A “tendência” é de que a produção e a comercialização de amianto diminuam gradualmente no Brasil, após a “proibição de sua utilização em Estados importantes como São Paulo”, diz o médico pneumologista.
Confira a entrevista. A fibra do amianto é cancerígena e não há “limite de tolerância segura para sua utilização”, diz o médico pneumologista Jefferson de Freitas à IHU On-Line. Defensor do banimento do amianto no Brasil, Freitas participou da audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no final do mês passado, em que diversos pesquisadores apontaram as implicações do produto para a saúde. Segundo ele, estudos que comprovam a relação entre o amianto e casos de câncer são realizados desde 1949. “Sabe-se que o amianto é um agente promotor de neoplasias e sua etiopatogenia é pouco esclarecida”, assinala.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Freitas ressalta que o entrave ao banimento do amianto no Brasil é “exclusivamente econômico, uma vez que já há tecnologia para sua substituição”. Para ele, as justificativa de que a indústria do amianto deve ser mantida por causa dos empregos “não se sustenta do ponto de vista de quem a explora. Isso porque sabemos que, mais do que o seu banimento, se a mina se exaurir ou não for mais interessante sua exploração do ponto de vista econômico, corre-se o risco de repetir o que ocorreu em Poções-BA, com o abandono da mina e da população local”.
Jefferson Benedito Pires de Freitas é graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Petrópolis-RJ, e mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo – USP. É médico pneumologista do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Freguesia do Ó, São Paulo, do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Plásticas e Similares de São Paulo, e professor-instrutor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Confira a entrevista.
Jefferson Benedito Pires de Freitas – A tendência é sua diminuição gradual a partir da proibição de sua utilização em estados importantes como São Paulo. Já pudemos observar que no setor de juntas e gaxetas as empresas que comercializavam produtos com amianto já fizeram a substituição por produtos com fibras alternativas. O mesmo está acontecendo com produtos do fibrocimento e a tendência é que, com essa substituição mais frequente, estes produtos alternativos se tornem competitivos, e o que poderia ser muito mais caro fique, a princípio, mais barato.
IHU On-Line – O senhor participou da audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal para apontar verdades e mitos em relação ao amianto. Pode nos relatar como foi a audiência?
Jefferson Benedito Pires de Freitas – Ela transcorreu durante os dias 24-08 e 31-08-12. Nessa ocasião, aqueles que lutam pela manutenção da lei do banimento ao amianto no estado de São Paulo e, por conseguinte em todo o território nacional, tiveram oportunidade de mostrar o porquê desta luta, principalmente abordando tanto os aspectos de saúde dos trabalhadores expostos como os da própria população, visto que a questão do amianto ultrapassa o conceito de saúde ocupacional e atinge aspectos de saúde ambiental e, portanto, de toda a população. Nesse sentido, os representantes da área da Saúde, Previdência, Trabalho e Meio Ambiente, além de setores da universidade, da sociedade civil, representado pela Associação Brasileira de Expostos e Ex-expostos ao Amianto, Associação Nacional de Medicina do Trabalho, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e pesquisadores internacionais com trabalhos nesta área, enfatizaram a importância do banimento do amianto por ser ele uma fibra cancerígena e não haver limite de tolerância segura para sua utilização.
Por outro lado, os defensores do seu uso controlado, representados pela União com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Ministério de Minas e Energia, além do Instituto Brasileiro da Crisotila, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Minerais não Metálicos de Minaçu-GO, enfatizaram a questão do uso seguro da crisotila, do seu controle nos ambientes de trabalho e de que a crisotila brasileira, por sua pureza, não representa risco nem para os trabalhadores expostos, nem para a população.
IHU On-Line – Como a questão do amianto é abordada pela Organização Mundial de Saúde – OMS e pelo Ministério da Saúde?
Jefferson Benedito Pires de Freitas – A OMS em sua 60ª Assembleia Mundial de Saúde, aprovou um Plano de Ação mundial sobre a saúde dos trabalhadores 2008-2017, na qual os estados membros pediram que a secretaria da OMS incluísse, entre suas atividades, campanhas mundiais para eliminar as enfermidades relacionadas ao amianto, através do abandono da utilização de todas as formas deste produto e sua substituição por outros mais seguros. Além disso, preconiza adoção de medidas de prevenção da exposição, melhoria no diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação médica e social das doenças relacionadas ao amianto. Busca também o estabelecimento de registro de pessoas que estiveram, ou que ainda estão, expostas ao amianto.
O Ministério da Saúde corrobora este Plano de Ação, inclusive pela sua postura de banimento do amianto e também pela publicação da portaria n. 1851/GM, de 09-08-2006, que aprova procedimentos e critérios para envio de listagem de trabalhadores expostos e ex-expostos ao asbesto/amianto nas atividades de extração, industrialização, utilização, manipulação, comercialização, transporte e destinação final de resíduos, bem como aos produtos e equipamentos que o contenham, discriminados nos seus artigos 1º, 2º, 3º e 4º.
IHU On-Line – Em audiência pública promovida pelo STF, o senhor afirmou que todas as fibras de amianto são cancerígenas. Como estão as pesquisas que tratam da relação entre amianto e câncer? Por quais razões ele é cancerígeno?
Jefferson Benedito Pires de Freitas – A questão amianto e câncer já está bem estabelecida. Em relação ao câncer de pulmão, desde trabalhos publicados em 1949, e ao mesotelioma maligno de pleura, desde trabalhos da década de 1960. Sabe-se que o amianto é um agente promotor de neoplasias e sua etiopatogenia é pouco esclarecida.
IHU On-Line – Quais são as principais descobertas das pesquisas da área da saúde em relação às doenças causadas pelo amianto? Além de casos de câncer, quais são as principais doenças provocadas pelo amianto?
Jefferson Benedito Pires de Freitas – Como descrito acima, as descobertas da relação do amianto com câncer de pulmão e mesotelioma já estão bem estabelecidas. Outros tipos de cânceres são relacionados com o amianto, como de laringe, trato digestivo e ovário. Outras doenças relacionadas ao asbesto/amianto seriam: 1) asbestose, pneumoconiose de característica progressiva e irreversível, levando a uma fibrose pulmonar que poderá levar a quadros graves de insuficiência respiratória e morte; 2) doença pleural não maligna, representada por placas pleurais circunscritas ou difusas, derrame pleural pelo asbesto e atelectasia redonda; e 3) limitação crônica ao fluxo aéreo.
IHU On-Line – Quais são as maiores dificuldades encontradas em relação à elaboração de novas pesquisas sobre as consequências do amianto para a saúde? Os médicos e profissionais da saúde enfrentam algum tipo de impedimento na elaboração de tais pesquisas?
Jefferson Benedito Pires de Freitas – Em minha opinião, as maiores dificuldades se referem à notificação e busca de casos. Em nosso país, a notificação de doenças relacionadas ao trabalho ainda se dá pela notificação de Comunicações de Acidentes de Trabalho. Sabemos da sub notificação destes casos, tanto pela não informação pelas empresas de doenças relacionadas ao trabalho ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, através da Comunicação de Acidente do Trabalho, como também do grande número de trabalhadores do mercado informal ou que já não se encontram no mercado de trabalho. Isso é fácil constatar, pois, se consultarmos o banco de dados da Previdência Social em relação a benefícios de auxílio-doença previdenciário (doença comum e acidente comum) e os de auxílio-doença acidentário (doenças profissionais e do trabalho e acidente de trabalho), verificaremos que a maioria dos benefícios para, por exemplo, asbestose, se refere a auxílio-doença previdenciário, mesmo sabendo que asbestose é uma doença profissional e, portanto, com direito ao auxílio-doença acidentário e não previdenciário. Isso também se repete para silicose.Portanto, outra forma de notificação é necessária. O que já temos é oSinan Net, para os agravos do trabalho (antiga portaria n. 777, hoje como anexo III da Lista de Doenças de Notificação Compulsória). Entretanto, encontramos dificuldades com este instrumento de notificação, pois desde sua implantação acredito que não tenha sido avaliada sua praticidade, visto que, em análise preliminar da ficha de pneumoconioses, observamos vários campos em branco ou ignorados, o que nos faz supor que ela necessita de uma nova reavaliação. Outro aspecto importante dos dados alimentados no Sinan Net é que, diferentemente dos dados da Previdência Social – que são de livre acesso quanto aos números de benefícios, doenças e CNAE –, não podemos saber, como usuário do SUS, dos dados do número de casos, ocupações e ramos de atividade coletados em nível local, regional e nacional. Para isso é isso necessário ter acesso a uma senha, o que dificulta o conhecimento dos casos.Em relação a algum tipo de impedimento para elaboração de pesquisas, tivemos isso na prática com a interpelação ao pesquisador da Fiocruz,Dr. Hermano de Castro Albuquerque, questionado pela indústria do amianto por conta de um artigo publicado, referente ao número de casos de mesotelioma no Brasil. Em vez de ter sido contestado em nível acadêmico, por meio de outro trabalho que contestasse os dados, isso se deu na esfera jurídica com processo contra o pesquisador, com objetivo de causar constrangimento e intimidação a este e outros pesquisadores que atuem no tema pesquisado.
IHU On-Line – O que dificulta a proibição da comercialização de amianto no Brasil, considerando que já foi banido de muitos países?
Jefferson Benedito Pires de Freitas – Em minha opinião, o problema é exclusivamente econômico, uma vez que já há tecnologia para sua substituição. O Brasil, ao contrário de todos os demais países que baniram sua utilização, é o terceiro maior produtor do mundo de amianto, e exporta amianto para diversos países em desenvolvimento, além de ser um grande consumidor. A justificativa de que há empregos na mina e uma cidade ao redor dela, feita pelos defensores do uso controlado, embora compreensível por aqueles que lá moram e trabalham, não se sustenta do ponto de vista de quem a explora. Isso porque sabemos que, mais do que o seu banimento, se a mina se exaurir ou não for mais interessante sua exploração do ponto de vista econômico, corre-se o risco de repetir o que ocorreu em Poções-BA, com o abandono da mina e da população local.
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FONTE : (Ecodebate, 11/09/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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