na realidade, de fé, quando se tornam senhoras de nossa vida, nos marcam com o sinal do verdadeiro dirigente de nossos destinos: o diabo. É por isso que devemos lembrar sempre: a característica deles é 666, ou seja, eles são imperfeitos! Temos tido discernimento para entender isso???
2. ANÚNCIOS DO JULGAMENTO DIVINO - cp. 14.
Assim como os dois blocos anteriores mostram, depois da descrição das catástrofes, a segurança do povo de Deus antes do juízo final (cp. 7; 11,1-2), aqui também o mesmo acontece. Após apresentar o império romano como o instrumento usado pelo diabo para perseguir os cristãos, é mostrada uma cena onde Deus guarda aqueles que são seus (14,1-5). Os crentes entoam um cântico que somente eles podem cantar (v.3). Não é dito nada sobre a letra do cântico. Mas com certeza era semelhante aos anteriores (4,11; 5,9; 7,12 etc) que falavam da soberania de Deus, e da obra redentora de Jesus. Somente eles, como salvos, podem cantar. Mesmo diante da perseguição e do sofrimento (cp. 13) há louvor em seus lábios. A consciência da soberania de Deus sobre nossas vidas conseqüentemente nos leva a louvar Seu nome.
A partir de agora vem o anúncio do julgamento de Deus. Passamos a falar do futuro. Um anjo traz um “evangelho” (= boa notícia) anunciando que é chegado o “seu juízo” (v.6-7). O anúncio do evangelho não consiste somente de salvação, mas de juízo também (ver Lc 3,17[linguagem apocalíptica de juízo] e 18).
O juízo que tem chegado é definido em relação a Roma. O anjo anuncia a queda da “Babilônia” (= Roma. Ver 1Pe 5,13). Este é um julgamento “na história”. Toda manifestação do juízo divino que acontece na história humana é antecipação do juízo vindouro.
Outro anjo anuncia o juízo de Deus sobre os que “adoram a besta”. Se anteriormente Deus havia, através das catástrofes na história, chamado tais homens ao arrependimento (cp. 8 e 9), agora define seu destino futuro (vs.9-11).
Há, em seguida, uma bem-aventurança sobre os que tem morrido no Senhor (v.13). Isso mostra que Deus nunca esquece daqueles que lhe são fiéis.
Por fim, há a descrição do juízo final (vs.14-20). Ele é visto como uma “ceifa” (v.15-16. Ver Mt 13,30) que objetiva aqueles que “adoram a besta”, os quais serão atirados no “grande lagar da cólera de Deus”.
O capítulo quatorze fala, portanto, do juízo de Deus, que é mais específico do que os já apresentados, e que enfoca aqueles que não o temem. Traz, de certa forma, consolo para os que sofrem, e já é uma resposta à oração dos fiéis que pediam justiça (6,10). Esta justiça será mais desenvolvida nos capítulos seguintes.
CONCLUSÃO
Os capítulos 12 a 14 cobrem, como as seções anteriores, o passado, presente e futuro. O passado, é lembrado em função da incapacidade do diabo para matar Jesus o que, conseqüentemente, introduz o presente, ao apresentá-lo perseguindo a igreja, tendo como instrumento o império romano. Já o futuro mostra o outro lado da realidade ao declarar que aqueles que hoje perseguem, no futuro, através do juízo de Deus, serão perseguidos. Devemos lembrar através destes capítulos que, diante dessas realidades, é impossível ficar passivo. Ou se tem a marca de Deus, ou da besta. Novamente João é radical.
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
AS SETE TAÇAS
Capítulos 15 e 16
Após termos visto nos capítulos 12 a 14 a identidade do perseguidor dos cristãos: o império romano, e o poder por trás dele: Satanás, veremos hoje o derramar da “cólera de Deus” sobre o mundo (15,1; 16,1) e especificamente sobre a besta, os que tem a sua marca, e a Babilônia.
Novamente, neste ciclo, vemos repetir-se o período que cobre toda a história humana. Devemos repetir que estes capítulos não estão em “seqüência cronológica” com os anteriores. Evidência disso é a afirmação em 14,8 de que Babilônia (Roma) “caiu”. Porém em 16,19 fala-se novamente de sua destruição e no capítulo 17 ela é descrita de modo detalhado antes de perecer.
Os três capítulos estudados hoje estruturam-se assim:
? Capítulo 15. Cena de abertura no céu.
? Capítulo 16. As sete taças da ira de Deus.
1. CENA DE ABERTURA NO CÉU - cp. 15.
João vê sete anjos com sete flagelos pois com eles se “consumou (consumará) a ira de Deus”. Temos visto a ação de Deus sobre a terra (natureza e homens) nos selos e trombetas. Agora sua manifestação é mais enfática. Ele está irado contra aqueles que tem perseguido sua Igreja e irá agir contra eles. Esse é o alvo das sete taças.
João introduz uma visão que manifesta o tempo presente ao mostrar no céu aqueles que “venceram a besta”. Isto é importante, pois assegura que aqueles que foram aparentemente “derrotados” e “mortos” pela besta (13,7.15), na realidade, foram “vitoriosos” sobre ela. Eles não estão tristes por terem morrido, pelo contrário, tem cânticos de louvor a Deus e ao Cordeiro em seus lábios (15,3-4).
Em seguida sete anjos recebem sete taças de ouro contendo a cólera de Deus (15,7). Isso significa que o que está para acontecer na terra não é obra do acaso, mas obra de Deus. O que acontece na terra é definido no céu.
2. AS SETE TAÇAS DA IRA DE DEUS - cp. 16.
Levítico 26,21 afirma que aqueles que não querem andar segundo a vontade de Deus recebem “pragas” da Sua parte. É o que acontece aqui. Devemos notar uma progressão nas ações de juízo de Deus sobre a terra. Nos selos, toda a terra é atingida pelas catástrofes que acontecem no decorrer da história, incluindo cristãos e não-cristãos. Nas trombetas, o alvo são aqueles que não crêem em Cristo, os quais, diante do sofrimento, deveriam se arrepender e voltar para Deus (9,21). Porém isso não acontece. Já nas taças, temos uma especificação maior. A cólera de Deus, que se manifesta na história, visa os seguidores da besta (16,2) e a cidade de Roma (16,19). O objetivo agora já não é gerar arrependimento, mas punir. Quanto a isso, enquanto as trombetas atingiam uma “terça parte” (8,7.8.10.12; 9,15), as taças agem sobre tudo e todos. É o juízo de Deus que cai sobre aqueles que não o temem, pelo contrário, perseguem sua Igreja.
Para corroborar com o que foi dito acima, ou seja, que tanto trombetas quanto taças cobrem o mesmo período da história, basta que coloquemos em colunas paralelas os temas das trombetas e das taças para vermos a incrível semelhança:
As Sete Trombetas - cp.8-9 As Sete Taças - cp. 16
1. Terra (8,7) 1. Terra (v.2)
2. Mar (8,9) 2. Mar (v.3)
3. Rios e fontes (8,10) 3. Rios e fontes (v.4)
4. Sol, lua, estrelas (8,12) 4. Sol (v.8)
5. Escuridão, tortura (9,2.5) 5. Escuridão, angústia (v.10)
6. Rio Eufrates (9,14) 6. Rio Eufrates (v.12)
7. Voz no céu (9,13) 7. Voz no trono (v.17).
Não deve ser surpresa para nós que o juízo de Deus se manifeste na história. Ele já agiu assim em Babel (Gn 11,1-9) e em Sodoma e Gomorra (Gn 19,24-25). Tais manifestações são apenas um prelúdio do grande ato de punição que será levado a cabo no dia do juízo final.
O capítulo 16, então, expressa a ação de Deus contra Roma e seus seguidores, dentro daquilo que seria o futuro em relação ao tempo de João e que culminará com a volta de Jesus Cristo (16,17-21). Isso deve ser entendido por nós como a manifestação do juízo de Deus na história e no final da história contra todo poder que se levante contra Ele e sua Igreja. Você pode identificar algum fato desse na história da humanidade?
A primeira taça (16,2) lembra a sexta praga do Egito (Ex 9,8ss). Quando as pessoas se manifestam impenitentes e contrárias `a vontade de Deus, sua própria saúde pode ser atingida.
A segunda taça (16,3) relaciona-se com a primeira praga do Egito (Ex 7,17-21). Ela atinge o ser humano indiretamente, visto que ele depende do mar para viver.
A terceira taça (16,4-7), assim como a segunda, relaciona-se com a primeira praga do Egito (Ex 7,17-20). Aqui fala-se da água enquanto necessária para a vida humana. Possivelmente sua poluição deve-se à pecaminosidade do homem. Até com uma certa ironia, o anjo explica o por quê dessa praga (v.6). Também ouve-se, vindo do altar de Deus, vozes que louvam a justiça de Deus ao exercer juízo. É provável que essas vozes sejam dos cristãos que clamavam por justiça em 6,10.
A quarta taça (16,8-9) lembra a maldição de Deus sobre os que não o temem (Dt 28,22). Como não pensar, em termos contemporâneos, ao câncer de pele, devido a poluição da atmosfera?
A quinta taça (16,10-11) atinge diretamente a besta (império romano - cp. 13). É a ação direta de Deus sobre os poderes políticos, religiosos etc que se levantam contra Ele. A história tem mostrado como povos que não deram ouvidos a Deus foram retiradas do cenário internacional, como o Egito, Assíria, Babilônia, Grécia, Roma, e, mais recentemente, a União Soviética (com muita certeza porque perseguiu os cristãos).
A sexta taça (16,12-16) manifesta a oposição do diabo (dragão), de Roma (besta) e da máquina religiosa romana (falso profeta - em 19,20 ele é visto como aquele que faz com que as pessoas adorem a besta, mesmo papel da segunda besta em 13,12.15) contra Deus. Eles procuram unir aqueles que lhes dão apoio para lutar contra Ele (v.14). O lugar em que eles vão lutar chama-se “Armagedom”. Não há concordância quanto ao lugar e seu sentido. O certo é que ele representa a mesma batalha que virá mais tarde em 19,11-21 e 20,7-10. Porém aqui ela não é descrita.
A sétima taça (16,17-21) apresenta a vinda de Cristo (ver o paralelo entre o v.20 e 6,14), relacionada com a destruição de Babilônia (= Roma. Ver 17,5.9). O juízo sobre Roma na história é somente uma antecipação do juízo final que virá sobre ela.
CONCLUSÃO
As taças introduzem a ação direta de Deus contra os inimigos de seu povo. Nos capítulos 17 a 20 eles serão destruídos um por um. Depois virá a recompensa para aqueles que são fiéis.
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
A DERROTA DE ROMA, DA BESTA E DO FALSO PROFETA
Capítulos 17 a 19
No último estudo observamos como as taças da cólera de Deus caíram sobre os que têm o sinal da besta (16,2) e sobre Babilônia (=Roma - 16,17-21). No texto de hoje estudaremos com mais detalhes a derrota de Roma, da besta e do falso profeta. Com isso, notamos como os inimigos de Deus e da igreja vão sendo derrotados um por um. Nas “taças” a ênfase estava sobre os que “têm a marca da besta”. No texto de hoje vemos a vitória sobre Roma, a besta e o falso profeta (= a besta que sobe do mar no capítulo 13). Finalmente, no próximo estudo, é apresentada a derrota do diabo.
Também nesta seção se apresenta um período que cobre toda a história. A descrição de Roma no capítulo 17 se dá dentro do momento em que João vivia, sendo o seu “presente”. Já o capítulo 18, que descreve a queda de Roma, apresenta o “futuro”, quando Deus realizará um juízo “na história” sobre essa cidade. No capítulo 19, vemos o “futuro” dentro de uma perspectiva escatológica, no contexto da segunda vinda de Jesus, quando Ele aprisionará a besta e o falso profeta e os lançará no “lago de fogo” (19,20), lugar onde passarão a eternidade em tormentos (20,10). É importante notar que a partir deste ponto a ênfase recai sobre o “futuro”.
Estes capítulos têm a seguinte estrutura:
? Descrição de Roma, a Grande Meretriz - cp. 17.
? A queda de Roma e suas conseqüências - cp. 18.
? Louvor no céu pela destruição de Roma - 19,1-10.
? O aprisionamento da besta e do falso profeta - 19,11-21.
1. DESCRIÇÃO DE ROMA, A GRANDE MERETRIZ - cp. 17.
O objetivo dessa descrição é mostrar com detalhes o por quê tal cidade é destruída. Um anjo traz tal revelação para João (17,1).
Primeiramente vem uma visão de Roma, a meretriz (vs. 3-6). Através das indicações do texto torna-se claro concluir que essa mulher é a cidade de Roma (Ver vs.9a e v.18). Suas vestes e adornos enfatizam sua “realeza e riqueza” (v.4). Ela está “assentada sobre a besta” (v.3), que é o império romano (ver cp. 13), mostrando assim que governa-o e é o seu centro. Ela é descrita como a “mãe das meretrizes e das abominações da terra” (v.5), sendo, portanto, o centro de todo o mal que havia no mundo de então. Sua última e principal característica é “estar embriagada com o sangue dos santos” (v.6. Ver 13,7.15).
Em seguida é apresentada a interpretação da visão (v. 7-18). Primeiramente a “besta” é identificada. Ela “era e não é, está para emergir do abismo” (v.8). Tais palavras lembram a lenda sobre o “Nero redivivo”, que voltaria. Ele “era”, isto é, exerceu seu reinado; “não é”, desapareceu; e “está para emergir”, surgirá no futuro para governar o império. Para os cristãos, ele representava o poder demoníaco do império romano. O v.9a nos diz que o império (a besta), se identifica com a cidade de Roma, visto que as sete cabeças da besta são “sete montes” (referência à cidade de Roma). Mas as sete cabeças são também “sete reis” (v.9b). Isto pode nos causar estranheza, mas numa linguagem simbólica, o mesmo símbolo pode ter mais de um sentido. O v. 10 tenta apresentar mais detalhes sobre esses reis. “Cinco caíram, um existe, e o outro ainda não chegou”. O que isso significa? Alguns tentam fazer um levantamento histórico sobre quem eram esses reis. Mas isso não leva a lugar nenhum. Para João e suas igrejas, não era importante saber quem foi o primeiro ou o quinto rei, mas sim definir, através do “número” desses reis, a figura do império. É provável que o número sete seja “simbólico”, como o foi na descrição das “sete” igrejas da Ásia (cp. 2 e 3) que simbolizam “todas as igrejas” daquela região. O objetivo seria, então, dizer que através dos sete imperadores, o império estaria representando em sua totalidade a besta. Assim como o sexto imperador, o que governa no momento em que João escreve - Domiciano, representava a besta, os anteriores também a representaram e o seguinte também a representará. João quer mostrar, assim, que o império em toda a sua extensão tem sido representante da besta. Mas ele é “mais besta” em alguns momentos. Isso nos leva de volta à besta que “era, não é, e está para emergir” (v.8 e 11). Nessa descrição, a besta é um imperador específico. Estamos falando novamente da lenda do Nero redivivo. Ele foi a encarnação mais clara da besta quando governou, e esperava-se que um próximo imperador desenvolvesse novamente seu estilo de governo: trazendo perseguição aos cristãos. Portanto, se com Domiciano as coisas estavam “começando” a tornar-se difíceis, João nos diz que virá um outro que trará tempos mais duros à igreja. Essa perspectiva contribui para pensarmos que a perseguição ainda estava por vir. Esse imperador é o “oitavo”. Mas isso não quebraria o simbolismo do número sete? Não, visto que, na realidade, ele não é um imperador que deve-se “somar” aos outros sete, pelo contrário, ele “é um dos sete” (expectativa do aparecimento de Nero). Teríamos, então, uma oitava aparição de um dos sete imperadores.
Continuando a descrição da besta, ela tem “dez chifres” que são dez reis (v.12) aliados a ela e que têm poder por um período curto de tempo (“uma hora”). São submissos à besta (v.13). Formam uma frente para combater o Cordeiro, que os vence (v.14. Essa batalha é apresentada em 19,11-21).
2. A QUEDA DE ROMA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS - cp. 18.
Assim como o primeiro anjo introduziu a visão de Roma (17,1-3), um outro faz o anúncio de sua queda (18,1-3). Embora essa destruição se apresente como já tendo acontecido (“caiu, caiu” - v.2), ela, na realidade, será efetuada no futuro. Tal modo de falar é para enfatizar que sua ruína “já está determinada”.
Diante da condenação de Roma, os cristãos são chamados a “abandoná-la” (vs. 4 e 5). Essa ordem, para vários membros das igrejas da Ásia Menor, era difícil de ser cumprida. Eles viviam sem problemas diante do império, usufruindo das riquezas da prostituta (17,4). Mas para João, ou eles se afastam dessa cidade pecaminosa, ou se tornam “cúmplices de seus pecados” (18,4).
A queda de Roma não é um fato isolado na história. Ela tem conseqüências. E elas se manifestam para aqueles que se relacionavam com a capital do império. Primeiramente os reis da terra se lamentam com a destruição da cidade (vs.3 e 9). Eles participavam de seu poder e agora sentem a perda dele. Em segundo lugar, temos os mercadores da terra (vs. 3. 11-16) que se enriqueceram através do comércio com ela. Terão que buscar lucro em outro lugar. E, em terceiro lugar, vem os mercadores do mar, a marinha mercante (vs. 17-19) que também se enriqueceu por transportar as mercadorias de e para Roma no oceano Mediterrâneo. Todas essas pessoas sofreram com a destruição de sua parceira. Deixaram de auferir lucros com a ausência dela. Pode ser que entre elas se encontrassem cristãos. Isso mostra como é perigoso viver uma religiosidade superficial, que esconde uma vida essencialmente profana, e que se vende ao sistema de influências, ao lucro com negócios escusos. Hoje não será assim também???
Em 19,21-24 novamente aparece uma declaração da condenação de Roma, agora introduzindo os motivos pelos quais Deus agiu assim. Primeiramente, devido a sedução de sua feitiçaria (v. 23b) sobre as nações da terra. Essa feitiçaria não é necessariamente religiosa, mas sim uma sedução exercida por Roma e seu poder, sua glória e riqueza sobre o mundo. Ela é culpada porque usou desses atributos para levar os homens à corrupção, à sensualidade e à opressão. O segundo motivo pelo qual é punida é porque nela se achou sangue de profetas e santos (v. 24). Deus não se esquece daqueles que perseguem Seu povo. Estes dois motivos fornecem o critério para avaliarmos a ação de Deus diante de qualquer nação em qualquer época da história.
3. LOUVOR NO CÉU PELA DESTRUIÇÃO DE ROMA - 19,1-10.
Há louvor no céu porque Roma foi julgada (19,1-2). São os santos, apóstolos e profetas que estão exaltando a Deus (18,20), pois Ele exerceu justiça sobre aquela que tinha sangue dos seus servos em suas mãos (v. 2b). Os seres celestiais também O louvam (v.4), e, por fim, uma voz do trono exorta todos os servos de Deus a Louvá-lO (v.5).
Em seguida o louvor continua, agora em função do aparecimento da “esposa” do Cordeiro (v. 7). Esta imagem da igreja fala de seu encontro final com o noivo, Jesus Cristo, em sua segunda vinda (21,2). Tal figura é usada em outras partes do Novo Testamento (Mt 25,1-13; Mc 2,19-20; 2Co 11,2; Ef 5,25-27). Há um contraste evidente aqui entre a noiva e a prostituta. Aqueles que não se deixaram levar pela sedução de Roma, a prostituta, mas mantiveram-se fiéis a Jesus, constituem a igreja pura, sem mácula, noiva de Seu Senhor. Esses serão recebidos com amor pelo noivo e viverão com Ele. São bem-aventurados (v.9). Aqueles que têm se deixado levar pela prostituta estarão com ela no inferno para sempre.
4. O APRISIONAMENTO DA BESTA E DO FALSO PROFETA - 19,11-21.
Dentro da cena que fala da segunda vinda do Senhor Jesus que começou em 19,6, temos sua continuação com o aprisionamento da besta e do falso profeta, que são, respectivamente, o império romano e a máquina estatal de promoção da adoração do imperador descritos no capítulo 13. O cavaleiro (v. 11) é Jesus Cristo. Podemos constatar isso a partir de sua descrição. “Olhos como chama de fogo” (v.12) já apareceu em 1,14 referindo-se a Ele. Sai de sua boca uma “espada afiada” (v. 15. Comparar com 1,16). Seu nome é “Verbo de Deus” (v. 13), linguagem joanina para falar de Jesus (Jo 1) e “Rei dos Reis e Senhor dos Senhores” (v. 16). Seu exército é formado por seus servos, os cristãos que vestem “vestiduras de linho finíssimo branco e puro” (v. 14. Comparar com o v. 8).
A besta com os reis da terra se reúnem para lutarem com Jesus (v. 19). Esta cena foi antecipada em 16,14-16. Embora essa batalha não seja descrita, seu resultado é apresentado. A besta com o falso profeta (que é a segunda besta do cp. 13. Ela opera “sinais” - 19,20. Comparar com 13,13) são aprisionados e lançados no “lago do fogo que arde com enxofre” (v. 20b), lugar de sofrimento eterno (20,10b), chamado de “segunda morte” (20,14), para onde irão os que não estão inscritos no livro da vida (20,15). Mais dois inimigos do Senhor Jesus são destruídos! Essa será a punição final do império romano e de todo império ou nação que se levante contra Deus.
Temos aqui uma descrição da segunda vinda de Jesus em termos de uma “batalha”. Essa mesma segunda vinda já foi vista como uma “ceifa” (14,14-20). O Apocalipse usa várias imagens para descrever o mesmo fato.
CONCLUSÃO
Nestes três capítulos vimos a punição de três inimigos do Senhor Jesus e de sua Igreja: a prostituta (Roma), a besta (império romano), e o falso profeta (máquina estatal de promoção da adoração do imperador). Os seguidores da besta já haviam sido punidos no capítulo 16. Essa imagens são importantes para, primeiramente, fortalecer aqueles que sofrem e são perseguidos, a fim de permanecerem fiéis a seu Senhor. Em segundo lugar, elas nos lembram que um dia aqueles que nos têm trazido “lágrimas aos olhos e a morte” (21,4) serão punidos pelo Senhor Jesus na manifestação de sua justiça. Mas há um último inimigo a ser vencido - o dragão, Satanás. Isso acontecerá no capítulo 20.
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
O APRISIONAMENTO DO DRAGÃO (SATANÁS) E A VITÓRIA DA IGREJA - Parte I
Capítulos 20 a 22,5
No estudo anterior (capítulos 17 a 19) vimos como o Senhor Jesus venceu três de seus inimigos: Roma, a besta (império romano) e o falso profeta (máquina estatal romana a serviço da divinização do imperador). Hoje vemos sua vitória sobre o último e maior adversário: o dragão (diabo). Ele é o último a ser vencido por ser o mais importante e por que estava por trás dos outros motivando-os para que perseguissem a Igreja. Portanto, após sua derrota João poderá falar da igreja vitoriosa vivendo com seu Deus e seu Senhor (capítulos 21 e 22).
Neste bloco temos pela última vez o aparecimento do paralelismo progressivo, isto é, o modo pelo qual o Apocalipse conta a história começando com o passado e caminhando até o futuro. Constatamos isso através do “aprisionamento de Satanás” (20,2) que se deu na encarnação, morte e ressurreição de Jesus (Lc 11,20-22), referindo-se, portanto, ao passado; por intermédio da apresentação dos cristãos que se “opuseram a besta” (20,4), que diz respeito ao presente; e na descrição do “juízo final” (20,11-15), que manifesta o futuro. Vemos, novamente, a apresentação da história da humanidade desde a primeira até a segunda vinda de Jesus Cristo.
Podemos, de modo geral, dividir estes capítulos em dois grandes blocos:
? Vitória sobre o último inimigo, o dragão (diabo) e juízo final - cp. 20.
? Vida da igreja com seu Senhor na Nova Jerusalém - cp. 21-22,5.
1. VITÓRIA SOBRE O ÚLTIMO INIMIGO - O DRAGÃO (DIABO) E JUÍZO FINAL - cp. 20.
Este capítulo tem como centro a vitória sobre o diabo e sua prisão por “mil anos”. Estes mil anos, conhecidos como “milênio”, tem despertado muitas interpretações no decorrer da história. O objetivo aqui não é fazer uma avaliação delas, mas propor uma análise do texto que seja coerente com o resto do livro.
O milênio pode ser visto a partir de duas ênfases diferentes no texto: numa perspectiva “terrena” (vs. 1-3), relacionada com a prisão de Satanás, e numa abordagem “celestial” (vs.4-6), enfocando a presença dos cristãos mortos no céu juntamente com Cristo.
O diabo é “preso” por mil anos. Como dissemos acima, isso se relaciona com a vitória de Jesus sobre ele (Ver Lc 11,20-22; Jo 12,31; 16,11; 1Jo 3,8b). Esta mensagem já foi apresentada no capítulo 12,7-12. Esta prisão significa que ele não tem mais poder para “enganar as nações” (v.3). Antes da manifestação de Jesus Cristo, o diabo exercia domínio (não absoluto, é claro) sobre os povos, guiando-os para a distância de Deus. Mas com a presença de Jesus e posteriormente da Igreja, os homens começam a ser arrancados do reino do diabo e transportados para o reino de Jesus (Cl 1,13). Agora as trevas não podem mais se opor à luz (Jo 1,5). Através da pregação do evangelho os homens são chamados à salvação.
O período de “mil anos” durante o qual o diabo está preso deve ser entendido simbolicamente, do mesmo modo como foram entendidos os “quarenta e dois meses” (11,2), os “mil duzentos e sessenta dias” (11,3; 12,6), o “um tempo, tempos e metade de um tempo” (12,14), e “uma hora” (17,12). Este período representa um tempo que se estenderá “da encarnação até um pouco antes da segunda vinda de Cristo”. Logo após os mil anos o diabo “será solto por pouco tempo” (v.3).
Dentro de uma perspectiva “celeste”, os mil anos relacionam-se com o destino daqueles que tem sido mortos em nome de Jesus (v. 4-6). Eles são descritos como “sentados em tronos para julgar” (v. 4). Esta visão é conhecida do resto do Novo Testamento (Ver Mt 19,28; Lc 22,30; 1Co 6,2). Eles “reinam” (v.4) e são “sacerdotes” (v.6) junto a Cristo. Isto já foi dito daqueles que crêem em Jesus (1,6; 3,21; 5,10). Se anteriormente eles foram apresentados “sofrendo”em nome de Jesus, agora eles são vistos “reinando” com Ele. Isso era muito importante para as comunidades para quem João escrevia. Mesmo que para o mundo os cristãos fossem perdedores, na realidade eles eram vencedores. Estavam na presença de seu Senhor reinando juntamente com Ele.
Dentro de uma perspectiva “celeste”, os mil anos relacionam-se com o destino daqueles que tem sido mortos em nome de Jesus (v. 4-6). Eles são descritos como “sentados em tronos para julgar” (v. 4). Esta visão é conhecida do resto do Novo Testamento (Ver Mt 19,28; Lc 22,30; 1Co 6,2). Eles “reinam” (v.4) e são “sacerdotes” (v.6) junto a Cristo. Isto já foi dito daqueles que crêem em Jesus (1,6; 3,21; 5,10). Se anteriormente eles foram apresentados “sofrendo”em nome de Jesus, agora eles são vistos “reinando” com Ele. Isso era muito importante para as comunidades para quem João escrevia. Mesmo que para o mundo os cristãos fossem perdedores, na realidade eles eram vencedores. Estavam na presença de seu Senhor reinando juntamente com Ele.
A “primeira ressurreição” da qual falam os versículos 5 e 6 é o modo pelo qual João vê a morte dos servos de Deus. Para ele, quando um cristão morre, ele experimenta a “primeira ressurreição”. Ele vai para junto de Jesus Cristo. Vive como ressuscitado, com a única diferença de que ele ainda não está de posse de seu corpo (o que se dará na ressurreição geral dos mortos na segunda vinda de Jesus). É o que marcará a diferença entre essa primeira ressurreição, e a ressurreição geral de todos os mortos. É por isso que João pode dizer que quem experimenta a primeira ressurreição não sofre a “segunda morte”, ou seja, a morte eterna. Nesse sentido, pode parecer estranho que o escritor diga que “os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos”. Mas a questão aqui é que João não está preocupado com a morte dos ímpios. Para ele, basta saber que na ressurreição geral, que se seguirá após os mil anos, eles serão julgados (20,12-15). Não lhe interessa o “estado intermediário” da alma dessas pessoas. O importante é dizer que os “crentes”, aqueles que foram “fiéis” a Jesus Cristo já estão em Sua presença.
Nos versículos 7 a 10 é descrita a vitória sobre o diabo. Após os mil anos, o diabo é solto (v.7) por “um pouco de tempo” (v.3b). Será um período curto de tempo no qual ele fará uma oposição feroz a Deus. Paulo já falou dessa manifestação satânica dos últimos tempos (2Tss 2,1-4; 7-12). Essa oposição é descrita no Apocalipse como uma sedução das nações que há “nos quatro cantos da terra” (v. 8a = todas as nações do mundo), que são chamadas de “Gogue e Magogue”. Tais nomes vêm de Ez 38,2 e, qualquer que seja o sentido que desenvolvem nesse texto, aqui eles simbolizam a reuniam de todos os povos ao lado do diabo para lutar contra Jesus Cristo. O texto não descreve a luta, dando porém o resultado: “desce fogo do céu e os consome” (v.9). Tal batalha já foi descrita como acontecendo num lugar desconhecido ou ignorado chamado “Armagedom” (16,13-16); ou como a reunião de dez reis com a besta para lutar contra o Cordeiro (17,12-14); ou mesmo como a batalha de Jesus contra a besta e os reis da terra (19,19-20). São maneiras diferentes de descrever a mesma cena. Por fim, o diabo é vencido. Ele é lançado no lago de fogo e enxofre onde estão a besta e o falso profeta (v.10). O último inimigo do Senhor Jesus e da Igreja é derrotado!
O final do capítulo (vs. 11-15) apresenta a segunda vinda de Jesus Cristo como o dia de julgamento para os homens. Esta cena é vista de outras duas perspectivas no livro: como uma ceifa (14,14-20), e como uma batalha (19,11-21). Embora não se diga quem é o juiz, deve ser o próprio Deus, que é várias vezes designado como aquele que está sentado no trono (4,2; 5,1.7.13; 6,16; 17,10.15; 19,4; 21,5). Os mortos de todos os tempos e épocas se apresentam diante do dEle (vs. 12-13). Esses, que até aqui receberam juízos “na história”, serão julgados segundo suas “obras”. Não devemos estranhar tal afirmação visto que aparece em outros lugares como Mt 25,31-46; e 2Co 5,10. Os cristãos foram criados para “boas obras” (Ef 2,10) e pelos seus “frutos” é que podem ser conhecidos (Mt 7,16-18). O destino das pessoas será decidido em função de sua postura: se foram seduzidos e seguiram a besta, serão condenados. Se foram fiéis a Jesus Cristo, e colocaram sua lealdade a Ele acima do amor a suas próprias vidas, terão seus nomes inscritos no livro da vida (vs. 12 e 15). A partir desse momento, o livro descreverá a vida dos cristãos em comunhão com Deus e Jesus Cristo (cp. 21 e 22).
CONCLUSÃO
O capítulo 20 é a conclusão das lutas e batalhas pelas quais a igreja passa neste mundo. Os cristãos mortos são vistos no céu reinando com Jesus. O diabo, em sua última oposição é derrotado. E o destino final dos homens é manifestado. A partir daí só haverá gozo (cp. 21 e 22).
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
O APRISIONAMENTO DO DRAGÃO (SATANÁS) E A VITÓRIA DA IGREJA
Parte II - Capítulos 20 a 22,5
Neste segundo estudo desta seção que intitulamos Vida da Igreja com seu Senhor na Nova Jerusalém (ver estudo anterior), abordaremos o capítulo 21:1 até 22:5. Vimos anteriormente a derrota do diabo e o juízo final (capítulo 20). Agora veremos o povo de Deus em Sua presença na eternidade gozando da recompensa da fidelidade à Ele.
1. VIDA DA IGREJA COM SEU SENHOR NA NOVA JERUSALÉM - cp. 21:1-22:5.
Este texto pode ser dividido em duas partes, onde cada uma delas começa fazendo referência à “cidade Santa, a nova Jerusalém, que desce do céu” (vs. 2 e 10) e à “noiva” (vs. 2 e 9):
? Visão Geral sobre a Nova Era inaugurada por Cristo - 21:1-8.
? Descrição da Nova Jerusalém - 21:9-22:5.
1.1. Visão Geral sobre a Nova Era inaugurada por Cristo - 21:1-8.
Esta Nova Era é apresenta em três aspectos.
a. O que estará ou não estará presente - vs.1-4. O que estará presente é apresentado por João através da palavra “vi” (v.1a e 2). O que deixará de existir é indicado pela frase: “já não existe” (v.1b e 4).
? haverá um novo céu e nova terra - v. 1. Céu e terra é uma expressão que indica a totalidade da criação formando agora um novo meio-ambiente em que haverá harmonia (ver essa idéia em Is 11,6-10). Como o ser humano, a natureza será resgatada do poder do pecado (Rm 8,20-22). A colocação de João quer nos mostrar que não habitaremos num lugar “desconhecido”, mas nesta mesma terra que Deus criou para o nosso regozijo. Todas as coisas belas da criação, que hoje são afetadas pelo pecado, estarão redimidas e com toda a sua beleza e esplendor e desfrutaremos delas como Adão e Eva no princípio.
? não haverá mais o mar - v.1. Sinônimo do caos e de oposição a Deus, as águas no Apocalipse representam os povos que estão sob o domínio de Roma (17,15). Por isso a besta (império romano) é vista emergindo do mar, indicando com isso que ela é colocada em evidência como a líder dos povos (cp. 13,1). Diante disso, devemos ver a não existência do mar, não como a negação de sua realidade física. O texto não quer dizer que os mares que existem na terra deixarão de existir na Nova Criação, pois eles, como o resto da obra de Deus, serão redimidos e existirão para o gozo e benefício dos salvos em Cristo. Mas o que se pretende aqui é usar o “símbolo” do mar para indicar que aquilo para o que ele aponta, a oposição a Deus, não estará presente nesta nova realidade de harmonia total. Portanto, não são os “mares” que não existirão, mas sim aquilo que eles simbolizam, o poder do império romano que perseguiu a igreja. Esse sim não existirá.
? haverá a nova Jerusalém que desce do céu - v.2-3. Ela está vestida como “noiva”. Esta indicação é importante, pois em 19,7-8 é a “Igreja”que se apresenta como noiva, e em 22,17 é ela, a Igreja, que diz: “Vem”, para seu noivo, Jesus Cristo. Podemos inferir, portanto, que a Nova Jerusalém, vista como “noiva” é uma figura que refere-se à Igreja, a noiva do Cordeiro. Este modo de interpretar também está de acordo com o v.3 onde fala-se novamente da Nova Jerusalém, agora como o “Tabernáculo” de Deus com os homens. Nesse versículo não se diz que Deus habitará “na Nova Jerusalém” com os homens, mas apenas que “Deus habitará com eles”. Portanto, a Nova Jerusalém é a própria Igreja, o Povo de Deus com o qual Ele habitará.
? não haverá mais sofrimento - v.4. As lágrimas e o pranto, bem como a morte e o luto decorrente dela, que foram trazidos aos cristãos pela perseguição, e que, no decorrer dos tempos têm vindo sobre aqueles que são fiéis a Jesus Cristo, “não existirão”. Eles fazem parte das “primeiras coisas” que já passaram. Representam o mundo sob o pecado e suas conseqüências que foi vencido e não se manifesta mais.
b. O responsável pelo surgimento da Nova Criação - v.5-6. Depois de descrever como será esse novo mundo onde os salvos em Cristo habitarão, João apresenta o responsável por tudo isso. É o que “está assentado no trono”. No Apocalipse, é sempre Deus que está assentado ali (ver, por exemplo, 4,2-3). Ele é o “alfa e o ômega”, o “princípio e o fim”. Isso quer dizer que tudo o que aconteceu, tem acontecido e acontecerá, desde o começo até o fim, está sob as mãos poderosas de Deus. Na realidade, tudo o que é descrito no Apocalipse, mesmo quando traz sofrimento e as vezes falta de compreensão aos cristãos, faz parte do “livro que está nas mãos de Jesus Cristo” (5,7), e que foi aberto por Ele em sua exaltação. O seu conteúdo revela o domínio de Deus sobre a história. É por isso que o final do livro apresenta a vitória final da Igreja. Ela é cuidada e dirigida por Deus até o final.
c. Quem participa e quem não participa na Nova Era - 7-8. Os que gozarão da comunhão eterna com Deus são descritos como “vencedores” (ver 2,7.11.17.26; 3,5.12.21). Eles são os que não assimilaram os valores de Roma e, quando necessário, pagaram o preço da fidelidade com a própria vida. Os que não participam são descritos no v.8. É uma descrição genérica, que inclui todos os homens que tiveram esse tipo de comportamento. Porém é importante observar que alguns “cristãos” podem estar presentes nessa lista. É significativo que ela comece com os “covardes”. Poderia ser uma referência aos cristãos que não tiveram coragem de assumir sua fé até os últimos limites. Os “incrédulos” podem também indicar não apenas os que não crêem em Deus, mas também aqueles que não creram nas palavras de João, o escritor do livro, achando-o muito radical em sua postura. Portanto, essa advertência é para todos os homens, mas também para os cristãos “nominais”.
1.2. Descrição da Nova Jerusalém - 21,9-22,5.
Estes versículos desenvolvem o tema da Nova Jerusalém apresentado em 21,2-3. A descrição começa no v. 12. Devemos lembrar que já consideramos a Nova Jerusalém como uma figura para a Igreja. Tal posição pode parecer estranha ou pouco comum, mas creio que ela se enquadra no estilo literário de João. Ele usa comumente figuras e imagens simbólicas. A “Babilônia” simboliza Roma (17,9a) que por sua vez simboliza o centro do poder imperial. O “Dragão” simboliza Satanás (12,9), os “sete espíritos” (1,4) representam o Espírito Santo, “mil anos” simbolizam o período entre a encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo e um tempo imediatamente anterior à sua segunda vida, e assim por diante. Se a simbologia é tão comum no livro, por que justamente agora deveríamos tomar a descrição da Nova Jerusalém como algo literal e concreto? Portanto, creio que nossa interpretação está coerente com o resto do livro. Sendo assim, devemos tomar por certo que, onde o escritor fala da cidade, ele está usando uma linguagem simbólica para falar do povo de Deus, da Igreja, de nós mesmos.
a. É protegida - v.12. Essa proteção é indicada pela referência à “muralha alta” (Ver Is 26,1). Na antigüidade era inconcebível uma cidade que não estivesse protegida contra seus inimigos através de uma muralha inexpugnável. Essa idéia é usada aqui para dar certeza aos que estarão na presença do Pai de que nenhum mal os ameaçará. O tempo das ameaças e perigos já terminou.
b. Tem nos apóstolos seu fundamento - v.14. Esta afirmação era básica para todos os outros escritos do Novo Testamento. A Igreja foi constituída sobre o ensino, o fundamento dos apóstolos (ver Ef 2,20). Assim, só participa do povo de Deus aqueles que seguiram os ensinos dos apóstolos, que por sua vez eram os ensinos de Jesus Cristo. Os que seguiram ensinamentos estranhos (2,14-15. 20-23) correm o risco de ficarem destituídos da vida na Nova Era.
c. Tem a presença intensa de Deus - v.16. A cidade é um “cubo”. Tem comprimento, largura e altura iguais. Isso lembra 1Rs 6,20 que fala do “santo dos santos” como um cubo. A idéia desse texto vétero-testamentário estaria presente no texto de João. Se antes Deus se manifestava somente no Santo dos Santos e apenas para o sumo-sacerdote, agora, na Nova Jerusalém, Ele se manifesta em toda a cidade (ver 21,3), isto é, a todas as pessoas de modo glorioso.
d. É preciosa - v. 18-21. Lembremos novamente que a idéia da cidade aponta para a realidade do “povo de Deus”. Portanto, todas as pedras preciosas alistadas ali, bem como “a cidade de ouro puro” (v. 18) não são realidades concretas, mas símbolos para falar da Igreja. Talvez alguns de nós fiquemos tristes ao saber que “não andaremos em ruas de ouro” na Nova Jerusalém, mas eu pergunto: o que é mais importante, andar em ruas de ouro (que não têm valor monetário nenhum na nova vida), ou ser, você mesmo, comparado com o ouro, e com pedras preciosas? Para Deus seu povo é tão precioso como o ouro ou as pedras mais belas e preciosas que existem. Será que pensamos assim de nós mesmos e dos outros irmãos?
e. Deus será pleno nela -v. 22-23. Na Nova Era não existirá Templo (v. 22), lugar de culto e adoração a Deus, pois Ele será cultuado em todo lugar. Não haverá sol nem lua (v.23; 22,5) - Deus será a luz que guiará os seus em todo o tempo (ver Sl 27,1a).
f. Tem vida abundante - 22,1-2. Essa idéia é evidenciada pela repetição da palavra “vida”. Existirá a “água da vida” (ver Jo 7,38-39), e a “árvore da vida” (ver Gn 2,9). Se essas imagens serão literais ou não, não se sabe. O importante é o sentido delas. Mostram que a vida não será inerente ao homem, mas será dada por Deus. Temos novamente a idéia da Nova Criação como em 21,1a e agora de modo mais claro seguindo os moldes do paraíso (v. 2. Compare com Gn 2,9). Isso reforça o que dissemos lá. Não moraremos num lugar estranho, cercado de nuvens e sem fazer nada o tempo todo. Com a imagem da Nova Criação apresentada como o retorno do paraíso, nos é dito que voltaremos à vida como Adão e Eva tinham antes do pecado. Pense nisso. Poderemos gozar de toda a criação de Deus, passeando pelas matas, vales e montanhas, tomando banho de mar e tendo Deus a todo instante e em todo o lugar em nossa companhia. Pensar na eternidade assim significa encher o “céu” de vida. Devemos ter vontade de estar com Deus na eternidade, porque lá haverá uma continuidade de nossa vida, em nosso mundo, agora totalmente redimidos, para o nosso prazer.
CONCLUSÃO
Depois de tanta luta e sofrimento descritos no Apocalipse, João traz-nos uma imagem da Nova Era, o Novo Mundo que, por sua beleza, torna-se difícil de descrever. Os santos fiéis a Cristo que já morreram fizeram por merecê-la. Não que tenham sido salvos por suas “obras”, mas por que elas evidenciam sua fidelidade e amor a Jesus. Ao invés de morarem na Nova Jerusalém eles mesmos, e nós também, “seremos a cidade santa de Deus”. E o Novo Mundo não será novo no sentido de algo estranho, ou desconhecido, mas será este mesmo velho e maravilhoso mundo onde moramos, mas renovado e redimido, como nós, onde habitaremos em perfeita harmonia e comunhão para sempre. Aleluia!
ESTUDOS NO LIVRO DO APOCALIPSE
CONCLUSÃO
22,6-21
Com este estudo terminamos o livro do Apocalipse. Depois de uma longa caminhada, temos as últimas palavras de João. Estes versículos funcionam como uma conclusão onde o escritor volta a citar vários pontos que já foram mencionados no começo do livro para que lembremos do objetivo e da função desse escrito. Traz também várias advertências sobre a não observância daquilo que foi revelado.
Embora seja um texto um tanto complexo, trazendo certa dificuldade para se perceber sua estrutura, podemos dividi-lo em duas partes tendo como fator estruturador a frase: “eis que (certamente) venho sem demora” (vs. 7. 12 e 20).
? Objetivo do livro e advertências contra sua não observância - 22,6-10 e vs.16-21.
? O comportamento dos homens diante da iminente vinda de Jesus Cristo - 22,11-5.
1. OBJETIVO DO LIVRO E ADVERTÊNCIAS CONTRA SUA NÃO OBSERVÂNCIA - 22,6-10 e vs. 16-21.
Os dois blocos de versículos (vs. 6-10 e 16-21) são analisados conjuntamente devido ao conteúdo deles. Ambos começam afirmando que um “anjo foi enviado para comunicar a mensagem” (vs. 6 e 16). No v.6 é “Deus” quem envia o anjo; já no v.16 é “Jesus Cristo”. Segundo 1,1 é Jesus quem envia seu mensageiro, porém nesse mesmo versículo Deus é o autor primeiro de tal revelação, sendo, portanto, indiretamente também responsável pelo envio do anjo.
No v. 6 a mensagem é dirigida aos “servos” de Deus. O v. 16 especifica quem são esses servos: são “as igrejas”, ou seja, as sete igrejas dos capítulos dois e três. Isso deve nos lembrar que para entendermos a mensagem devemos primeiramente perceber o que ela queria dizer para aqueles cristãos no “tempo em que eles viviam”. Somente depois é que poderemos atualizá-la. Grande parte dos erros de interpretação do Apocalipse acontecem pela desconsideração dessa questão.
Diante da afirmação de que Jesus “vem sem demora” (v.7), o Espírito Santo e a Igreja (noiva) dizem: “Vem” (v.17). Mas para que esse desejo se cumpra de modo eficaz na vida do cristão é necessário que ele “guarde” as palavras do livro (v.7b). Isso já foi dito em 1,3. “Guardar” significa “viver, observar, cumprir na vida”. De modo mais específico, “guardar” significa “não acrescentar nada” (v.18) e “não retirar nada” (v.19). O que Deus tinha que revelar está no livro, não existem acréscimos. Isso é importante diante de tanta fantasia que tem existido em torno do Apocalipse durante a História. Acrescentar pode significar uma mudança da mensagem numa visão meramente “espiritualista e mística” do livro que não leva em consideração todo o caráter político e social do confronto da Igreja com a besta e o dragão. “Tirar” pode revelar o pensamento por parte de alguns de que João foi muito radical em suas posições, que a realidade não é assim. Isso pode ter acontecido na época de escritor e pode acontecer em nossos dias. Talvez essa tentação se apresente na vida daqueles que acham que podem ter uma vida fiel a Deus e ao mesmo tempo andar de mãos dadas com o mundo e seus conceitos.
Finalmente, João novamente nos apresenta sua definição sobre o livro que escreveu: é uma “profecia” (v.7. 10. 19 com 1,3). Já falamos do sentido de profecia na Introdução - II. A profecia é o “testemunho de Jesus” segundo 19,10b. Ou seja, este livro é uma profecia na medida em que fala dos desígnios de Jesus Cristo, Sua vontade para seu povo e para a Humanidade. Portanto, o livro é muito importante, visto que não contém palavras de João, mas de Jesus mesmo.
2. O COMPORTAMENTO DOS HOMENS DIANTE DA IMINENTE VINDA DE JESUS CRISTO - 22,11-15.
Este bloco, por estar no meio dos dois textos anteriores (vs.6-10 e 16-21) apresenta como que uma conseqüência em relação à eles. Os servos de Deus, aqueles que desejam ansiosamente a vinda de Jesus Cristo, que não acrescentam nada e nem retiram nada do livro, têm um tipo de comportamento no presente. Aqueles que não observam as palavras da profecia e não se importam com a vinda de Jesus Cristo, apresentam um modo de vida próprio. Os vs.11-15 tem como função realçar essa questão como um alerta para os cristãos daquela época e para nós, os que vivemos no presente.
O texto apresenta um tom realístico impressionante. Se no último estudo vimos a beleza e glória da vida com Jesus Cristo no Novo Céu e na Nova Terra, este texto nos traz de volta ao presente fazendo-nos esquecer de qualquer pensamento ingênuo que nos leve a pensar que a vida não precisa ser exatamente igual àquela apresentada no Apocalipse. “As coisas podem ser mais fáceis”, dirão alguns. Mas para João a vida é dura e cheia de conflitos exatamente como o livro nos mostra. Vemos isso no v.11 onde se diz que os homens continuarão até a vinda de Jesus Cristo sendo “injustos e imundos” de um lado, e “justos e santos” de outro. Embora o cristão tenha um compromisso social com a sociedade segundo outros textos do Novo Testamento, o conflito entre a vontade de Deus e a ação do diabo continuará até o fim. Não existe meio termo. Ou se está de um lado, ou de outro. É a postura diante da mensagem do livro que irá decidir qual nossa posição.
Falando do destino final dos seres humanos, João novamente apresenta de uma divisão entre os homens. Haverá aqueles que “entrarão na cidade pelas portas”. São os que foram julgados por “suas obras” (21,11-15) e que receberão o “galardão” (v.12. Ver 11,18). Possivelmente esse galardão significa simplesmente a salvação, “o direito à árvore da vida” (v.14b). Mas enganam-se aqueles que pensam que o Apocalipse trabalha com o conceito da salvação “pelas obras”. Para João, as obras são evidência da fé e da fidelidade. Porém todos os cristãos estarão na presença de Jesus Cristo porque “lavaram suas vestiduras no sangue do Cordeiro” (v.14).
Por outro lado, haverá aqueles que ficarão de fora. São apresentados no v.15. Eles já apareceram em 21,8 como aqueles que, longe de participarem do Novo Céu e da Nova Terra, irão para a “segunda morte”. São os que não levam em conta as advertências do Apocalipse. São os mesmos “injustos e impuros” do v.11a.
Através destas palavras, João está advertindo solenemente a todos os homens, cristãos ou não, a darem ouvidos às palavras da Revelação. Nós temos levado seu ensino a sério?
CONCLUSÃO
Estes últimos versículos do livro querem dar um caráter solene à obra diante de seus ouvintes. Ela não pode ser menosprezada. Seu objetivo é abrir os olhos daqueles que têm contato com ela a fim de poderem discernir a época em que vivem. O fim “não está distante”. O diabo não irá se manifestar apenas no “futuro”. A besta não é nenhum ser “bizarro” que aparecerá com uma placa indicando: “besta”, nem seu sinal será uma “tatuagem”, ou o “código de barras” das embalagens. O Apocalipse é atual e sempre será. Ele nos ajuda a ver, por trás das estruturas sociais e políticas, quem está realmente agindo. Ele nos questiona se “já” não temos a marca da besta, se não seguimos o estilo de vida de uma sociedade secularizada que é guiada pelo diabo.
Espero que o estudo deste livro tenha ajudado você a discernir melhor a vida e a se posicionar diante dela. Meu desejo é que diante da mensagem do Apocalipse você não seja considerado como “morno”. Isso será muito perigoso. Se este estudo ajudou-o a quebrar barreiras que se levantavam contra o Apocalipse, e se você passou a “simpatizar” , “gostar” e a “respeitar” este livro, já estarei satisfeito. Afinal, devemos reconhecer que a Bíblia não poderia terminar com outro livro tão maravilhoso como o Apocalipse!
BIBLIOGRAFIA
BORING, M. Eugene. Revelation. Louisville, John Knox Press. 1989. 236 p. (Série: Interpretation. A Bible Commentary for Teaching and Preaching).
CAIRD, G.B. The Revelation of Saint John. Peabody, Hendrickson Publishers. 1966. 316 p. (Série: Black’s New Testament Commentary).
HENDRIKSEN, W. Mais que Vencedores. Grand Rapids, T.E.L.L, 1977. 256 p. (Existe tradução em português pela Casa Editora Presbiteriana).
LADD, George Eldon. Apocalipse. Introdução e Comentário. São Paulo, Edições Vida Nova e Editora Mundo Cristão. 1980. 224. (Série: Cultura Cristã).
MESTERS, Carlos. Esperança de um povo que luta. O Apocalipse de São João. Uma chave de leitura. 7a ed. São Paulo, Paulus. 1983. 82 p.
PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo, Edições Loyola. 1993. 455 p. (Série: Bíblica Loyola, no. 8).
TALBERT, Charles H. The Apocalypse. A Reading of the Revelation of John. Louisville, Westminster John Knox Press. 1994. 123 p.
WILCOCK, Michael. A Mensagem do Apocalipse. São Paulo, ABU (Aliança Bíblica Universitária) Editora. 1986. 196 p. (Série: A Bíblia Fala Hoje).
Dentre estes comentários, o de Prigent é o mais completo, sendo o melhor em língua portuguesa até o momento presente. Porém é um texto técnico, de difícil leitura para pessoas não acostumadas com a linguagem exegética. Para os que lêem inglês sugiro o livro de Talbert. Ele trabalha bastante as questões literárias e é de leitura agradável. Em português, para uma primeira leitura Mesters é muito sugestivo. Para aprofundamento, os textos de Hendricksen (embora um tanto antigo) e de Wilcock ajudarão bastante.
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