Saiba Mais de Nelson Ned

Nelson Ned, vendeu milhões de discos no Brasil e no exterior.  Minas está na base da formação musical de Nelson Ned. Além da cidade natal, Ubá, na Zona da Mata, cantor morou em Belo Horizonte, onde começou sua carreira artística

Sob o olhar das irmãs Neyde e Neuma, Nelson Ned,
com problemas decorrentes de um AVC, mantém
o otimismo e lembra momentos vividos em Min
São Paulo e Ubá – No imaginário de Nelson Ned, de 66 anos, ele ainda faz shows e grava discos, mesmo estando longe dos palcos e dos estúdios há pelo menos seis anos. Mas, apesar de afastado do meio musical e da mídia, o cantor e compositor mineiro não deixa de estar presente na memória dos admiradores brasileiros e estrangeiros.

Com problemas de locomoção e de cognição, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido em 2003, além de diabético, “o pequeno gigante da canção”, apelido que ganhou do falecido ator Paulo Gracindo, e que dá nome à sua biografia, vive hoje numa residência assistida em São Paulo, uma espécie de clínica voltada para pessoas que necessitam de cuidados especiais. No entanto, nem por isso deixa de receber o carinho dos amigos e, sobretudo, da família. O Estado de Minas acompanhou um de seus raros passeios na capital paulista, na semana passada, quando foi almoçar com as irmãs Neuma, de 58 anos, e Neyde, de 53, e com as filhas e os sobrinhos. No cardápio, comida bem caseira e mineira, segundo o cantor: arroz, feijão, carne moída, jiló e quiabo. “A coisa de que mais sinto falta de Minas é a comida. Amo o Brasil, amo Minas Gerais e amo Ubá (Zona da Mata, onde nasceu)”, diz.

Mesmo com dificuldade para se comunicar e com alguns lapsos de memória, Nelson Ned não se esqueceu do homem que é e da importância que tem na cultura nacional. Fala com orgulho das apresentações numa das casas de espetáculo de maior destaque do mundo, o Carnegie Hall, em Nova York, que chegou a lotar por três vezes na década de 1970. Aliás, nos Estados Unidos, ele foi o primeiro artista latino-americano a bater a casa de 1 milhão de discos. Não foi apenas o público norte-americano que se rendeu ao sucesso do ubaense. México, Colômbia, Argentina, Espanha, Portugal, Angola e Moçambique, entre outros países, se encantaram com o talento do brasileiro. “Conheço o mundo inteiro. Viajei muito. Mas gosto mesmo é de Miami (EUA). Foi lá que minha carreira internacional começou. Mas para mim já está bom. Está na hora de sombra e água fresca”, destaca o artista, que tem 32 discos gravados.

Durante a entrevista, realizada na casa de Neuma, a irmã que é sua curadora (pessoa que tem a incumbência de tratar dos bens ou negócios daqueles que estão incapacitados de fazê-lo), o autor de 'Tudo passará' —seu maior sucesso, que chegou a ter 40 regravações em vários idiomas – reviveu um passado glorioso. Sobre a mesa da sala, muitas fotografias de momentos importantes da vida e da carreira arrancaram gargalhadas, mas, principalmente, lágrimas. Nelson se emocionou por diversas vezes, sobretudo quando reviu a imagem dos pais e dos familiares em Ubá e recordou sua trajetória de superação. “Você foi um homem feliz, não foi?” Ele não titubeia: “Fui não. Sou um homem feliz. Já nasci feliz”, assegura Nelsinho, como é carinhosamente chamado pelos parentes.

A emoção é grande e o cantor arrisca soltar a voz em 'Sentimental demais', composição de um dos seus ídolos, Altemar Dutra, que resume exatamente o estado de espírito atual do artista. (“Sentimental eu sou/ Eu sou demais”). “Eu me emociono muito. Por sinal, você parece com o Altemar (afirma referindo-se ao fotógrafo) e a repórter é a cara da Martinha da Jovem Guarda”, diverte-se.

Em seguida, Nelson Ned começa a falar de amigos como Agnaldo Timóteo (“é mineiro como eu e é brabo pra caramba. Igual um tigre”), Chacrinha (“foi um pai para mim. Ele brincava que Nelson Ned era o homem que não fede nem cheira”), Eduardo Araújo (“convivi muito com ele em Belo Horizonte”) e cita quem mais admirava: Tony Bennett e Frank Sinatra. “Conheci os dois. São os maiores cantores do planeta e foram meus amigos também.”

União 

A irmã Neuma lembra que entre os artistas o mais presente é Agnaldo Timóteo, mas é com a família que Nelson Ned conta nos momentos de aperto. “Ele não pensou no futuro. Não foi previdente e, como não consegue mais gravar e fazer shows, vive da arrecadação dos direitos autorais. E a tendência é, infelizmente, isso diminuir, porque não se ouvem mais suas músicas nas rádios e na TV”, lamenta. Mas nem por isso o cantor passa por privações. Na clínica para onde se mudou há pouco mais de 20 dias, garante que é muito bem tratado e até sente falta da cama quando se ausenta. “Como o AVC atingiu a parte motora, Nelsinho depende dos outros para fazer tudo. Ele não anda mais (o cantor está numa cadeira de rodas) e perdeu a visão em um dos olhos. Falo com ele todos os dias e o encontro, seja lá ou aqui em casa, todos os fins de semana. Irmão é assim. Tem que estar presente nas horas fáceis e, principalmente, nas difíceis”, ressalta Neuma.

Realmente o carinho e a união da família são visíveis. Os sete filhos de seu Nelson e dona Ned, sendo que o nome de todos começa com a sílaba ne (Nelson, Ned Helena, Nélia, Nedson, Neuma, Neyde e Nelci), sempre foram muito unidos. E, mesmo morando em cidades diferentes, um não deixa de se preocupar com o outro. “É uma coisa que nosso pai e nossa mãe nos passaram. Além do mais, Nelsinho é um irmão que sempre nos ajudou. Desde jovem, quando foi trabalhar na fábrica de chocolates para aumentar a renda da família. E depois que ficou famoso continuou nos ajudando. Agora é a nossa vez de retribuir”, ressalta Neyde, que vive no Rio.

Os filhos e as ex-esposas também costumam telefonar para Nelson Ned na clínica, onde a rotina inclui fisioterapia, fonoaudiologia, banhos de sol, além das atividades de lazer, como assistir a TV (adora Sílvio Santos, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta) e ler a Bíblia. O cantor é evangélico há 20 anos e não deixa de salientar que a conversão mudou sua vida. “Quando virei evangélico, era muito depravado, bebia muito, usava muita droga e tinha muitas mulheres. E aí Deus falou comigo de madrugada. Porque Deus fala com a gente é de madrugada: ‘Ou você muda ou vou tirar você daqui’. Então resolvi mudar. Por isso, sempre quando acordo, oro a Deus para me dar um dia maravilhoso. Não costumo fazer planos a longo prazo. Deus é que sabe tudo”, filosofa.

As irmãs ressaltam o lado otimista do cantor e compositor. Mesmo enfrentando obstáculos desde que nasceu, nunca perdeu a fé e a esperança. “Nelsinho é um exemplo para todas as pessoas. Se alguém vem com frescura que não consegue isso ou aquilo, eu descarto. Isso não cola. A maioria das pessoas reclama por muito pouco. Têm que se mirar no nosso irmão. É você quem faz o seu futuro”, desabafa Neyde.

Nelson agradece a irmã, chora e declama sua mais recente obra, um poema chamado “Saudade”, que se inicia com o seguinte verso: “Hoje, nesta noite, a saudade me perguntou por você”.

E do que você tem saudade, Nelson? “Tenho saudades de mim mesmo…”

Palavra de especialista

Paulo César de Araújo
Jornalista e historiador

Favorito de García Márquez

“Quando escrevi Eu não sou cachorro não, Nelson Ned foi uma das melhores entrevistas do livro. Ele é muito astuto, tem tiradas ótimas, raciocínio rápido e visão crítica e lúcida com relação ao contexto da música. No Brasil, sempre fez muito sucesso entre as camadas mais populares, mas não há dúvidas de que seu reconhecimento e prestígio foram muito maiores no exterior. Só para se ter uma ideia, ele tinha entre seus fãs um ganhador do Nobel de Literatura, o colombiano Gabriel García Márquez, que declarou que escrevia seus livros ao som de Nelson Ned. O cantor chegou a lotar três vezes o Carnegie Hall, em Nova York, feito inédito para a época. No exterior, Nelson conquistava tanto o povão como as elites culturais, já que por aqui toda obra que não era identificada nem com a tradição nem com a modernidade era desprestigiada pelas elites. Além de ter um valor cultural imenso e ser um dos principais artistas da nossa música, Nelson Ned tem uma história de vida muito bonita e de superação. Infelizmente, não conseguiu administrar sua carreira, mas está no imaginário popular.”


Nem tudo passa

No fim da década de 1950, a mãe de Nelson Ned, dona Ned, havia passado no concurso da Coletoria Estadual de Minas Gerais e, para oferecer melhores condições aos filhos, sugeriu ao marido que a família se transferisse de Ubá, onde moravam, para a capital. Em Belo Horizonte, eles ficaram três anos, sempre morando de aluguel, nos fundos. Primeiramente na Rua Capivari, na Serra, e depois nas ruas Ceará e Gonçalves Dias, no Bairro Funcionários. A caçula da família, Nelci, nasceu em BH e foi na cidade também que Nelsinho arrumou seu primeiro emprego, para ajudar no sustento de casa. Com apenas 12 anos, ele começou a trabalhar como secretário do gerente da fábrica da Lacta, Mopyr de Souza Arruda, que o ajudou bastante, além de ser o pai da primeira paixão do futuro cantor, Eliciane, uma das inspirações para a famosa canção 'Tudo passará'.

A trajetória artística começava a deslanchar e Nelson passou a participar de programas da TV Itacolomi, como o 'Cirquinho do Bolão' e o 'Clube do Pererê', e a cantar nas rádios Guarani e Inconfidência. Questionado sobre suas lembranças de Belo Horizonte, o artista fica pensativo, mas logo diz: “Aldair Pinto, radialista da Inconfidência’’. Foi ele quem te lançou? E Nelson responde, categórico: “Não. Quem me lançou foi Deus”.

Os irmãos, que eram bem crianças – já que Nelsinho é o primogênito –, não têm muitas lembranças de BH, mas Nedson d’Ávila, de 63 anos, o único que vive em Minas, em Santa Luzia, se recorda dos passeios pelo Parque Municipal e no Centro da cidade. “Cheguei a morar em São Paulo, mas sempre quis voltar para cá. Acabei criando família aqui, mas não perco o contato com ninguém. Mesmo quando o Nelson estava no auge, ele sempre ligava para todos. Somos uma família muito unida, apesar de cada um estar num canto. As pessoas que convivem comigo sabem de quem sou irmão. Já me pediram até autógrafo”, brinca.

Outra imagem que está na memória de Nelson Ned em BH é um cachorro pastor-alemão com o qual passeava pelas ruas da capital, além de uma reportagem da revista O Cruzeiro, de 1963, a primeira de sua carreira. “O Chateaubriand que era o dono. Ele ainda é vivo? A gente tirou muita foto”, recorda. A matéria, assinada pelo repórter José Franco e pelo fotógrafo José Nicolau, fala da mudança para o Rio de Janeiro, onde foi tentar se firmar no meio artístico, e traz fotos de um Nelson com 16 anos, sorridente, na porta da Igreja São José.

Os Borges 

Quem guarda boas recordações de Nelson Ned na cidade é o músico Marilton Borges, que namorava uma prima do cantor. Certa vez, eles se encontraram e começaram a falar de música e descobriram afinidades. “Ele já cantava, mas não era profissional ainda. Tinha um vozeirão, era muito alegre, contava piadas. Foi aquela farra e no fim das contas, depois de bebermos o dia todo, eu o convidei para conhecer minha família”, lembra. Quando chegaram ao apartamento dos Borges, no Edifício Levy, já era tarde da noite e todos estavam dormindo. Marilton convidou Nelsinho para pernoitar por lá mesmo e, no dia seguinte, ele o apresentaria aos parentes. “Levei-o para o quarto dos homens, onde nós dormíamos em beliches. Ele dormiu na mesma cama que eu, mas ele para baixo e eu para cima. Quando amanheceu, meu pai entrou no quarto e levou um susto. Como o Nelson era muito pequeno (o artista mede 1,12m), ele falou: ‘Uai, o Marilton pariu alguma coisa essa noite. Tem um trem esquisito lá na cama dele’. Mas, assim que todos acordaram, Nelson Ned cativou toda a família. Foi uma alegria na casa”, recorda.

Anos depois, Marilton estava tocando na noite do Rio de Janeiro quando, por acaso, Nelson Ned, já bastante famoso, apareceu no local, todo aparatado de seguranças. Sentou a uma mesa e o irmão de Lô Borges não perdeu a oportunidade e mexeu com ele. “Cheguei e disse na lata: ‘oi, Nelsinho, você se lembra de mim? Sabia que já dormiu na minha cama?’. Ele retrucou e falou que não era veado para dormir com homem. Mas, quando me identifiquei, ele me reconheceu e se lembrou daquele dia memorável, além de ter dado uma canja no meu show. Nunca mais o vi pessoalmente, mas guardo essas lembranças com carinho”, diz.

O menino que imitava Getúlio

Nelson Ned d’Ávila Pinto –Nelsinho para os íntimos e Nelson Ned para o mundo – nasceu em 2 de março de 1947, num casarão na Rua Coronel Júlio Soares, em Ubá, na Zona da Mata. A casa abriga hoje uma clínica de estética e pertenceu à família da mãe, dona Ned, durante muitos anos. Milton de Abreu d’Ávila, de 90 anos, tio de Nelson, “viajante aposentado e flautista amador”, como se intitula, tem uma memória prodigiosa e se lembra exatamente do dia do nascimento do cantor. “A casa ficou cheia. Os vizinhos foram todos para lá. Ele nasceu no quarto em que eu dormia com meu irmão. Nelsinho foi uma criança muito esperada, porque era o primeiro filho da minha irmã, o primeiro neto e o primeiro sobrinho. Ele nasceu de parto normal, deu tudo certo, nasceu um menino saudável”, relata.

Mas, como a criança não se desenvolvia, levaram-na ao médico e foi diagnosticada uma alteração genética de nome complicado: displasia espôndilo-epifisária. Os demais irmãos nasceram sem esse distúrbio, porém os três filhos de Nelson (Nelson Júnior, Monalisa e Verônica) herdaram a baixa estatura. “Mas ele sempre enfrentou e superou todos os obstáculos e minha irmã dizia uma coisa importante, que ia criar o filho para o mundo e não um mundo para o filho”, pontua o tio. A família, principalmente a materna, é toda musical. Dona Ned, a mãe, tocava piano, violão, acordeom e ainda estudou canto lírico; e o pai, seu Nelson, também gostava de soltar a voz. “Aprendi tudo com meus pais. Em todos os sentidos”, comenta Nelson Ned.

O tio Milton lembra que já com 3 anos o menino gostava de imitar os bichos e até mesmo o presidente Getúlio Vargas. “A gente o colocava em cima da mesa e falava para ele cantar. Sempre teve aquele vozeirão e tenho um orgulho danado do Nelsinho. Não conheço ninguém que tenha ido a tantos países como ele e tenha feito tanto sucesso. Ele sempre foi muito inteligente e alegre”, recorda.

Com 4 anos, Nelson participou do programa 'A hora do guri', na Rádio Educadora Trabalhista de Ubá e ganhou o 1º lugar. O mesmo palco onde ele se apresentou ainda está lá, no prédio da emissora, que completa 60 anos em janeiro. O presidente da Sociedade Musical e Cultural 22 de Maio, João Carlos Teixeira Mendes, que organizou homenagem ao filho ilustre de Ubá em julho, narra episódio curioso daquela época. “O dono da rádio, Xavier Pereira, o Xaxá, disse: ‘Nelson, o microfone é todo seu’. Ele foi lá, cantou e na hora de ir embora, sabe como é criança, queria levar o microfone de todo jeito para casa”, brinca.

Chuva de rosas 

O tributo que mobilizou o município no meio do ano e contou com a presença de Nelson (que não ia à cidade havia 20 anos), da família e amigos teve direito a chuva de rosas, desfile em caminhão dos bombeiros e até a uma apresentação surpresa de seu Milton, que tocou na flauta doce para o sobrinho a canção 'Tudo passará'. “Não sei quem chorou mais. Se fui eu ou ele”, emociona-se o tio.

Na ocasião, também foi inaugurado um espaço na sede da Sociedade 22 de Maio, com parte do acervo de Nelson Ned – a casa onde ele vivia em São Paulo pegou fogo e restou pouca coisa –, como troféus, prêmios, diplomas, comendas, títulos de cidadão honorário, discos de ouro e de platina. “A ideia é fazer um complexo cultural, que já tem até projeto, voltado para várias personalidades ubaenses, como o próprio Nelson, Ary Barroso e o ator Mauro Mendonça. O que houve em julho foi apenas o começo. Ubá devia isso ao Nelson Ned. Ele ficou muito feliz, se sentiu extremamente valorizado. É um fenômeno de talento e carisma que merece ser reconhecido”, opina João Carlos.

Sem cachê

João Carlos da Rocha Moreira, de 59 anos, motorista que ficou encarregado de levar e buscar Nelson durante os quatro dias em que ele ficou em Ubá, também reparou no quanto o artista estava emocionado com a homenagem. Quando foi buscá-lo no aeroporto de Juiz de Fora, o cantor estava sério e pouco falava, mas, à medida que foi adquirindo confiança, passou a contar causos. “No fim da viagem, quando foi se despedir, ele me cobrou cachê. Achou que eu era o empresário dele. E entrei na onda e disse que ia mandar o dinheiro para ele em São Paulo.”

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