Tornou-se comum evangélicos acusarem de falta de amor outros evangélicos que tomam posicionamentos firmes em questões éticas, doutrinárias e práticas. A discussão, o confronto e a exposição das posições de outros são consideradas como falta de amor.
Essa acusação reflete o sentimento pluralista e relativista que permeia a mentalidade evangélica de hoje e que considera todo confronto teológico como ofensivo. Nossa época perdeu a virilidade teológica. Vivemos dias de frouxidão, onde proliferam os que tremem em frêmito diante de uma peleja teológica de maior monta, e saem gritando histéricos, "linchamento, linchamento"!
Pergunto-me se a Reforma protestante teria acontecido se Lutero e os demais companheiros pensassem dessa forma.
É possível que no calor de uma argumentação, durante um debate, saiam palavras ou frases que poderiam ter sido ditas ou escritas de uma outra forma. Aprendi com meu mentor espiritual, Pr. Francisco Leonardo Schalkwijk, que a sabedoria reside em conhecer “o tempo e o modo” de dizer as coisas (Eclesiastes 8.5). Todos nós já experimentamos a frustração de descobrir que nem sempre conseguimos dizer as coisas da melhor maneira.
Todavia, não posso aceitar que seja falta de amor confrontar irmãos que entendemos não estarem andando na verdade, assim como Paulo confrontou Pedro, quando este deixou de andar de acordo com a verdade do Evangelho (Gálatas 2:11). Muitos vão dizer que essa atitude é arrogante e que ninguém é dono da verdade. Outros, contudo, entenderão que faz parte do chamamento bíblico examinar todas as coisas, reter o que é bom e rejeitar o que for falso, errado e injusto.
Considerar como falta de amor o discordar dos erros de alguém é desconhecer a natureza do amor bíblico. Amor e verdade andam juntos. Oséias reclamou que não havia nem amor nem verdade nos habitantes da terra em sua época (Oséias 4.1). Paulo pediu que os efésios seguissem a verdade em amor (Efésios 4.15) e aos tessalonicenses denunciou os que não recebiam o amor da verdade para serem salvos (2Tessalonicenses 2.10). Pedro afirma que a obediência à verdade purifica a alma e leva ao amor não fingido (1Pedro 1.22). João deseja que a verdade e o amor do Pai estejam com seus leitores (2João 3). Querer que a verdade predomine e lutar por isso não pode ser confundido com falta de amor para com os que ensinam o erro.
Apelar para o amor sempre encontra eco no coração dos evangélicos, mas falar de amor não é garantia de espiritualidade e de verdade. Tem quem se gabe de amar e que não leva uma vida reta diante de Deus. O profeta Ezequiel enfrentou um grupo desses. “... com a boca, professam muito amor, mas o coração só ambiciona lucro” (Ezequiel 33.31). O que ocorre é que às vezes a ênfase ao amor é simplesmente uma capa para acobertar uma conduta imoral ou irregular diante de Deus. Paulo criticou isso nos crentes de Corinto, que se gabavam de ser uma igreja espiritual, amorosa, ao mesmo tempo em que toleravam imoralidades em seu meio. “... contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? Não é boa a vossa jactância...” (1Co 5.2,6). Tratava-se de um jovem “incluído” que dormia com sua madrasta. O discurso das igrejas que hoje toleram todo tipo de conduta irregular em seus membros é exatamente esse, de que são igrejas amorosas, que não condenam nem excluem ninguém.
Ninguém na Bíblia falou mais de amor do que o apóstolo João, conhecido por esse motivo como o “apóstolo do amor” (a figura ao lado é uma representação antiquíssima de João) Ele disse que amava os crentes “na verdade” (2João 1; 3João 1), isto é, porque eles andavam na verdade. "Verdade" nas cartas de João tem um componente teológico e doutrinário. É o Evangelho em sua plenitude. João ama seus leitores porque eles, junto com o apóstolo, conhecem a verdade e andam nela. A verdade é a base do verdadeiro amor cristão. Nós amamos os irmãos porque professamos a mesma verdade sobre Deus e Cristo. Todavia, eis o que o apóstolo do amor proferiu contra mestres e líderes evangélicos que haviam se desviado do caminho da verdade:
- “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (1Jo 2.19).
- “Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho” (1Jo 2.22).
- “Aquele que pratica o pecado procede do diabo” (1Jo 3.8).
- “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo” (1Jo 3.10).
- “todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo” (1Jo 4.3).
- “... muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo... Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus... Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más” (2Jo 7-1).
Poderíamos acusar João de falta de amor pela firmeza com que ele resiste ao erro teológico?
O amor que é cobrado pelos evangélicos sentimentalistas acaba se tornando a postura de quem não tem convicções. O amor bíblico disciplina, corrige, repreende, diz a verdade. E quando se vê diante do erro seguido de arrependimento e da contrição, perdoa, esquece, tolera, suporta. O Senhor Jesus, ao perdoar a mulher adúltera, acrescentou “vai e não peques mais”. O amor perdoa, mas cobra retidão. O Senhor pediu ao Pai que perdoasse seus algozes, que não sabiam o que faziam; todavia, durante a semana que antecedeu seu martírio não deixou de censurá-los, chamando-os de hipócritas, raça de víboras e filhos do inferno. Essa separação entre amor e verdade feita por alguns evangélicos torna o amor num mero sentimentalismo vazio.
O amor, segundo Paulo, “é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Coríntios 13.4-7). Percebe-se que Paulo não está falando de um sentimento geral de inclusão e tolerância, mas de uma atitude decisiva em favor da verdade, do bem e da retidão. Não é de admirar que o autor desse "hino ao amor" pronunciou um anátema aos que pregam outro Evangelho (Gálatas 1). Destaco da descrição de Paulo a frase “O amor regozija-se com a verdade” (1Coríntios 13.6b). A idéia de “aprovar” está presente na frase. O amor aprova alegremente a verdade. Ele se regozija quando a verdade de Deus triunfa, quando Cristo está sendo glorificado e a igreja edificada.
Portanto, o amor cobrado pelos que se ofendem com a defesa da fé, a exposição do erro e o confronto da inverdade não é o amor bíblico. Falta de amor para com as pessoas seria deixar que elas continuassem a ser enganadas sem ao menos tentar mostrar o outro lado da questão.
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