Carlos Moreira
Cresci sozinho. A solidão sempre foi boa companheira, nunca me deixou só. E solidão não é ausência de companhia, é a falta de si mesmo, é quando você não é um rosto na multidão, mas a multidão sem um rosto.
Nasci no tempo errado, tenho certeza. Pertenço a um mundo de impessoalidades, de pessoas indo e vindo sem saber ao certo o porquê de estarem fazendo tal coisa... É a era da virtualidade, da tela, dos bytes, dos pixels, da imagem. Foi-se o tempo em que existia o toque, o cheiro, o gosto. Agora tudo é superficial, artificial, digital.
Não sei se você se deu conta, mas, em nossa sociedade, é melhor ser singular do que plural. Aumenta a cada dia o número dos que existem sozinhos, dissociados. São solteiros tardios, pais sem esposas, mães sem maridos, filhos sem pais. A palavra “nosso” praticamente perdeu suas implicações e significados. Hoje tudo é apenas “meu”: meus sonhos, meus projetos, minha casa, meu carro, minha cama, meu dinheiro.
Olho para tudo isto e me acho desconforme. Sinto falta de gente. Apesar de sempre ter brincado sozinho, ansiava por um amigo, uma companhia. Tive alguns na vida, mas foram poucos. Hoje, não enchem nem uma mão. Dias difíceis. Tanta correria que não dá tempo para interagir, partilhar, realizar “trocas”, dar um abraço, bater um bom papo, ou mesmo ficar calado, um do lado do outro.
Moro num edifício, mas quase não conheço meu vizinho. O de cima e o de baixo não sei quem são. Mesmo depois de algum tempo, encontro gente no elevador que nunca vi. Não sei o nome dos porteiros, dos vigias nem dos zeladores. Gosto de ir sempre aos mesmos lugares, vejo gente que lá está, mas não sei de quem se trata. Na farmácia todos são anônimos. O mesmo acontece no posto de gasolina, na padaria, no pet shop e na livraria. Os rostos são familiares, mas as pessoas parecem não ter alma, são como zumbis, interagem comigo quase sem me dirigir palavras.
Como observador da existência, percebo que o fenômeno chegou também na igreja. Tudo vem se tornando impessoal. É tanta gente que não se sabe quem é quem. Alguns poucos você conhece pelo nome, todos os outros são apenas “irmãos”, mas não parecem fazer parte da mesma Família. Sim, não posso chamar isso de “Corpo”, mas de uma sacola de membros esquartejados, pois não há conexão entre as “partes”, não há ligamentos, nem ligaduras, apenas distâncias e silêncios, sorrisos pálidos e abraços gélidos.
Fui as Escrituras. Bateu-me certo desespero! O padrão que está lá é outro... O Novo Testamento nos indica o caminho: “sujeitai-vos uns aos outros; consolai-vos uns aos outros; amai-vos uns aos outros; saudai-vos uns aos outros; sede benignos uns para com os outros; perdoai-vos uns aos outros; exortai-vos uns aos outros; edificai-vos uns aos outros; confessai-vos uns aos outros; orai uns pelos outros; recebei-vos uns aos outros; não mintais uns aos outros; lavai os pés uns dos outros; suportai-vos uns aos outros; admoestai-vos uns aos outros”. Ler isso me deu certo alento: tênue, frágil e pequeno.
Devo adverti-lo, mesmo crendo que será totalmente inócuo, mas estamos todos na contramão! Não há Evangelho se não há o outro, pois, sem o próximo, não há caminho a ser caminhado, amarei a Deus, mas não terei como materializar esse amor amando o meu semelhante. É por isso que o “Pai” é “nosso” e não meu, e a igreja é reunião de “dois ou três” e não fé existencializada individualmente.
E assim, diante da máquina, que não ouve, não vê e não fala, termino essa noite, ou melhor, esse dia, pois já são 3:00h. da manhã. Pela janela vejo a cidade vazia, as ruas desertas, os apartamentos no escuro. Todos agora estão descansando, cada um no seu quarto, cada qual com seu sonho, pois até dormir é solitário.
E para terminar, deixo-te a inquietante poesia de Denison Mendes: "o médico perguntou: "o que sentes?". E eu respondi: "sinto lonjuras, doutor. Sofro de distâncias."". Pensei comigo mesmo : "há, disso eu entendo bem."...
Carlos Moreira é coeditor do Genizah
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