A verdadeira sabedoria se manifesta na prática - Alexandre Coelho - Tiago aborda em sua carta diversos assuntos, e entre eles, a sabedoria tem um espaço de destaque. Desta vez, o apóstolo qualifica as características da sabedoria, além da maneira como devemos demonstrá-la.
I. A CONDUTA DEMONSTRA QUE TIPO DE SABEDORIA TEMOS
Um cristão desejoso de crescer na vida cristã certamente privilegia a palavra falada e escrita. Lemos a Bíblia e ouvimos as pregações em nossas igrejas, e cremos que os discursos são elementos de comunicação que atingem sua finalidade: convencer pessoas e motivá-las a que tenham atitudes que agradem a Deus.
Entretanto, devemos nos lembrar de que a sabedoria não é demonstrada apenas em nossos discursos, mas também em nossas atitudes. Palavras, como diz a sabedoria popular, o vento leva. Entretanto, atitudes falam mais alto do que nossas próprias palavras, e ficam marcadas em nossas vidas.
A Carta de Tiago é um conjunto de sermões que tratam de modo muito prático a forma como um servo de Deus deve viver, e isso inclui agir com sabedoria em todos os momentos. Na vida cristã não vale a máxima Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço. Na visão do apóstolo, mais que palavras sendo apresentadas de forma correta e com sentido, valem as atitudes corretas. Essas sim, tem mais sentido do que palavras vazias e sem exemplo de vida.
Discursos, por mais elaborados que sejam, tornam-se inócuos se desprovidos de atitudes que os espelhem. Se uma organização anuncia como parte de seus valores o respeito por seus clientes, e na prática trata de forma desleixada essas mesmas pessoas, cairá no descrédito e ainda poderá ter dificuldades judiciais por danos causados, gerando um comprometimento sério à sua imagem. Da
mesma forma ocorre com um discurso cristão que acaba sendo visto como vazio por estar distante da prática. Deus espera ver em nós atitudes condizentes com o que ensinamos e pregamos, para que a mensagem do evangelho seja não apenas um conjunto de palavras bem apresentadas, mas acima de tudo, o poder de Deus manifesto em nossas vidas, moldando-nos de acordo com a sua vontade e mostrando ao mundo a diferença que Deus faz.
Inveja e Facção
Inveja e facção são dois sentimentos que andam muito próximos de nós. Tida como um dos sete pecados capitais, a inveja é caracterizada pelo desgosto que uma pessoa tem em relação a outra pessoa e contra o que essa outra pessoa possui. Diferente da arrogância, que faz com que o arrogante veja outras pessoas como se ele estivesse em uma posição superior, o invejoso vê a si próprio como uma pessoa que está em posição inferior. Ele imagina que a pessoa alvo de seu sentimento não é digna de ter o que tem, e se imagina como merecedora daqueles talentos, dons ou bens que a pessoa tem.
A facção é o desejo de divisão. E aquele sentimento que não se contenta em presenciar a unidade de um grupo. Pessoas unidas tendem a ser mais exitosas em seus intentos, mas grupos divididos não costumam ter força suficiente para alcançar desafios. Por isso o sentimento faccioso é tão importante para Satanás. Ele sabe que quando há unidade na igreja local, as pessoas oram mais umas pelas outras, são mais misericordiosas, ajudam-se e buscam sempre a solução de possíveis conflitos, de forma que a igreja fica fortalecida. Mas se uma igreja é dominada pelo espírito faccioso, não poderá crescer, mesmo que seja rica em dons e manifestações espirituais.
II. O MAL PREVALECE ONDE HÁ INVEJA E SENTIMENTO FACCIOSO
A maldade do coração humano
Uma das questões mais difíceis com que temos de lidar é a capacidade de o coração humano ser mal. Há muitos gestos de bondade, generosidade e altruísmo ao longo da história em todas as culturas, mas há muito mais registros da capacidade má do homem agindo tanto em grupo quanto individualmente.
A maldade humana se desenvolve na mais tenra idade, e não são poucos os atos maldosos cometidos por crianças e adolescentes. Gênesis 8.21 fala: “E o SENHOR cheirou o suave cheiro e disse o SENHOR em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice; nem tornarei mais a ferir todo vivente, como fiz”. É importante que saibamos desse detalhe para que invistamos na apresentação do evangelho também para as crianças, a fim de que ainda pequenas tenham a oportunidade de conhecer a Jesus Cristo e receberem a salvação.
A maldade do coração humano é vista não apenas entre as pessoas que não conheciam ao Senhor, mas igualmente entre o povo de Israel. Jeremias, usado por Deus, reclamou com os habitantes de Jerusalém sobre suas atitudes: “Lava o teu coração da malícia, ó Jerusalém, para que sejas salva; até quando permanecerão no meio de ti os teus maus pensamentos?” (Jr 4.14). Até entre o povo de Deus houve manifestação de maldades e de pensamentos ruins. Jeremias ainda reitera a capacidade má que o coração humano possui: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). Mas o mesmo Jeremias, depois de advertir da existência da perversidade do coração humano, declara também o resultado dela: “Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isso para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações” (Jr 17.10).
Inveja e facção geram desordem
Já identificamos a inveja e a facção como dois sentimentos ruins. Então pensemos no mal que essas duas podem fazer em nossas vidas e até na igreja.
A igreja de Corinto é um exemplo clássico de comunidade que foi atingida pela desordem, fruto de facções. Nessa igreja, conforme vemos no texto sagrado, encontravam-se cristãos que haviam recebido dons espirituais. Infelizmente, há cristãos que rotulam a igreja de Corinto como uma igreja pentecostal: cheia de dons espirituais e problemática, como se ser pentecostal e crer na contemporaneidade dos dons fosse uma porta de entrada para uma bagunça generalizada. Na verdade, não eram os dons que traziam problemas para a igreja de Corinto, pois eles foram dados por Deus. O problema no caso era o espírito faccioso que havia naquela congregação.
Os dons de Deus não trazem confusão, e ainda que algumas reações humanas aos dons espirituais possam ser novidade e até questionáveis, elas não esvaziam a intenção de Deus: edificar o corpo de Cristo e promover o crescimento dos crentes. Corinto não tinha uma igreja com graves problemas por causa dos dons espirituais, mas porque aqueles crentes viviam em uma cultura que ia na mão oposta à lei de Deus, e esses mesmos crentes precisavam aprender que era necessário melhorar em muitos aspectos. A igreja, por desconhecer a forma correta de utilização dos dons, passou por diversos problemas, até que fosse orientada pelo apóstolo Paulo não apenas em relação ao uso correto dos dons, mas igualmente quanto à prática da comunhão.
Mas voltemos ao centro do assunto: o problema não estava nos dons espirituais, pois eles foram dados por Deus para a edificação da igreja. O problema estava no partidarismo daquela congregação. Aqueles crentes eram muito divididos. Uns eram de Paulo, outros de Apoio, outros de Pedro e outros, de Jesus. Como pode uma igreja ser sadia se seus membros competem entre si, e trabalham em prol de grupos internos? O problema não eram os dons espirituais, e sim a desunião do grupo.
E o que dizer da inveja? De acordo com Tiago, ela colabora com a perturbação e toda obra perversa. Pessoas dominadas pela inveja não conseguem contribuir nem com sua própria vida nem com as pessoas que a cercam. A inveja faz a pessoa perder o foco em si mesma e em Deus, além de fazer com que ela se concentre em outras pessoas, como se elas tivessem tudo e o invejoso, nada. Os talentos e bens dos outros são o alvo dos invejosos, que buscam ter justamente aquilo que outras pessoas têm. Não raro, pessoas dominadas pela inveja não desejam apenas ter o que o outro tem, mas se possível, desejam ver aquela pessoa sem aquilo que tem.
Quer dizer, não basta para o invejoso ter alguma coisa; ele precisa ver o outro sem nada. Isso mostra que a inveja é um dos sentimentos mais negativos do ser humano. Se o orgulho faz com que as pessoas olhem os outros como se eles estivessem abaixo, a inveja faz com que o invejoso esteja numa posição acima. O invejoso deseja tudo o que o seu alvo tem, desde a aparência, relacionamentos, estudos, bens, sucesso.
Inveja não é olhar para as pessoas como uma fonte de inspiração com o objetivo de ser como elas. Inveja é desejar ter o que o outro tem, mas desejar também que o outro não tenha nada. Pessoas invejosas não conseguem ser agradecidas, pois estão em busca do que ainda não possuem e não conseguem agradecer a Deus por aquilo que já conquistaram e receberam. Elas só enxergam o que ainda lhes falta.
Não há possibilidade de crescimento espiritual para pessoas cheias de inveja e facciosas, a menos que elas renunciem esses sentimentos e sejam cheias do Espírito Santo, a fim de que sejam controladas por Ele.
Obras perversas
Tiago trata em sua Carta sobre boas obras, mas ele também fala sobre obras perversas. Enquanto as boas obras são um fruto da sabedoria divina e demonstração da nossa fé em Cristo, as obras perversas são uma extensão da malignidade humana. Tiago recomenda que se esses sentimentos já estão no coração do leitor ou ouvinte da carta, que ele não se glorie nem se dê à mentira. Pode haver pessoas que se consideram corretas com essas coisas, mas aos olhos de Deus, precisam agir de forma a renunciar tudo isso e abandonar tais práticas, e não ocultá-las.
III. AS QUALIDADES DA VERDADEIRA SABEDORIA
A sabedoria tem características específicas, e pela forma como estão descritas, entendemos que são demonstradas na prática do dia a dia. Lembremo-nos de que Deus é a fonte dessa sabedoria, e, portanto, suas características estão estampadas na Palavra de Deus.
Ela é moderada. Moderação é sinônimo de equilíbrio. Nesse sentido, nossas atitudes precisam ser da mesma forma conduzidas pela imparcialidade e capacidade de manter-nos isentos. Deus não é parcial, e espera que sua sabedoria manifesta em nós siga esse mesmo modelo. Isso requer um grande trabalho de nossa parte, pois nossa tendência sempre é pender para algum “lado da balança” na tomada de decisões ou ações. Ser imparcial, ser moderado, é, sem dúvida, sinônimo de racionalidade.
Ela é cheia de misericórdia. O homem sábio tende a ser misericordioso. Ele sabe que Deus é misericordioso com nossas falhas e está pronto a oferecer seu perdão, Deus nos mostra a importância da misericórdia em diversas passagens bíblicas.
Por ocasião do pecado do rei Davi, este “reconheceu que se Deus o tratasse apenas com justiça, e não com misericórdia, ele seria destruído pela ira de Deus. Frequentemente queremos que Deus nos mostre sua misericórdia e, às outras pessoas, justiça. Na sua bondade, Deus nos perdoa, em vez de nos dar o que merecemos”1. Deus é misericordioso, e espera que aqueles que receberam sua sabedoria sejam misericordiosos também.
Ela é cheia de bons frutos. A sabedoria é vista não apenas em uma única característica, mas em várias. Os frutos são o produto final de uma semente que foi plantada, germinou e cresceu, e que depois se multiplicou em várias outras sementes. Os frutos não aparecem de um dia para o outro; precisam de tempo para crescer, e quando amadurecidos, podem dar continuidade à vida.
Ela é sem parcialidade. De acordo com o grande pregador clássico Matthew Henry, “A palavra original, adiakritos, significa sem suspeição, ou livre de julgamento, não fazendo conjecturas ou diferenças indevidas na nossa conduta maiores a uma pessoa do que a outra.”2 A pessoa parcial é aquela que trata ou julga outras pessoas com definições pré-constituídas, ou seja, não vai se deixar ser conduzida pelo bom senso. A parcialidade mostra que somos capazes de julgar e agir de acordo com nossas preferências, e não de acordo com os fatos.
Ela é sem hipocrisia. A falsidade ou o fingimento não acham lugar dentro do coração da pessoa sábia, pois tal pessoa sabe que a hipocrisia pode atrapalhar nosso relacionamento com Deus e com o próximo. Jesus foi tão enfático em seus ensinamentos no tocante à falsidade que recomendou que quando seus seguidores trouxessem suas ofertas ao altar e se lembrassem de que tinham desavenças com outro irmão, que deixassem sua oferta diante do altar, voltassem e se reconciliassem com seus desafetos, para depois, sim, apresentar ao altar a oferta. Já foi dito que a hipocrisia é a arte de exigir dos outros aquilo que não praticamos. Ela é tão danosa que pode nos levar a ofertar pelos motivos errados, apenas para demonstrar o quanto estamos aparentemente bem com Deus.
Jesus encarou em seu ministério terreno pessoas que se diziam religiosas, mas que em suas práticas demonstravam sua hipocrisia.
Jesus expôs repetidas vezes as atitudes hipócritas dos que conheciam as Escrituras mas não obedeciam a elas. Não se importavam em ser santos, mas apenas em parecer santos, para receber a admiração e o louvor do povo. Hoje, como os fariseus, muitas pessoas que conhecem a Bíblia não permitem que ela modifique suas vidas.3
Esse é o padrão de Deus na demonstração de sua sabedoria. Que assim possamos ser, para realmente fazer um diferencial no Reino de Deus neste mundo.
Bibliografia utilizada neste capítulo
Manual da Bíblia de Aplicação Pessoal. CPAD
Vincent — Estudo no Vocabulário Grego do Novo Testamento. CPAD
Mathew Henry — Comentário Bíblico do Novo Testamento. Atos a Apocalipse. CPAD
Comentário Bíblico Beacon — Volume 10. CPAD
Comentário Bíblico pentecostal do Novo Testamento — Volume 2. CPAD
Comentário do Novo Testamento Aplicação Pessoal. CPAD Teologia do Novo Testamento. Roy B Zuck. CPAD Dicionário Vine. CPAD Dicionário Bíblico Wycliffe. CPAD.
O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Russel Norman Champlin. Milenium.
Uma Introdução aos Escritos do Novo Testamento. Erick Mauerhofer, Editora Vida.
3 Manual da Bíblia de Aplicação Pessoal. Rio de Janeiro: CPAD, p. 399
Estudos no Cristianismo não Paulino. F F Bruce. Shedd Publicações.
Homens com uma Mensagem. John Stott. Cultura Cristã
Introdução ao Novo Testamento. D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris. Vida Nova.
O Novo Testamento, sua Origem e Análise. Merril C. Tenney. Vida Nova. Panorama do Novo Testamento. Robert H. Gundry. Vida Nova.
2 HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Matthew Henry — Atos a Apocalipse. Rio de Janeiro: CPAD, 2008, p. 841
1 Manual da Bíblia de Aplicação Pessoal. Rio de Janeiro: CPAD, p. 540
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