Todo cuidado é pouco, mas todo rigor é necessário. Que um monte de gente fez o que não deveria ter feito e deixou de fazer o que deveria ter feito no caso da boate Kiss, em Santa Maria, isso já está mais do que evidente. Não é todo dia que um acidente mata 231 pessoas. É preciso que várias manifestações de estupidez se combinem. No mínimo, pois, há ações e omissões culposas, aquelas que não têm a intenção de provocar danos. Mas pode haver mais do que isso.
O Ministério Público começou a colher dados que podem não depor a favor dos donos da boate e da banda “Gurizada Fandangueira”. Já se havia tratado aqui da hipótese de que a cena da tragédia havia sido adulterada. Agora se tem mais do que a hipótese: há a certeza da adulteração. Com que propósito? Eis algo a ser investigado.
A depender de para onde caminhe a coisa, as omissões e ações culposas começam a penetrar no terreno do dolo. Leiam o que informa Pâmela Oliveira, na VEJA.com:
Os peritos que foram à boate Kiss horas depois do incêndio que matou 231 pessoas, no domingo, voltaram sem os principais elementos capazes de detalhar a mecânica da tragédia em Santa Maria. A casa noturna tinha câmeras em quase todos os ambientes, mas nenhum dos equipamentos foi encontrado – apesar de os fios, muitos deles intactos, estarem no local. Os computadores que registravam a contabilidade, consumo de frequentadores e o total de pagantes também sumiram. Segundo a promotora Waleska Agostini, a suspeita é de essas provas tenham sido removidas no intervalo entre a morte dos jovens e o início do trabalho de perícia. “Havia a fiação, mas as câmeras e as imagens sumiram”, disse Waleska.
Apesar dos fortes indícios de que as câmeras foram intencionalmente removidas, Waleska, que é uma das responsáveis pela investigação da tragédia, diz não ter como afirmar categoricamente que isso ocorreu, nem atribuir culpa aos donos da boate. Em relação aos computadores, no entanto, a promotora foi taxativa. “Os computadores da boate Kiss foram retirados antes da chegada da polícia. Os dois empresários presos e os músicos são suspeitos de adulteração de provas”, disse. Segundo ela, as prisões foram pedidas pois havia a necessidade de afastar a chance de novas interferências na investigação.
Há ainda um terceiro conjunto de provas que, estranhamente, não foi encontrado: as caixas e vestígios do espetáculo pirotécnico da banda Gurizada Fandangueira. Um dos presos é o cantor da banda, Marcelo de Jesus dos Santos. Outro integrante da banda também foi preso, o auxiliar Luciano Bonilha, que transporta instrumentos e ajuda nos efeitos especiais durante as apresentações. Os dois estão entre os suspeitos de acionamento dos fogos que iniciaram a queima do material de isolamento acústico. Waleska Agostini disse ao site de VEJA que não foram localizados itens como caixas, peças ou componentes usados no show de fogos de artifícios relatado pelas testemunhas do incêndio.
A Polícia Civil do Rio Grande do Sul obteve na Justiça mandados de busca e apreensão para uma série de endereços dos envolvidos na tragédia. O objetivo é tentar localizar equipamentos, como as câmeras e computadores, e outros indícios que ajudem a esclarecer o total de pessoas na casa, as condições dos equipamentos, os tipos de fogos empregados no show e, ainda, as imagens sobre o comportamento dos funcionários da casa no momento da tentativa de fuga das vítimas.
“Essas imagens e os registros dos computadores podem conter, por exemplo, as informações sobre excesso de público, dados sobre o momento exato do início da tragédia, a demora para liberar a saída e o funcionamento dos equipamentos de segurança”, disse Waleska.
Presos
Até o momento, há quatro presos. O empresário Mauro Hoffmann, um dos sócios da boate Kiss, de Santa Maria, se entregou à polícia às 14h15 desta segunda-feira. Com a prisão temporária decretada, ele era considerado foragido e chegou acompanhado de um advogado. Mais cedo, foram detidos outro proprietário do estabelecimento, Elissandro Spohr, e os dois músicos da banda. Todas as prisões temporárias por cinco dias podem ser prorrogadas.
Por Reinaldo Azevedo
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