Um dos temas sociais mais abordados na Bíblia é o cuidado que se deve ter com os órfãos e as viúvas. A razão para isso é que, nos tempos bíblicos, quando uma mulher se tornava viúva, sua condição sócio-econômica caía dramaticamente em razão das limitadas alternativas que a mulher tinha no contexto social de sua época. Por isso, as viúvas daqueles dias eram, em sua maioria, muito pobres. Em compensação, a lei judaica, estabelecida por Deus, trazia normas que objetivavam proteger as viúvas, bem como os órfãos e estrangeiros (Êx 22.20; Dt 14.28; 24.1; 26.12-13; 27.19). Isso demonstra o apreço divino aos menos favorecidos.
No Novo Testamento, as principais passagens que tratam do cuidado com as viúvas são 1 Timóteo 5.3-16, Atos 6.1-7 e Tiago 1.27, e encontramos também Jesus se compadecendo de uma viúva de Naim e ressuscitando o seu filho (Lc 7.11-17).
Alguns dos viúvos e viúvas da Bíblia são Abraão (Gn 23.1,2), Ló (Gn 19.26), Judá (Gn 38.12), Tamar (Gn 38.11), Rute e Noemi (Rt 1-4), Orfa (Rt 1.4,5), Abigail (1 Sm 25.38), a viúva de Sarepta (lRs 17.9), a viúva do azeite (2 Rs 4.1-7), a viúva de Naim (Lc 7.12), a viúva pobre (Lc 21.2) e a profetisa Ana (Lc 2.36,37).
Neste capítulo, à luz das Sagradas Escrituras, trataremos do importante assunto da viuvez, destacando dois aspectos: primeiro, como a Igreja deve tratar e ajudar quem está nessa situação, e segundo, como o viúvo deve lidar com isso.
A Viuvez no Antigo Testamento
No Antigo Testamento, a questão da viuvez já era tratada com muita atenção. Inclusive, Deus advertira fortemente ao povo de Israel para que tratassem bem os órfãos e as viúvas, caso contrario, Ele castigaria contundentemente aqueles que os oprimissem (Êx 22.22-24; SI 68.5; Ml 3.5).
Um detalhe interessante a ser notado é que as passagens tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, que tratam da questão da viuvez, não falam do cuidado com os viúvos, mas, sim, em relação às viúvas, uma vez que, no modelo da organização familiar daqueles tempos, a morte da esposa não mudava a posição social e econômica do marido, mas o contrário, sim. Lembremo-nos que, nos tempos antigos, ou seja, no período bíblico e também durante muitos séculos depois, não havia pensão alimentícia nem seguro social, e as mulheres também não tinham tantas alternativas de emprego como em nossos dias. Já para o homem, que normalmente sustentava a família sozinho, havia muitas opções, além de ser privilegiado na questão das heranças. Por esse motivo as viúvas passavam geralmente grandes necessidades.
No período bíblico, perder o marido significava para a mulher perder de forma dramática a sua posição social e econômica, e, conforme lembram-nos os teólogos Merril F. Unger e William White Jr, "a gravidade da situação era aumentada se ela não tivesse filhos" (Dicionário Vine, p. 332). No caso de não ter gerado filhos, a viúva voltava para a casa dos pais (Gn 28.11) e ficava sujeita à lei do levirato, que já era praticada antes de Moisés, mas foi estabelecida como lei, de fato, somente com ele (Dt 25.5,6).
O levirato consistia na obrigação de um parente próximo do falecido desposar a viúva para lhe dar um filho, assim como aconteceu com Rute (Rt 4). Por meio de medidas como essa, Deus demonstra a sua preocupação para com pessoas socialmente em desvantagem, como as viúvas e os órfãos, a fim de que sejam tratadas com justiça e socorridas em suas necessidades.
Orientações Bíblicas sobre como a Igreja Deve Tratar as Viúvas
Em toda a Bíblia, vemos passagens que trazem mensagens claras tanto sobre a forma como Deus quer que o estado de viuvez seja encarado por aqueles que o vivem quanto sobre a maneira como seus filhos devem tratar as pessoas que vivem nesse estado. A seguir, vejamos o que as Escrituras declaram acerca do cuidado da Igreja em relação às viúvas.
Em primeiro lugar, as Sagradas Escrituras afirmam que as viúvas devem ser respeitadas e, quando não amparadas por seus familiares, cuidadas pelos irmãos em Cristo.
A Bíblia nos conclama a "tratar da causa da viúva" (Is 1.17) e a "honrar as viúvas" (1 Tm 5.3). Aliás, quando o diaconato foi instituído na Igreja Primitiva, o objetivo principal foi resolver a questão das viúvas, que "eram desprezadas no ministério cotidiano" (At 6.1). Jesus condenou de forma contundente o desrespeito dos escribas e fariseus em relação às viúvas, já que eles usavam seu status na hierarquia religiosa judaica de seu tempo para explorá-las financeiramente, aproveitando-se da fragilidade e da ingenuidade de muitas viúvas (Mt 23.14; Mc 12.40; Lc 20.47).
Em segundo lugar, as pessoas que se encontram vivendo sozinhas não devem ser relegadas, isoladas e abandonadas pelos seus irmãos, mas integradas na comunhão dos santos e socorridas em suas necessidades. Ao definir a verdadeira religião como envolvendo também a questão social, isto é, as boas obras, o apóstolo Tiago menciona como exemplo o assistir às viúvas em suas tribulações (Tg 1.27), o que subtende não apenas ação social, mas também comunhão.
Em terceiro lugar; a Bíblia nos ensina a ajudar financeiramente as viúvas, mas apenas as realmente desamparadas e que se enquadrem em alguns critérios específicos, elencados pelo apóstolo Paulo em 1 Timóteo 5. Os critérios usados pela Igreja para ajudar as viúvas são:
1) Só podem ser sustentadas as viúvas que são "verdadeiramente viúvas" (5.3) —, isto é, que não têm ninguém pai a cuidar delas. Uma observação: o vocábulo grego traduzido por "honrar" nesse versículo é "timaõ", que significa muito mais do que mero respeito. Quer dizer também ajuda financeira, um honorário. O termo aparece no versículo 17 do mesmo capítulo, mas aplicado aos presbíteros, sobre os quais é dito que "devem ser considerados merecedores de dobrados honorários", ou seja, de um valor pecuniário correspondente ao dobro do valor que se dava para sustento de uma viúva, mas isso apenas para o obreiro de tempo integral, já que o apóstolo Paulo diz que tal bênção é apenas para os presbíteros que "presidem bem" e, "com especialidade", para os que "se afadigam na palavra e no ensino" — as ideias de "presidir" e se "afadigar na palavra e no ensino" subtendem serviço dedicado ou de tempo integral.
Paulo afirma que se a viúva tiver filhos e netos, são eles que devem sustentá-las, e não a Igreja (5.4). Ele ainda assevera que "se algum crente tem viúvas, socorra-as", para que "não fique sobrecarregada a igreja, para que esta possa socorrer as que são verdadeiramente viúvas" (5.16), as que não têm realmente amparo (5.5a). "Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos de sua própria casa, tem negado a fé e é pior do que o descrente" (5.8).
2) A viúva que é amparada pela Igreja não pode ser relaxada, preguiçosa, fofoqueira, tagarela (5.13), desinteressada pela obra do Senhor e amante do mundo, mas deve ser uma mulher que "espera em Deus e persevera nas súplicas e orações, noite e dia" (5.5b). Ou seja, deve ser uma mulher de oração, piedosa, enfim, uma serva de Deus. A Igreja não pode usar as ofertas dos santos para sustentar uma viúva que só quer saber dos prazeres desta vida, que se dedica apenas a eles, e não em viver uma vida irrepreensível (5.6,7).
3) Deveriam ser amparadas somente as viúvas que tivessem mais de 60 anos de idade e que tivessem casado uma só vez (5.9). A Igreja não poderia sustentar viúvas jovens que estavam mais preocupadas em conquistar um novo marido do que em se dedicar ao serviço a Deus (5.11). O vocábulo traduzido no versículo 11 como "levianas" significa, no original grego, "cheias de orgulho e luxúria".
Que fique claro que quando Paulo fala das viúvas novas que, "quando se tornam levianas contra Cristo, querem casar-se", não está condenando o desejo de as viúvas de casarem de novo, o que se chocaria frontalmente com o seu ensino em 1 Coríntios 7 em que o apóstolo afirma claramente que as pessoas solteiras e viúvas, "caso não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado" (1 Co 7.8,9). Na verdade, em 1 Timóteo 5 ele está referindo-se ao fato de que jovens viúvas não poderiam ser sustentadas pela Igreja porque muito provavelmente não se dedicariam exclusivamente ao serviço de Cristo, já que estariam, naturalmente, mais preocupadas em atrair um novo marido.
Quem é sustentado pela Igreja deve se dedicar totalmente à vida espiritual e ao serviço de Cristo, não se dividir com outras coisas. Portanto, a viúva não pode ser sustentada pela Igreja se não se dedicar exclusivamente ao serviço cristão. Ademais, ainda há outro aspecto: Paulo deixa claro que não convém a uma viúva jovem se acomodar à sua viuvez, como se não pudesse mais se encaminhar na vida, tendo que ser agora e para sempre sustentada pela igreja. Ela deve tentar seguir a sua vida: "Quero, portanto, que as viúvas mais novas se casem, criem filhos, sejam boas donas de casa e não deem ao adversário ocasião favorável de maledicência" (5.14).
Aqui, também, está em evidência um conceito muito prático no que diz respeito à organização financeira de uma igreja: como os recursos financeiros das igrejas sempre foram limitados, a única forma de elas, em seu propósito de ajudar os necessitados, não se desequilibrarem financeiramente é estimular os seus membros a procurarem ser o quanto possível independentes financeiramente e, ao mesmo tempo, generosos em ofertar (1 Co 16.2). A Bíblia sempre estimulou a livre iniciativa, a autonomia e o trabalho, e condenou a preguiça, a ociosidade, a acomodação, o querer "se encostar nos outros" em vez de procurar manter a si mesmo. Paulo fala claramente sobre isso em 2 Tessalonicenses 3.10: "Se alguém não quiser trabalhar, não coma também". Aplicando esse princípio ao caso específico das viúvas jovens, vemos o estímulo bíblico para que elas não se acomodem à sua atual situação, mas busquem novamente a sua autonomia como esposas e mães, formando outra vez uma família, inclusive porque, se cedessem à tentação de se entregar à ociosidade, isso as tornaria, como alerta Paulo, também alvo de "maledicências".
4) A viúva que deve ser sustentada pela Igreja é aquela que "seja recomendada pelo testemunho de boas obras, tenha criado filhos, exercitado a hospitalidade, lavado os pés dos santos [referência a uma prática de hospitalidade da época de Paulo], socorrido os atribulados, se viveu na prática zelosa de toda boa obra" (5.10).
Em síntese, a viúva que deve ser sustentada pela Igreja é aquela realmente desamparada, com mais de 60 anos, que é espiritual, dedicada ao serviço cristão e exemplar no seu testemunho como serva de Deus.
Como o Estado de Viuvez Deve Ser Encarado pelo Cristão
A Palavra de Deus é igualmente clara quanto à forma como o cristão que enfrenta o estado de viuvez deve encarar essa situação. Algumas orientações práticas são:
1) A viuvez não deve ser encarada como um fim. Quem está no estado de viuvez e ainda é jovem, e não puder se dedicar exclusivamente à obra do Senhor como recomendava Paulo (1 Co 7.32-40), diz a Palavra de Deus que deve procurar se casar novamente (1 Tm 5.14) em vez de viver sozinho(a), ocioso(a) ou, pior ainda, voltado(a) aos prazeres deste mundo (1 Tm 5.6,13).
2) Caso o cristão em estado de viuvez já seja idoso e, eventualmente, por essa razão, não pense mais em se casar — o que é comum acontecer entre as mulheres, (pesquisas mostram que 75% das mulheres idosas no mundo são viúvas) — que, pelo menos, não se entregue à inércia ou à melancolia, mas se dedique às coisas de Deus, onde encontrará consolo e graça e poderá também, e, sobretudo, ser um instrumento de Deus para abençoar a vida de muitos.
Na Bíblia, há grandes exemplos de viúvos e viúvas que aproveitaram sua condição para se dedicarem ao Senhor, tornando-se bênçãos em sua geração. A seguir, vejamos alguns deles, bem como as suas qualidades que devem ser encarnadas na vida de todos os servos de Deus que vivenciam o estado de viuvez.
Viúvos e Viúvas que Foram Exemplo na Bíblia
1) O patriarca Abraão: O "pai da fé" não teve uma viuvez melancólica e ociosa. Após chorar a morte de sua amada Sara, que era dez anos mais nova que ele, o patriarca Abraão ainda viveu mais 38 anos (Gn 23.1; 25.7) e, ao que tudo indica, bem ativo. Ele encaminhou o casamento de seu filho Isaque (Gn 24), casou de novo — sua segunda esposa chamava-se Quetura — e teve com sua segunda mulher seis filhos (Gn 25.1,2). Ao citar o exemplo de Abraão, não estamos dizendo que todos os que ficam viúvos devem necessariamente se casar de novo, mas apenas ressaltando que Abraão, mesmo idoso, não agiu como se sua vida tivesse acabado depois da morte de sua esposa. A questão não é casar de novo, mas, sim, a necessidade de, após viver o luto, levantar a cabeça e seguir adiante, porque ainda temos muita vida para viver aqui antes de partirmos para a eternidade. A não ser que Deus queira abreviar a estada do seu filho ou filha na terra.
2) O apóstolo Paulo: Sabemos que, durante o seu ministério, Paulo não era casado, pois ele mesmo o afirma, quando aconselha aos solteiros e viúvas que seria melhor que ficassem como ele, isto é, sem se casar (1 Co 7.8). Porém, tudo indica que o apóstolo dos gentios fora casado antes, não apenas porque os judeus da época de Paulo casavam muito jovens, sendo raro chegarem à fase adulta sem estarem já casados, mas também porque Paulo fora fariseu (At 23.6), e os fariseus eram seguidores estritos da Torá, que afirma que "não é bom que o homem esteja só", que "deixará o varão o seu pai e a sua mãe a apegar-se-á à sua mulher" e que tem como o primeiro mandamento divino ao homem este: "Frutificai, e multiplica-vos, e enchei a terra" (Gn 1.28; 2.18,24). O casamento era uma norma para os fariseus, que casavam cedo, e Paulo, fariseu, filho de fariseus e criado aos pés de Gamaliel, disse que, quando era fariseu, "excedia em judaísmo" a todos de sua idade e fora extremamente zeloso nas tradições de seus pais (Gl 1.14; At 22.3). Ademais, Clemente de Alexandria (155-215 d.C.) afirmou que Paulo fora casado.
Há ainda a possibilidade de Paulo ter sido membro do Sinédrio (provavelmente de uma instância menor dentro dessa instituição), pois só poderia votar no Sinédrio, como Paulo o fez (At 26.10), quem fosse membro dele, e só poderia ser membro do Sinédrio quem fosse casado. Porém, o fato de ter sido fariseu já se sobrepõe à certeza ou não de ele ter sido membro do Sinédrio. Logo, podemos afirmar que o apóstolo dos gentios foi casado em sua juventude.
Então, por que Paulo afirma em 1 Coríntios 7.8; 9.5 que não tinha esposa?
A conclusão óbvia é que, de alguma forma, ficara viúvo, não querendo casar-se de novo por duas razões: primeiro, os perigos do ministério que exercia que o impedia de constituir família ("... por causa da instante necessidade...", 1 Co 7.26); e em segundo lugar, para se dedicar inteiramente à obra do Senhor (1 Co 7.32,33). Além disso, o termo grego "agamos", que aparece na passagem de 1 Coríntios 7 para expressar o estado de não ser casado, aplica-se tanto para pessoas que nunca foram casadas como para os viúvos.
Portanto, tendo sido Paulo viúvo, como tudo indica, ele é um exemplo extraordinário de viúvo que dedicou a sua vida à causa do Senhor.
3) A viúva de Sarepta: Era uma viúva trabalhadora e hospitaleira (1 Rs 17.8-24).
4) Noemi e Rute: Eram mulheres trabalhadoras e de fé (Rt 1-4).
5) Ana, a profetisa: Ela nunca "se afastava do templo, servindo a Deus em jejuns e orações, de noite e de dia" (Lc 2.26-38).
6) Maria, a mãe de Jesus: Ela era um exemplo de fé, submissão a Deus e vida de oração, sendo também, pelo que se pode depreender do relato de Lucas, muito querida entre os crentes da Igreja Primitiva (At 1.14).
Que o exemplo desses grandes homens e mulheres inspire a vida de todos quantos se encontram no estado de viuvez a vivenciarem essa fase de suas vidas com a beleza e a graça com as quais Deus deseja que vivam.
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