Lição 11 – O Julgamento e a Soberania Pertencem a Deus

O julgamento e a soberania pertencem a Deus - Alexandre Coelho - Neste capítulo, abordaremos duas questões principais: o perigo de se fazer julgamentos indevidos contra pessoas e a capacidade de reconhecer os atos de Deus em nossos planos. Ambas as questões fazem parte do nosso dia a dia. Quem nunca emitiu um juízo de valor sobre uma atitude ou sobre a vida de outra pessoa? E quem nunca fez planos pessoais sem se lembrar de Deus? É sobre isso que discorreremos aqui.

I. O PERIGO DE SE COLOCAR COMO JUIZ

Mais uma vez, Tiago aborda a questão da fala e o cuidado com aquilo que falamos. Sabemos que é possível falar com as pessoas exortando-as, aconselhando-as e ensinando-as a serem melhores e estarem mais próximas de Deus. Mas também é possível falar mal das pessoas e atrair para si um duro julgamento.

Tiago trata do perigo de nos colocarmos no lugar de Deus para exercer juízo contra uma pessoa. Mas de que forma pode um servo de Deus aparentemente assumir a posição de juiz? Quando abre a boca para falar mal de outras pessoas. O apóstolo não entra em detalhes. Basta a ele apenas dizer que não devemos falar mal uns dos outros, pois quem fala mal de seu irmão fala mal da lei, e por sua vez, quem fala da lei não é mais observador, e sim juiz.

Timothy B. Cargal comenta:

1) Ao condenar os outros, estamos principalmente condenando a própria lei. Talvez Tiago acreditasse que esse era o caso porque quando condenamos as pessoas estamos condenando aqueles que foram “feitos à imagem de Deus” (3.9), e assim, implicitamente, estamos condenando o próprio Deus (Cf. Rm 14.1-8, esp. w 4, 8).

2) Aqueles que julgam seus semelhantes estão se posicionando como juizes acima da lei, em vez de submeterem-se a ela (“se tu julgas a lei não és observador da lei, mas juiz”, Tg 4.11). (Comentário Pentecostal do Novo Testamento, CPAD)

Ao condenar os outros, estamos nós mesmos sendo julgados e condenados pelo próprio Deus.

Quem pode realmente criar a lei e aplicá-la? Tiago deixa claro que apenas Deus pode fazer essas funções. Apenas Ele tem integridade suficiente para não ser movido por paixões humanas. Podemos resumir o que Tiago fala da seguinte forma: Apenas Deus pode fazer e executar a lei, mas se eu falo mal do meu irmão estou me colocando no lugar de Deus (E Deus não fala mal de seus atos, pois são perfeitos!). Quem critica seu irmão e fala mal dele vai ter de acertar as contas com Deus, pois na prática está se colocando no lugar dEle. Dura é essa palavra, mas igualmente verdadeira. Quão duro será o julgamento daqueles que se colocam no lugar de Deus!

Tiago está dizendo que a congregação não pode exercer um julgamento objetivo para agir de forma disciplinar em alguns casos? Não, Tiago não está abordando esse fato. Ele, como pastor principal em Jerusalém, sabia que a igreja tem o dever de agir de forma sistemática e direta em alguns momentos. Ananias e Safira foram julgados duramente por Deus, por intermédio de Pedro, e Paulo ordenou a exclusão do crente coríntio que tinha relações sexuais com a mulher do próprio pai. Há situações em que a igreja precisa ser enfática na forma como administra os erros de seus membros, sob pena de se igualar ao mundo.

Claro que a disciplina sempre deve ter os objetivos de corrigir e reabilitar. Não podemos lançar no mundo uma pessoa que Jesus salvou, mas não podemos também compactuar com um pecado cometido, como se nada de errado houvesse ocorrido. Portanto, antes de exercer a disciplina no tocante a um pecado de um membro da congregação, a igreja deve se certificar de que ensinou àquela pessoa sobre aquele assunto, se ela entendeu, e posteriormente, se incorre no erro, deve passar pelo processo de disciplina para ser corrigida e reabilitada na congregação.

Aqui cabe uma observação. E importante que o novo crente tenha a consciência de que a igreja como instituição possui normas específicas de comportamento e convivência para seus membros. Essas normas têm por objetivo fazer com que a convivência entre os congregados possa ser mais amigável, em clima de respeito e confraternização, e também para que a liturgia do culto possa ter uma metodologia que favoreça o respeito pelo sagrado. Um culto em que cada pessoa faz o que quer acaba se tornando uma bagunça, e como Deus não é Deus de confusão, mas um Deus ordeiro e que preza pelo culto racional, o nosso culto deve seguir esse princípio. E as normas da igreja devem ser pautadas na Palavra de Deus e no bom senso, pois os costumes variam de povo para povo, conforme a época e o lugar, mas a Palavra de Deus é imutável.

E evidente que não é sobre esse tipo de julgamento que Tiago está falando, e sim sobre o ato de uma pessoa da congregação emitir de forma gratuita e indevida uma opinião sobre uma outra pessoa. E isso deve nos levar à reflexão: é correto falar mal de outra pessoa? Ou invertendo os poios, como eu agiria se soubesse que meu nome foi citado em uma conversa, sendo mal falado ou tendo minha imagem denegrida de forma indevida e injusta? Da mesma forma que eu gostaria de ser tratado, deve igualmente tratar. Se não desejo ver meu nome sendo citado de forma negativa, devo conter meus lábios para não incorrer no mesmo erro.

II. A BREVIDADE DA VIDA E O RECONHECIMENTO DA SOBERANIA DIVINA

A Carta de Tiago apresenta outro assunto muito corrente em nossos dias: o fazer planos para o futuro. Qual é a concepção de Tiago? Ele entende que podemos fazer planos, desde que dependamos de Deus para realizá-los.

O apóstolo compara a vida humana a um vapor ou fumaça, que se desvanece em pouco tempo. Por causa da brevidade da nossa vida, não somos impedidos de planejar o futuro, mas sim excluir Deus dos nossos planos.

Apresentando nossos planos a Deus

Tiago escreve: “...Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo”. Para alguns pregadores modernos, essas palavras de Tiago deveriam ser retiradas do texto. Não são poucos os púlpitos de nossas igrejas em que mensagens empolgantes orientam os crentes a colocarem Deus contra a parede, “obrigando” o Eterno a realizar sonhos e desejos de riquezas e poder. Esse tipo de atitude deturpa o verdadeiro evangelho. Disse certa vez Isael de Araújo, autor da célebre obra Dicionário do Movimento Pentecostal: “Deus não vai julgar o que o evangelho faz conosco, mas vai julgar o que fazemos com o evangelho”. Deus não é um escravo à disposição de satisfazer nossos desejos. Ele é o Senhor, e nós, seus servos. Não podemos tentar constranger Deus a realizar nossos desejos e ignorar a vontade divina para nossas vidas.

Tiago chama a atenção de seus leitores sobre a realidade do fato de que não podemos controlar a nossa própria vida. Pelo texto, Tiago parece descrever algumas atividades relacionadas à vida de membros da congregação. São atividades aparentemente não relacionadas à vida eclesiástica: viajar para determinada localidade, lá residir por um ano, fazer contratos, estabelecer negócios e ganhar dinheiro.

Deus preza pelo trabalho? Sim. Ele espera que com seu fruto possamos angariar recursos para nossa subsistência e daqueles que dependem de nós. Se ganhamos a vida de forma honesta, não temos nada a temer.

Deus condena planejamentos? Claro que não. Se olharmos para os dias da Criação, veremos que Deus planejou primeiro o ambiente em que o homem seria colocado, e depois de esse ambiente ser criado, Deus criou o homem. Ele proveu a terra de todos os recursos para a vida humana, e depois estabeleceu a humanidade. Ele não fez o caminho inverso. Por isso, tudo em nossa vida precisa de um direcionamento, um planejamento: onde quero chegar, por qual caminho vou chegar, quanto tempo levarei para chegar e quais recursos precisarei ter para essa finalidade.

Tiago, de forma direta, nos desafia a incluir Deus em nossos planos, e de forma indireta nos ensina que isso implica a busca pela vontade de Deus em nossas vidas. Se temos de fazer planos, devemos fazê-los de acordo com os projetos de Deus para nós.

A Bíblia não é um livro de curiosidades que diz com quem uma pessoa solteira vai se casar, se vai chover hoje ou amanhã, ou ainda, o tipo de profissão que devo seguir ou quantos filhos devo ter. Há muitas situações em que Deus nos permite usar nosso bom senso, analisar aquilo de que dispomos e seguir uma carreira de acordo com nossos talentos pessoais, e isso não é pecado. Mas não é certo deixar de apresentar a Deus nossos planos. Na prática, isso não significa que Deus não saiba o que queremos, pois Ele sabe o que vamos pedir antes mesmo de orarmos. Porém, nossos planos devem estar sujeitos a Deus, até mesmo quando Ele nos diz um necessário “não”.

Lembre-se também de que a minha obediência a Deus hoje pode garantir a orientação divina no futuro. Pensemos no caso do rei Saul. Ele foi escolhido por Deus, ungido, e até profetizou, mas com o passar do tempo se tornou um homem rebelde a Deus e à sua orientação, e Deus deixou de falar com ele. No final de sua vida, Saul foi procurar uma feiticeira para se consultar, porque Deus não mais falava com ele. Há uma lógica nesse fato? Sim. Se eu confio na orientação de Deus e a obedeço hoje, Deus certamente continuará a me orientar, pois sabe que eu não apenas ouço sua voz, mas a obedeço também. De nada adianta buscar a orientação divina se eu não tenho a menor intenção de obedecê-la.

Outro caso foi o do rei Josafá, diante de uma batalha, em 2 Crônicas 18. Acabe, o rei ímpio de Israel, procurou Josafá para que ambos se aliassem em uma batalha, e Josafá foi consultar ao Senhor. Deus o respondeu por intermédio do profeta Micaías, mas Josafá ignorou a Palavra do Senhor. Por ter ouvido a Palavra

de Deus e tê-la ignorado no tocante à aliança com Acabe, Josafá foi duramente repreendido pelo Senhor. Na prática, podemos escolher ouvir a Palavra de Deus e obedecê-la ou ignorá-la, mas os resultados sempre seguem as pessoas nos dois casos, òauí se tornou um rei rebelde e perdeu o reino, além de ter se tornado uma figura mal vista nas Escrituras. Josafá foi repreendido pelo Senhor, coisa que não ocorreria se tivesse obedecido a Deus.

Podemos evitar muitos problemas em nossas vidas quando decidimos buscar ao Senhor e obedecer-lhe a voz. Deus não é contra fazermos planos, mas orienta-nos a que os apresentemos a Ele. Provérbios 16 nos mostra a melhor forma de lidar com nossos planos pessoais para o futuro: “Do homem são as preparações do coração, mas do SENHOR, a resposta da boca. Todos os caminhos do homem são limpos aos seus olhos, mas o SENHOR pesa os espíritos. Confia ao SENHOR as tuas obras, e teus pensamentos serão estabelecidos” (Pv 16.1-3). Esses versos nos ensinam basicamente 3 verdades: a) o homem pode preparar seus planos, mas Deus é que dá a última palavra; b) nossos projetos podem estar certos aos nossos olhos, mas ao mesmo tempo serem reprovados por Deus; c) quando confiamos ao Senhor nossos planos, dependendo realmente da aprovação dEle, podemos ter a certeza de que se esses planos forem aprovados por Ele, eles serão realizados.

Deus não deseja estar distante de nossos projetos pessoais. Ele quer participar de cada esfera de nossa vida, mas quer que confiemos nEle mesmo que precisemos abrir mão de nossos planos em prol dos dEle. Façamos projetos e invistamos neles dentro de nossas possibilidades, mas nunca nos esqueçamos de que nossa vida é muito breve, que não temos controle sobre ela, e que Deus tem sempre planos melhores do que os nossos: “Porque eu bem sei os pensamentos que penso de vós, diz o SENHOR; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que esperais” (Jr 29.11).

E fácil render nossos planos ao Senhor? Claro que não, principalmente quando não confiamos plenamente nEle ou quando achamos que Ele vai frustrar os nossos planos. Mas à medida que andamos com Ele, vamos crescendo na comunhão e confiança naquilo que Ele quer para nós. Quando andamos com Deus e temos uma confiança contínua no que Ele está fazendo ou vai fazer, não teremos dificuldades para confiar nossa vida terrena àquEle que já tem um grande projeto eterno para todos nós.

III. OS PECADOS DA ARROGÂNCIA E DA AUTOSSUFICIÊNCIA

Ainda vinculado ao assunto anterior, em que Tiago abordou o perigo de se fazer planos sem que Deus participe deles, passamos agora a tratar da arrogância atrelada à autossuficiência. No tópico anterior, parece que estamos contemplando crentes esquecidos, e que no tópico atual, há crentes que se omitem em fazer o que é certo. Um se esquece de Deus quando não o inclui em seus planos, e outro se esquece de Deus quando conscientemente deixa de fazer o que é certo. A omissão de quem sabe fazer o certo e não o faz é tida como um pecado. E uma lição bem prática, bem ao estilo do irmão do Senhor.

A arrogância, ao que parece, no texto de Tiago, está vinculada às pessoas que queriam viajar e fazer negócios sem que Deus fosse consultado ou participasse de suas vidas. Isso pode demonstrar também que essas pessoas acreditavam que Deus estava restrito à esfera espiritual de suas vidas, e não à esfera material também. Essa forma de ver a vida cristã é errada, pois somos cristãos dentro e fora da igreja. Nosso cristianismo deve ser demonstrado não só no santuário, mas igualmente fora dele. Na verdade, Deus espera que possamos dar testemunho de nossa fé com nossas atitudes fora do âmbito da comunidade cristã. E a reprimenda de Tiago nos mostra que aqueles crentes estavam agindo de forma errada.

Esse é um dos erros mais comuns dos cristãos de nossos dias. Não raro, há crentes que imaginam que podem ser uma pessoa na igreja e outra fora dela. Há pessoas crendo que é possível adorar a Deus no domingo e quando chega a segunda- feira, agir de acordo com as regras deste mundo, como se não tivéssemos um Deus. Um comerciante cristão pode acreditar que não há qualquer problema em repassar a um consumidor uma mercadoria reconhecidamente defeituosa. Um estudante cristão pode acreditar que não há problemas em se utilizar de meios ilícitos para se obter uma boa nota numa avaliação. Um funcionário cristão pode crer que não há problema algum em se apropriar de um objeto da empresa em que trabalha, imaginando que não vai fazer falta lá. Mas se Deus os pesar em uma balança, com certeza será achado em falta.

Não existe dualidade na vida cristã. Preciso ser fiel a Deus tanto na igreja quanto fora dela, ou provavelmente esvaziarei meu testemunho diante dos ímpios. Quantos de nós já não ouvimos críticas sobre pessoas da igreja que nem mesmo parecem servir a Deus? Mas também já ouvimos opiniões de pessoas que não conhecem Jesus, mas que tem contato com homens e mulheres cujos testemunhos irradiam uma comunhão imensa com nosso Senhor, por meio de sua vida e atitudes.

Tiago conclui seu pensamento no verso 17 informando que quem sabe fazer o bem e não faz, comete pecado. Para Tiago, a comissão é fruto direto da omissão em relação ao pecado. Esta não se realiza apenas quando agimos de forma errada, mas também quando deixamos de agir de acordo com o padrão que Deus espera de nós. Jesus certa vez disse: “E o servo que soube a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites” (Lc 12.47). Esta parábola de Jesus fala sobre serviço e obediência, e Jesus utiliza a figura de um servo que teve à sua disposição os bens de seu senhor. Nessa história, o mordomo inicialmente é um homem fiel e prudente, que apesar da ausência de seu amo, faz aquilo que é certo. Mas Jesus apresenta a possibilidade de esse mesmo servo aproveitar a ausência de seu senhor para maltratar seus conservos, e aproveitar-se dos mantimentos que deveriam ser distribuídos a todos. Esse tipo de servo será duramente punido por sua atitude de covardia e de desperdícios.

Se atentarmos bem para essa história, podemos nos ver sendo enquadrados em qualquer uma das duas categorias desse mesmo servo. Podemos ser fiéis e prudentes, obedecendo a Deus e respeitando nossos conservos, como podemos também nos aproveitar dos bens “depositados” em nossa conta e es- quecer-nos de que um dia prestaremos contas ao Senhor pela forma com que usamos tais bens. Um mesmo servo, duas possibilidades de atitudes, com duas consequências distintas. Na prática, Deus já nos deu o que precisamos para viver, e até mais do que o necessário, a fim de partilharmos com outros.

A mensagem final: Não sejamos arrogantes nem imaginemos que somos autossuficientes a ponto de não precisar depender de Deus. E que os recursos que recebemos de Deus nos lembrem de que um dia prestaremos contas a Deus de nossa mordomia.

Bibliografia utilizada neste capítulo

Manual da Bíblia de Aplicação Pessoal. CPAD
Vincent — Estudo no Vocabulário Grego do Novo Testamento. CPAD
Mathew Henry — Comentário Bíblico do Novo Testamento — Atos a Apocalipse. CPAD
Comentário Bíblico Beacon — Volume 10. CPAD
Comentário Bíblico pentecostal do Novo Testamento — Volume 2. CPAD
Comentário do Novo Testamento Aplicação Pessoal. CPAD
Teologia do Novo Testamento. Roy B Zuck. CPAD
Dicionário Vine. CPAD
Dicionário Bíblico Wycliffe. CPAD.
O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Russel Norman Champlin. Milenium.
Uma Introdução aos Escritos do Novo Testamento. Erick Mauerhofer, Editora Vida.
Estudos no Cristianismo não Paulino. F F Bruce. Shedd Publicações.
Homens com uma Mensagem. John Stott. Cultura Cristã
Introdução ao Novo Testamento. D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris. Vida Nova.
O Novo Testamento, sua Origem e Análise. Merril C. Tenney. Vida Nova.
Panorama do Novo Testamento. Robert H. Gundry. Vida Nova.

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