Lição 8 – Filadélfia, a Igreja do Amor Perfeito - 2

À igreja em Filadélfia, 3.7-13
7 Ao anjo (cf. nota 179) da igreja em Filadélfia (cf. nota 180) escreve: Estas coisas diz o santo, o verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi, que abre, e ninguém fechará, e que fecha, e ninguém abrirá: 8 Conheço as tuas obras — eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar — que tens pouca força, entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome. 9 Eis farei que alguns dos que são da sinagoga de Satanás, desses que a si mesmos se declaram judeus e não são, mas mentem, eis que os farei vir e prostrar-se aos teus pés e conhecer que eu te amei. 
10 Porque guardaste a palavra da minha perseverança, também eu te guardarei (e salvarei) da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra. 11 Venho sem demora. Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa (de vitória). 12 Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome. 13 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.

7 Quanto à indicação dos destinatários e à ordem para escrever. A auto-apresentação do emitente da mensagem faz conexão com Ap 1.18 somente por meio da palavra chave. Lá tratava-se das chaves para o mundo dos mortos. Sobre a chave bem diferente na presente passagem, cf. Is 22.20-22. Eliaquim está para ser instalado no cargo de mestre da corte e, como emblema do cargo, deverá carregar uma grande chave sobre os ombros. Possui acesso a todos os recintos, sobretudo para os armazéns, pois tem de ser ―pai‖ e abastecer a todos. O judaísmo interpretou a passagem no sentido messiânico. O fato de que não se está mais falando da chave para a casa de Davi, mas simplesmente da chave de Davi, expressa a determinação para espiritualizar. O palácio de Davi na Jerusalém terrena não interessa, mas sim a salvação de Davi na nova Jerusalém. Cristo torna acessíveis os tesouros do mundo salutar de Deus (Rm 8.32). Ele possui as chaves de todos os recintos, para o reino dos mortos (de acordo com Ap 1.18) e para o reino da salvação (de acordo com Ap 3.7). A ele foi dada toda a autoridade no céu e na terra (Mt 28.18). Prossegue a fala com conceitos do AT: o santo, o verdadeiro. A segunda designação reforça a primeira. Ele é o verdadeiramente santo. Desse modo Jesus se ornamenta com uma das mais freqüentes designações do judaísmo. Em nenhum livro, porém, ela ocorre com tanta predominância quanto em Isaías (mais de 60 ocorrências). Deus é o Puro e resiste a tudo que não lhe é idêntico. Não obstante, Deus não se subtrai aos desiguais. Não, ele é tão avesso à impureza que aborda os impuros, ataca-os e vence-os com sua pureza. O Santo é tão santo que santifica. Foi por isso que justamente Jesus pôde tornar-se portador desse título (p. ex., Jo 6.69). Associava-se de modo singular com o título do servo de Deus (p. ex., At 4.27,30), que por sua vez se origina de Isaías. Jesus é o ―Servo santo‖, ungido por Deus. A auto-apresentação, portanto, tem cunho lingüístico de Isaías. Essa coloração se impõe ao trecho todo. Não apenas que a função de Jesus como controlador da porta continua sendo tema no versículo seguinte, transparecendo mais uma vez no oráculo do vencedor. Também muitos outros pormenores e o contexto todo respiram a mensagem de consolo do livro de Isaías. Como devemos distinguir essa missiva da dirigida a Esmirna, com a qual há tantos pontos em comum? Ambas as comunidades não recebem nenhuma acusação, mas são consoladas. Ambas sofrem sob a ―sinagoga de Satanás‖ (Ap 2.9; 3.9). A ambas fala-se sobre a grinalda da vitória (Ap 2.10; 3.11). Mas não obstante são diferentes. Filadélfia não recebe nenhuma perseguição adicional pelas autoridades gentílicas como em Ap 2.10. A igreja tem de enfrentar unicamente judeus. Poucos anos depois Inácio envia uma carta a Filadélfia, que avalia a igreja de modo muito similar: sua existência é digna de louvor, mas ela está envolvida em graves antagonismos com os judeus, que acreditam poder usar o AT como arma. Talvez seja em vista disso que a presente mensagem à igreja local esteja profundamente mergulhada no AT. Os cristãos devem ser fortalecidos na consciência de que o AT não fornece nenhuma base a favor, mas somente contra o judaísmo de lá. Para os cristãos em Esmirna, porém, central a controvérsia com os gentios passou a ponto prioritário de forma predominante. Por isso são lembrados da trajetória da cruz, que mostra Jesus entregue nas mãos dos gentios. Por essa razão, a mensagem a Esmirna é a mais neotestamentária de todas, tendo no centro o personagem sofredor do NT. Em contraposição, a igreja em Filadélfia recebe a palavra do AT, tendo no centro o santo servo de Deus.

8 O inquérito judicial é interrompido, no começo, por uma palavra de ânimo: eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar. A igreja sofria sob as tentativas de isolamento por parte dos judeus, que declaravam que ela não tinha acesso a Deus e combatiam o seu caráter de povo de Deus, a saber, que verdadeiramente fossem judeus (v. 9). Contudo o Senhor lhe declara de antemão a sua confiança. Como grande tesoureiro, ele lhe assegura acesso atual e futuro a todos os bens da salvação. Via de regra também uma porta aberta para a missão fará parte dos tesouros de Cristo. Em última análise, não se consegue romper o sítio da desconfiança, do preconceito e do ódio por meio da habilidade ou amabilidade dos cristãos, mas isso constitui uma dádiva de Cristo. Contudo, o trecho em análise não contém nenhuma menção da missão aos gentios. E também o oráculo do vencedor refere-se ao acesso à cidade de Deus, não ao mundo gentílico. Será que a igreja realmente se encontra no amor e na eleição de Deus? É esse o ponto em questão. Como poderá apresentar-se uma igreja eleita? Tens pouca força (―uma força pequena‖). ―Não temas, ó vermezinho de Jacó, povozinho de Israel‖, ouvimos também em Is 41.14, numa passagem que certamente era conhecida dos judeus, mas que precisava ser dita a eles de forma nova. A partir dessa referência, prolonga-se pelo NT a idéia da pequena comunidade. Fala-se do ―pequeno rebanho‖ (Lc 12.32), da ―menor de todas as sementes‖ (Mt 13.32), da ―fé como um grão de mostarda‖ (Mt 17.20); e em Mateus encontram-se as designações dos discípulos como sendo ―pequenos‖ ou ―humildes‖ (Mt 10.42; 18.6,10,14; 25.40,45). Essas constatações são repetidamente combinadas, como em Is 41.14 e aqui, com uma declaração especial de proteção. Acaso a igreja em Filadélfia era pequena em número ou no aspecto financeiro? Ou será que a intenção é recordar a pouca formação e a origem nos segmentos inferiores da sociedade (1Co 1.26)? Tudo isso pode estar na raiz da afirmação, porém a ênfase cai sobre as poucas possibilidades de ação: ―Não tens influência!‖ Dessa irrelevância no plano imanente concluía-se, da parte dos judeus, para a relação com Deus. Uma dedução falsa, corrigida pela primeira parte do versículo. Teria sido muito compreensível se a igreja em Filadélfia tivesse afirmado: ―O mundo é grande, e nós somos pequenos. Por isso não trará nenhuma diferença o que fizermos ou deixarmos de fazer.‖ A igreja, porém, foi fiel: entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome. É preciso comparar Ap 2.13 com o presente elogio. Lá foi vencida a prova contra o ―trono de Satanás‖, aqui contra a ―sinagoga de Satanás‖ (v. 9). Os judeus haviam submetido os cristãos à pressão para renegarem a Jesus. É conhecido por nome um judeu (a saber, Paulo), que forçou cristãos a amaldiçoarem Jesus. Ele próprio o relatou: ―Eu os obrigava a blasfemar‖ (At 26.11).

9 A palavra de consolo e exortação começa com o segundo ―eis‖ (duas vezes nos v. 8,9), um termo que ressalta a autoridade singular da promessa divina: Eis farei que alguns dos que são da sinagoga de Satanás, desses que a si mesmos se declaram judeus e não são, mas mentem. – Essa metade do versículo pode remeter a Ap 2.9. Também em Isaías o nome honorífico é retirado de Israel, em certas situações: ―vós, príncipes de Sodoma… vós, povo de Gomorra‖ (Is 1.10). Em Is 1.21, Jerusalém é uma ―prostituta‖, cheia de ―assassinos‖. Da mentira de Israel fala o trecho Is 28.15-17, cf. 30.9-11; 59.13. Agora é novo o anúncio da conversão de judeus em Filadélfia: eis que os farei vir e prostrar-se aos teus pés e conhecer que eu te amei. Boa parte da frase encontra-se em Is 60.14 e em Is 43.4. Além do mais, está saturado de palavras ou idéias preferenciais do livro de consolação de Isaías. É evidente que o Apocalipse faz uso desses elementos novamente de forma bem independente (cf. p. ex., Ap 1,7 e qi 23). Agora não são os judeus os procurados como alvo da peregrinação dos povos e reconhecidos como os amados por Deus, mas eles mesmos se põem a caminho, vêm à igreja formada de judeus e gentios, e reconhecem-na como o verdadeiro povo de Deus. A reivindicação dessa comunidade com a pequena força não era presunçosa. Cristo mesmo assume a iniciativa de oferecer a prova dela de modo arrasador. Ecoa outra vez uma afirmação básica sobre a natureza da igreja, que já foi antecipada em Ap 1.5. Sua essência é ser amada junto de Deus e Jesus. Ser amado não é ser amável. Não é a qualidade da igreja que leva os judeus a se ajoelharem, mas (enfaticamente) ―ele, sim ele‖, o Senhor amoroso. Observe-se que nesse ponto não se está falando de que na vinda de Jesus todos os judeus reconhecerão a verdade. Está sendo anunciada a conversão de alguns judeus. Constantemente alguns judeus isolados abraçarão a fé, o que será uma imponente experiência de consolo para a igreja. Os mais severos críticos a cercam, não achando ela resposta para a dolorosa pergunta: ―Como podemos saber que tu nos amas?‖ (Ml 1.2 [BLH]). Ao mesmo tempo, fica evidente como a designação ―sinagoga de Satanás‖ não deve ser entendida: ela não significa maldição de todos os judeus. Os membros da sinagoga não foram descartados, tão pouco como Pedro estava descartado quando o Senhor lhe declarou: ―Arreda, Satanás!‖ (Mt 16.23).

10 Segue-se uma segunda promessa: Porque guardaste a palavra da minha perseverança, também eu te guardarei (e salvarei) da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra. Agora se torna claro, qual é o conteúdo da conscienciosa manutenção da ―palavra‖ (v. 8). O anúncio de que o Senhor está vindo é parte essencial da verdadeira proclamação cristã da palavra. No cristianismo posterior infelizmente a idéia da morte ocupou boa parte desse lugar-alvo: depois de morrer o ser humano chega até Deus. Assim como a igreja lida com a palavra, o Senhor lida com ela. A igreja que guarda será a igreja guardada. Jo 17.15 define a compreensão do termo ―guardar‖: ―Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal‖. Decididamente descarta-se o pensamento de que a igreja nem poderia entrar em perigo. Contudo, em terríveis épocas de tentação ela deve ser preservada pura. Como reflete Jo 17.17, ela será santificada na verdade (cf. também o comentário a Ap 7.2 e 12.14). A provação (―o exame‖ [tradução do autor]) (sobre o termo, cf. Ap 2.10) perpassa todo o tempo escatológico, contudo não de modo homogêneo em termos de amplitude e intensidade (cf. o exposto sobre Ap 1.9). Existem picos, e haverá um último aguçamento no conflito entre Cristo e o anticristo. Um desses auges é a ―grande tribulação‖ (cf. o comentário a Ap 7.14), um acontecimento tanto para os fiéis bem como para os que habitam sobre a terra. Os que estão apegados à terra e se decidem entusiasmados por ela se entregam ao seu seio para usá-la como barricada contra Cristo e o reino dos céus (cf. 6.10; 8.13; 13.8,12,14; 17.2,8; em 11.10-12 habitantes da terra é substituído por ―inimigos‖). Todos serão agora examinados definitivamente sobre seu posicionamento diante de Deus e de seu Cordeiro. Em meio a tudo isso, acontece o milagre da preservação (cf. as exposições sobre Ap 7.3; 9.4; 11.1; 12.6,14,16; 14.1).

11 Às duas palavras de consolo sucede-se finalmente uma exortação , que evoca Ap 2,10: Venho sem demora (―Eis que venho subitamente‖ [tradução do autor]) (cf. Ap 1.3). Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa (―grinalda‖). A expressão poderia ser entendida de tal maneira como se a igreja já possuísse a grinalda. Contudo nenhum competidor corre com a coroa; e Filadélfia ainda não se encontra no alvo. Os louros da vitória já foram ―depositados‖ (2Tm 4.8) e serão ―preservados no céu‖ para ela (1Pe 1.4), porém ainda não lhe foram impostos. ―O atleta não é coroado se não lutar segundo as normas‖ (2Tm 2.5). A igreja ainda poderia perder muitas coisas: o evangelho, a perseverança por Jesus, o amor aos inimigos, a independência de honra e fama, e em suma, por isso, a grinalda da vitória.

12 Com essas observações fizemos a transição para o oráculo do vencedor: Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus. Conforme o v. 9 o Senhor fala novamente a respeito do seu procedimento. É uma ação criadora, como também o conhecem Isaías e o AT. No v. 9, a ação referiu-se aos adversários, aqui refere-se à comunidade vencedora. Anuncia-se a ela uma transformação de figura. Sua atual e momentânea figura (v. 3) não é sua figura definitiva. ―Ainda não é manifesto o que havemos de ser‖ (1Jo 3.2). Pois semeia-se corruptível, em fraqueza e desonra, porém ressuscitará incorruptível, em poder e glória (1Co 15.42,43). A respeito da nova estatura pode-se falar apenas em metáforas, no caso na metáfora da coluna. O termo não alude à função de sustentáculo (como, p. ex., em Gl 2.9; 1Tm 3.15), porém, conforme 1Rs 7.15-22; 2Rs 25.13-17; Êx 13.21; Jr 1.18 à sua função de sinal. Ela é uma testemunha destacada, visível de longe, e impossível de derrubar. Depois do testemunho fiel apesar da pouca força (v. 8), o vencedor será agora uma testemunha glorificada de Deus. A coluna está erigida no santuário (―templo‖). Fica esclarecido, a partir de Ap 21.22, que aqui tudo se move num quadro simbólico, pois na consumação não haverá mais santuário (cf. o comentário a Ap 11.1). Talvez haja uma alusão à situação contemporânea. Era permitido que os sumo sacerdotes do culto ao imperador mandassem erigir para si uma coluna memorial no templo. Também no presente texto trata-se da idéia de que o Senhor honra o servo fiel. ―Se alguém me serve, siga-me, e, onde eu estou, ali estará também o meu servo. E, se alguém me servir, o Pai o honrará‖ (Jo 12.26). E daí jamais sairá. Triunfa a preservação (v. 10). O lado de fora, onde se debatem os blasfemos (Ap 22.15), ficou, pois, totalmente afastado. Os vencedores permanecem no serviço para sempre. ―Habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre‖ (Sl 23.6). O aspecto seguinte talvez faça conexão com o fato de que as colunas memoriais nos templos daquele tempo recebiam inscrições com o nome do pai, o local de nascimento e o ano de serviço. Por outro lado, a comparação da coluna já é abandonada, passando-se a desenvolver amplamente a breve menção do novo nome feita em Ap 2.17: a mera menção torna-se uma inscrição (na testa, em Ap 9.4; 14.1; era a forma com que na Antigüidade as pessoas identificavam seus escravos e assumiam publicamente seus serviços e sua proteção). Escrever solenemente significava tornar algo irrevogável. ―O que escrevi escrevi‖ (Jo 19.22). Além disso, em contraposição a Ap 2.17, de um nome formam-se três. Cada um deles expressa uma parte da autoridade. Plenitude de nomes significava plenitude de poder. Finalmente o novo nome revela-se como o nome de Deus (num desdobramento trinitário?). O primeiro nome: gravarei também sobre ele o nome do meu Deus. Dessa maneira confirma-se Jo 20.17: ―Meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus‖ (cf. nota 128). Agora Filadélfia é incontestável e irrevogavelmente igreja de Deus. E o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus (Ap 21.2,10). Sua cidadania, que até agora estava oculta (Fp 3.20; Gl 4.26; Hb 12.22), torna-se patente. E o meu novo nome. Finalmente eles serão participantes do novo nome de Jesus (Ap 19.12,13,16), ou seja, na sua nova vigência. Governarão com ele.

13 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas (quanto aos ditos de gravação. Nessa mensagem, como no livro de consolação de Isaías, o assunto é certificar da condição de salvos: ―Tu és meu!‖ Isso o Espírito afirma precisamente a uma comunidade, à qual os importantes (os judeus) o negam. Sua voz não coincide com a voz da devoção humana, pois ele entende mais do amor de Deus em Jesus Cristo que a religiosidade humana jamais seria capaz de sonhar. Dessa primeira promessa decorre a segunda: ―Tudo que é meu, é teu!‖ Como Deus não nos daria tudo com Cristo e não nos faria participantes de toda a plenitude do seu nome? Quem é filho, também é herdeiro.

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