Tiros em Sandy Hook

Mais uma vez os EUA são sacudidos pelo horror. Um jovem de 20 anos, Adam Lanza, invadiu a escola Sandy Hook, na pequena cidade de Newtown, a 130 km de Nova York, e matou 26 pessoas — 20 delas eram crianças entre cinco e dez anos. Em seguida, ele se matou. Sua mãe foi encontrada morta a tiros em casa. Ao todo, 28 vítimas. Como sempre acontece em casos assim, tem início o debate sobre o controle da venda de armas nos EUA. O debate, como escreveu Caio Blinder em sua página, não dá em nada. Não há a menor chance de o país proibir o cidadão de ter uma arma para se defender. Meu querido amigo Caio acha que as restrições à posse de arma deveriam aumentar. Eu acho que o problema não é esse.

Já cheguei bem perto de arma duas vezes — como vítima. Aos 15 anos, no escritório da empresa em que eu trabalhava, durante um assalto; em 1988, num restaurante, idem. Lembro-me, certa feita, de meu pai ter aparecido com um revólver em casa. Eu tinha, sei lá, uns nove ou dez anos. Morávamos numa região pouco segura. Era para a nossa proteção, ele argumentou. Minha mãe o fez devolver ao vendedor e pegar o dinheiro de volta. Fiquei sabendo da história porque ouvi as altercações, mas nem cheguei a ver o bicho. Não tenho arma nem acho que se deva ter uma. A chance de que o bandido leve a melhor caso a vítima tente reagir é grande. A razão é simples: trata-se do confronto entre um profissional e um amador. Assim, mesmo para a autodefesa, a eficácia do instrumento é altamente duvidosa. Mas me oponho, como me opus quando houve o referendo no Brasil, à proibição da venda legal. E assim é por apreço aos fatos. Já chego lá. Voltemos aos EUA.

Os massacres que viram notícia no país não estão ligados ao crime comum. Não há por lá as chacinas que volta e meia são notícia no Brasil e que passaram a fazer parte, por exemplo, do cotidiano do México. Não há cidade americana que tenha mais de 100 homicídios por 100 mil habitantes, como a Caracas do companheiro Hugo Chávez.

Na raiz da tragédia de Sandy Hook ou na da Universidade Virginia Tech, em 2007, quando o estudante Seung Hui-Cho matou 32 pessoas, está a venda legal de armas??? Basta ver o perfil dos homicidas suicidas para constatar que não. Trata-se de pessoas mentalmente perturbadas, que raramente buscam emprestar alguma racionalidade — ainda que a racionalidade ensandecida dos psicopatas — para seu gesto.

Estou contando as horas para que apareça um analista na televisão a culpar o cinema americano, “que glorifica as armas”. Os mais ousados acusarão o imperialismo, com seus Rambos espalhados mundo afora, “a disseminar a cultura da violência e da humilhação do outro”. Se George W. Bush ainda fosse o presidente, não perderiam a chance de culpá-lo…

Cumpre lembrar o caso perturbador de Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas na Noruega, em 2011. No julgamento, narrou as suas ações com frieza burocrática. Disse que estava se defendendo do multiculturalismo e não demonstrou o menor arrependimento. A Noruega é o país que exibe os melhores indicadores sociais do mundo. Os policiais fazem a ronda desarmados. Como, nesse caso, não dá para culpar a cultura das armas, o cinema ou o imperialismo, então se arrumou uma boa desculpa, com base no discurso do psicopata: “Ele é de direita!” Sim, ele é de direita. Mas é isso que faz dele um assassino em massa?

Vamos ver. Parece-me sensato que se criem algumas dificuldades, no Brasil e no mundo, para o sujeito comprar uma arma. Mas quem segura a mão de um louco disposto a matar? Como escrevi à época do referendo, pode-se esmagar um crânio com uma Bíblia. Admito a hipótese de que a ocasião e a disponibilidade do instrumento façam ao assassino, mas certamente é ocorrência rara. A determinação de matar vem primeiro. Se não for de um modo, será de outro.

Realidades distintas
O Brasil não se notabiliza por ocorrências dessa natureza. A nossa tragédia, que ceifa muito mais vidas, é outra. Há certamente menos armas circulando no Brasil do que nos EUA — 47% dos domicílios têm a sua, segundo informa Caio —, mas aqui se mata escandalosamente mais. Aquele país faz, sim, o registro do comprador, mas há muito menos burocracia nas lojas do que por aqui. Contam-me que ter uma arma legal em Banânia não é tarefa corriqueira. O estado cria uma série de dificuldades para o homem de bem disposto a dar seu nome, RG, endereço etc. O flagelo do Brasil são as armas ilegais, que entram no país por nossas fronteiras secas e molhadas sem nenhuma dificuldade.

Aonde o Reinaldo quer chegar?
Quero chegar ao óbvio. No Brasil ou nos EUA, não são as pessoas comuns que matam — isso, sabem, a que se chama “homem médio”, por quem os intelectuais “progressistas” têm tanto desprezo. Nos EUA ou na Noruega, os matadores não são exatamente pessoas normais, não é? Ou alguém acredita que está na posse de seu juízo quem elimina 77 pessoas para “combater o multiculturalismo”? Não houvesse uma só arma circulando nos EUA, Adam Lanza daria um jeito de matar pessoas por outros meios.

No Brasil, por óbvio, quem usa a arma para submeter o outro ou para mata-lo não é aquele que foi à Polícia registrar o seu revólver, mas o que comprou a arma de modo clandestino. Quando se fez aquele referendo, perguntei e fiquei sem resposta: quem vai tirar as armas das mãos do bandidos? O governo se oferecia para tirá-las apenas das mãos das pessoas de bem.

Os EUA têm 300 milhões de habitantes; o Brasil, 200 milhões. Em 2010, foram assassinadas naquele país 12.996 pessoas (4.3 por 100 mil habitantes), 8.775 com armas de fogo. No Brasil, no mesmo ano, houve 49.932 (26,2 por 100 mil habitantes) — 35.233 por armas de fogo. Mas não duvidem de que haverá gente por aqui tentada a dar lições aos americanos. Aguardem para ver.

Há países europeus com índices de homicídio por 100 mil na casa decimal? Há, sim! Entre os países ricos, os EUA devem ser aquele em que mais se mata. Culpa da “cultura das armas” e da facilidade com que são vendidas? Parece-me que a resposta superestima um fator em detrimento de uma infinidade de outros. Mas ainda que se pudesse atribuir os pouco mais de 8 mil homicídios com armas de fogo à facilidade com que estas são vendidas, pergunto: o que casos como o de Sand Hook têm a ver com isso?

Malucos não precisam de armas, só de um pretexto. Com alguma frequência, nem do pretexto. Convém a gente não buscar respostas fáceis, contra os fatos, para questões que desafiam o nosso entendimento — ainda que eu ache, e eu acho, que não se deva andar armado. Mas é uma escolha moral, não uma resposta da política pública para o que resposta não tem.

PS – E termino com uma provocação, que requer um outro texto, para outra hora. A imprensa americana — e talvez não só ela nos tempos do mundo online e em rede — tem de repensar a cobertura para casos dessa natureza. Potenciais protagonistas de tragédias certamente ficam fascinados com aquilo a que assistem e se vêem tentados a encerrar suas respectivas vidas miseráveis com um grande evento. Uma cobertura mais sóbria, que jamais mostrasse a identidade do assassino — até seu nome deveria ser omitido — não estimularia imaginações doentias. Para esse tipo de ocorrência, seria uma providência mais sábia do que tentar restringir a venda de armas. Por Reinaldo Azevedo

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