O BBB está na 13ª edição. E isso deve mexer com a natureza do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), mais ou menos como o rio sempre procura voltar a seu leito. Ele decidiu, mais uma vez, “causar”, como diz a meninada. “Causar”, leitor, empregado como verbo intransitivo, esclarecem-me as minhas filhas, quer dizer “chamar a atenção”, “exibir-se”, “criar comoção”.
A garota ou garoto que fazem questão de usar uma roupa exótica na escola ou numa festa, que sabem em desacordo com a metafísica influente, “estão causando”. Todos os adolescentes são “causadores” naturais, porém transitórios. Quando os hormônios se estabilizam, seu viés jacobino caminha para o estágio terminodoriano. Os socialistas de pais ricos, por exemplo, com a maturidade, costumam assumir os negócios da família. Sabem como é… Quando não se é esquerdista antes dos 20 e poucos, pode haver a suspeita de que falta um coração ao vivente. Mas, quando se continua esquerdista depois dos 20 e poucos, é quase certo que a suspeita de um grande coração escondia a falta de cérebro. Mas me desviei. Voltando. Há os “causadores” transitórios e aqueles que fazem da “causação” um meio de vida, uma profissão. É o caso de Jean Wyllys.
A garota ou garoto que fazem questão de usar uma roupa exótica na escola ou numa festa, que sabem em desacordo com a metafísica influente, “estão causando”. Todos os adolescentes são “causadores” naturais, porém transitórios. Quando os hormônios se estabilizam, seu viés jacobino caminha para o estágio terminodoriano. Os socialistas de pais ricos, por exemplo, com a maturidade, costumam assumir os negócios da família. Sabem como é… Quando não se é esquerdista antes dos 20 e poucos, pode haver a suspeita de que falta um coração ao vivente. Mas, quando se continua esquerdista depois dos 20 e poucos, é quase certo que a suspeita de um grande coração escondia a falta de cérebro. Mas me desviei. Voltando. Há os “causadores” transitórios e aqueles que fazem da “causação” um meio de vida, uma profissão. É o caso de Jean Wyllys.
O ex-BBB e ativista gay é autor de um projeto de lei que regulamenta a “prostituição”, que passaria, então, na sua versão, a ser uma “profissão”. Em 2003, Fernando Gabeira tentou algo parecido, mas não conseguiu. Ele próprio se mancou e percebeu que havia causas mais urgentes a tratar, que diziam respeito a um universo maior de pessoas. Vamos lá.
No Brasil, é crime explorar a prostituição. Tal crime está previsto em dois artigos do Código Penal, o 227, que tem redação de apelo quase poético (“induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem”), e o 230, que pune quem tira “proveito da prostituição alheia”. Ser prostituta ou prostituto, no entanto, não é crime. E me parece que faz sentido ser assim. Já escrevi aqui algumas vezes que o “habeas corpus” é o pilar fundamental da democracia. Não por acaso, é o primeiro fundamento a ser ignorado ou extinto pelas ditaduras. Se a pessoa é dona do seu corpo e só aceita fazer sexo desde que receba uma compensação, quem poderá impedir essa relação de oferta e procura? Já o lenocínio, este, sim, tem de ser combatido porque, como é sabido, aproveita-se de fragilidades alheias para ser exercido e, não raro, esconde situações de violência.
Há mais. A prostituição já constava do Catálogo Brasileiro de Ocupações, do Ministério do Trabalho: era a ocupação nº 5198. Escrevi um post a respeito no dia 12 de março de 2007. A página oficial foi retirada do ar em seguida. A forma como a burocracia companheira descrevia a prostituição merecia um tratado semiótico, dada a sua paixão pelas minudências. Na caracterização sumária da profissão, prostitutas e prostitutos eram descritos como o cruzamento bem-sucedido do “messalinato” com a didática moral. Leiam (em vermelho):
“Batalham programas sexuais em locais privados, vias públicas e garimpos; atendem e acompanham clientes homens e mulheres, de orientações sexuais diversas; administram orçamentos individuais e familiares; promovem a organização da categoria. Realizam ações educativas no campo da sexualidade; propagandeiam os serviços prestados. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam as vulnerabilidades da profissão.”
Como vocês podem notar, os profissionais da área eram tomados como verdadeiros companheiros, não é? O Ministério do Trabalho ensinava também o que é “batalhar um programa”. Acompanhem (em vermelho):
Agendar a batalha
Produzir-se visualmente
Aguardar no ponto (esperar por quem não ficou
de vir)
Seduzir com o olhar
Abordar o cliente
Encantar com a voz
Seduzir com apelidos carinhosos
Conquistar com o tato
Envolver com o perfume
Oferecer especialidades ao cliente
Reconhecer o potencial do cliente
Dançar para o cliente
Dançar com o cliente
Satisfazer o ego do cliente
Elogiar o cliente
Como vocês notam, pelo menos seis dessas iniciativas fazem parte, creio, de qualquer aproximação amorosa. Excluída a palavra “cliente”, quase todo o rol das supostas atividades dos “profissionais” da área constitui a linguagem da sedução. Para o Ministério do Trabalho, pois, estamos sempre a um passo da prostituição. Não estranho. No país que tem uma literatura relativamente vasta sobre a puta redentora, é razoável que toda redentora possa ser considerada uma puta. Vamos seguir com Jean Wyllys.
O “causador”
Em 2003, Gabeira tentou convencer seus pares sobre a necessidade da regulamentação. Não conseguiu. Fez um debate político. Posso discordar dele em muitos aspectos, e discordo, mas o agora apenas jornalista soube, de fato, compreender o processo democrático. Jean Wyllys é personagem de outra era. Eleito com uma mixaria de votos, na cola de Chico Alencar (PSOL-RJ) — algo em torno de 17 mil, por aí —, virou um “causador” profissional para ampliar a sua audiência. Tem experiência na área. Venceu um BBB assim.
Estivesse realmente interessado em ver triunfar a sua má causa — e já digo por que é má —, tentaria a linguagem do convencimento. O natural, quando se apresenta uma proposição no Congresso, é que se evidenciem as conquistas sociais para os potenciais beneficiários de um projeto. Não com Jean Wyllys. Ele prefere uma abordagem mais próxima da chantagem, que rendeu título aos textos publicados na imprensa e, por óbvio, o coloca mais uma vez na condição de celebridade. Indagado sobre a resistência à sua proposta, ele não teve dúvida:
“Eu diria que 60% da população masculina do Congresso Nacional faz uso dos serviços das prostitutas, então acho que esses caras vão querer fazer uso desse serviço em ambientes mais seguros”.
É evidente que o deputado não dispõe de dados para fazer tal afirmação, como também é evidente que deve haver deputados e senadores que recorrem a prostitutas, o que, nem de longe, muda a natureza do seu projeto ou o torna de aprovação obrigatória. De resto, ditas as coisas desse modo, parece que os congressistas deveriam endossar a sua causa por motivos egoísticos… A propósito: o próprio Wyllys entra nessa categoria — no seu caso, recorrendo à prostituição masculina? Ou legítimo é apenas lançar suspeição sobre o comportamento dos outros?
Aposentadoria especial
Jean Wyllys quer mais. Segundo seu texto, passa a ser “profissional do sexo” toda pessoa “maior de 18 anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”. A atividade poderia ser desenvolvida individualmente ou em cooperativa. Entendo. Ah, sim: esses “profissionais” teriam direito a aposentadoria especial: com 25 anos de serviço. Tá. Um metalúrgico, para ter direito à aposentadoria integral, precisa de 35 anos de contribuição (se mulher, 30). Para ter direito à proporcional, o homem precisa ter 53 anos e 30 de contribuição, e a mulher, 48 e 25 de contribuição. Aprovada a lei de Wyllys, melhor negócio teria sido, respectivamente, ser michê e puta. É uma sandice. Mas sabem como é… Ele saiu acusando os membros de um Congresso razoavelmente desmoralizado (e a caminho de mais desmoralização) de recorrer a prostitutas. E isso faz dele um herói em certas áreas do jornalismo. O que ele não consegue com o argumento, consegue com a estridência.
A proposta de Wyllys regulamenta a profissão exercida também “em cooperativa”, o que abre as portas, é evidente, justamente para a exploração do lenocínio, dando um truque, então, no Código Penal. O que vem a ser exatamente uma “cooperativa” nessa área? É claro que aqueles que já vivem hoje da exploração da prostituição — é há criminosos impunes nessa área, como em todas as outras — fariam o óbvio: procurariam conferir fachada legal à sua atividade, como já o fazem, com supostas boates e casas de shows. O fato de a sociedade não conseguir eliminar práticas criminosas não deve servir de pretexto para legalizá-las.
O Brasil é mundialmente conhecido por suas meninas e meninos prostitutos. É um fator de atração de turistas… O raciocínio tolo e simplista diria que a legalização da profissão permitiria uma vigilância maior. Bobagem. Ao contrário: criar-se-iam mais alternativas para conferir aparência de legalidade à exploração sexual. Se algo tem de ser feito na área, e tem, é apertar o cerco, não o contrário.
A regulamentação da profissão, de resto, colocaria o, vamos dizer, “setor” diante de situações engraçadas. Haverá uma “carteirinha” para a prostituta e o prostituto “legais”? Alguém poderia ser acusado, por exemplo, de “exercício ilegal da profissão”? Assim como os cafetões dividem hoje áreas das cidades, elas certamente passariam a ser redutos das “cooperativas”. Garantida a aposentadoria aos 25 anos de batalha, os beneficiários da prebenda estatal podem ou não continuar em atividade? Ou, nesse caso, teriam de fazer de graça, só por gosto?
Conhecendo a vocação brasileira para a burocracia e a regulamentação, não tardaria para alguém sugerir, sei lá, uma espécie de obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão: “Só poderão ser putas e putos no Brasil os profissionais que fizerem tal curso…”.
Vamos ver. As esquerdas tendem a apoiar a proposta. Não podem ver uma prostituta e um prostituto sem que sintam a incontrolável necessidade de chamá-los de “companheiros”. À diferença do que parece, o viés do projeto de Jean Wyllys é autoritário. No limite, trata-se da estatização do corpo e da mais primitiva das relações. Se há quem só gosta de fazer sexo cobrando e pagando, o que o Estado tem com isso, DESDE QUE REPRIMA, PRA VALER, A CAFETINAGEM?
Acontece que a regulamentação da prostituição, assim como a descriminação das drogas, integra o roteiro das práticas consideradas politicamente corretas, ainda que, na prática, se revelem propostas autoritárias e, obviamente, reacionárias, porque fariam a sociedade andar para trás.
PS – Jean Wyllys não gosta de argumentos. Prefere o terreno das ofensas. Parece estar sempre disputando um paredão: “Você vota nesse ou naquele?”. Já me agrediu algumas vezes em seu perfil no Twitter em razão de coisas que não escrevi nem penso. Gosta de mobilizar correntes de opinião e coisa e tal. Muito típico desses tempos, em que muitos opinam sem ler o que está escrito. Dada a forma como não argumenta — basta ver a acusação genérica que fez aos parlamentares —, qualquer pessoa sensata conclui que ele mais atrapalha do que ajuda a causa dos gays. No Congresso, não há “paredões”, “ou esse ou aquele”… Há negociação. Ele ainda não descobriu que a democracia é o regime em que pode — e até deve — haver deputados gays, deputados héteros, deputados empresários, deputados trabalhadores… Já gays deputados, héteros deputados, empresários deputados são coisas típicas de um regime de corporações de ofício, de gosto, de categorias: cada um defende o seu, perdendo-se de vista o conjunto.
A democracia é um regime em que os diferentes buscam o exercício da igualdade, não um regime em que representantes de seus iguais lutam para garantir privilégios às diferenças. Essa é só a cara de um novo e disfarçado, mas muito influente, fascismo de esquerda.Por Reinaldo Azevedo
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