AMAR A VIDA

Fonte:  Hugo de Azevedo, Jornal de Notícias, 9 de Junho de 1998

O que me espanta em tudo isto e me parece ilógico é tanto amor à vida e tanto amor à morte. Que gostamos de viver, não há dúvida. É uma paixão. Gozar a vida até à última gota; saboreá-la numa festa contínua; prolongar o prazer sem lhe marcar um fim! Fazer gozo de tudo: da respiração ao sexo, do trabalho ao desporto, da "rave" à soneca, do café à política, da TV ao turismo, da cultura ao marisco...
Sem perder um minuto. Não suportamos a mínima chatice. Espremer bem o tempo, ultrapassando, se for preciso, convenções, tabus, decência. Ninguém nos venha com isso! A vida é minha e não dou contas a ninguém! Sou livre e realizo-me conforme me apetecer. Só reconheço que os outros têm direito ao mesmo, e concordo em organizar-me sem interferir nos seus projectos de gozo... E, amando tanto a vida, achamos bem que se liquide o feto, se apresse a morte do enfermo irrecuperável e do velho caquético, e quem quiser que se suicide ou se meta na droga! Liberalizar, é a palavra de ordem.

Que se passa connosco? Como se explica isto? Suponho que a resposta è simples: de facto, não amamos a vida. Ou melhor, amamos a vida como bem de consumo. Tal como gostamos de batatas fritas. São para acabar com elas, não são? Para senti-las estalar na boca, sabor a salgadinho, fácil deglutição e aconchego no estômago, a pedir mais cerveja. Não amamos a vida, qualquer vida; por ser vida humana. O que queremos acima de tudo é "qualidade de vida". Para nós, vida sem qualidade não é vida; é produto estragado, para deitar fora. O feto tem essa qualidade? Não! Nem sabe a vida que tem! Logo, só vale para dar qualidade à vida da mulher. - Não lhe apetece o iogurte, minha senhora? Deite-o fora! Lá por tê-lo desejado antes, que importa isso? Agora não quer, e acabou-se. Não faça cerimónias! (E o iogurte ainda lhe custou uns escudos, mas o feto não lhe custou nada!)

- O velhote sofre, e ainda por cima dá despesa? Ó meu caro, não estejas com meias medidas! Não tem qualidade de vida e só te rouba a tua. O velhote está deteriorado. Já não vale nada! - O tipo quer matar-se? Que tens tu com isso? Vais incomodar-te, perder tempo com as angústias dele? Não hesites. Ajuda-o a despachar-se quanto antes, não vá ele arrepender-se! - Ó meu! Gostas de viajem, de picar a batata? Vamos a isso. Há bué de pós...

Não amamos nem defendemos a vida,. porque, para nós, a vida não tem sentido nenhum. É uma coisa como outra qualquer. Se está bem embalada e tem prazo de garantia, vale o que vale; se não... Esta é a nossa ideologia, e não os grandes princípios, solenemente declarados e promulgados. Esta é a nossa elevada filosofia, sob o nome de liberdade, justiça, dignidade, progresso, tolerância, democracia, solidariedade, igualdade e fraternidade universal. Bravo! Começo a perceber por que curioso motivo alguns afirmam a questão do aborto constituir um problema religioso. Com efeito, se nenhuma ideologia em voga é capaz de explicar o valor da vida humana, e só as religiões a apresentam como transcendente, superior ao dos bens utilitários, então, de facto, só na religião se encontra saída para a desgraçada cultura que nos envolve. Mas, nesse caso, a religião é precisa para tudo, inclusive para nos fazer recobrar a confiança na razão e o respeito pela inteligência. Só a religião estará capacitada para nos distinguir das coisas, das plantas e dos animais, e só ela nos fará discernir o bem do mal. Só ela nos fará viver como homens...

Não se trata realmente de uma questão religiosa, mas do esgotamento de todos os seus sucedâneos. Falta-nos o sentido da transcendência, é o que é. Sem transcendência, que quer dizer valor? Que significa bem e mal, justiça, ética, dignidade, etc.? Absolutamente nada. Aliás, que quer dizer pessoa? Os abortistas esperam encurralar definitivamente a transcendência do homem dentro dos estritos muros dos templos. Não estranhem que a esses muros se acolha cada vez mais gente, e que essa questão, e afinal todas as questões humanas, se transformem em problemas religiosos.

Leio S. Justino, do séc. II, no "Diáologo com Trifão": "A maioria não se importa de saber se existe um só Deus ou muitos (...) Tentam persuadir-se de que Deus se ocupa com o universo em geral (...), mas não comigo, contigo e com cada um em particular (...) Não é difícil compreender aonde os conduz tal modo de ver. (...) Nada temem e julgam-se livres (...) fazem e dizem o que querem, pois não temem castigo divino nem esperam recompensa de Deus".

Voltámos ao começo.

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