Lição 6 – Santificarás o Sábado

O quarto mandamento é uma ponte que liga os mandamentos teológicos com os mandamentos éticos. Os três primeiros preceitos do Decálogo dizem respeito à responsabilidade do homem com o Criador; os demais falam sobre o compromisso do homem com o seu próximo. A guarda do sábado fica entre esse dois grupos, pois a lei é clara em mostrar seu caráter social e humanitário e também sua função religiosa.


As controvérsias em torno deste mandamento se referem à sua interpretação. O que acontece é que existe o sábado institucional e o sábado legal, e quem não consegue separar estas duas instituições terminam radicalizando indo aos extremos. Esse é o principal problema dos sabatistas da atualidade, como os adventistas do sétimo dia. Todos os mandamentos do Decálogo dependem de definições e de como aplicá-los na vida diária, e essas instruções são dadas no próprio sistema mosaico. Mas as definições nem sempre são conclusivas. Por exemplo, o que a Bíblia define como trabalho? O mandamento de santificar o sábado é mais bem compreendido quando se analisa o propósito pelo qual ele foi dado.

0 SÁBADO

O substantivo hebraico shabbat,6B "sábado", ou sábbaton,66 em grego, "sábado, semana", indica no calendário de Israel o sétimo dia da semana marcado pelo descanso do trabalho para cerimônias religiosas especiais, além de significar um período de sete dias, uma semana (BAUER, 2000, p. 909). O termo shabbãtôn67 significa "sabatismo, guarda ou observância do sábado", pois a desinência -ôn é característica de substantivo abstrato. Ele aparece no relato da criação: "E, havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra, que Deus criara e fizera" (Gn 2.2, 3).

Deus celebrou o sétimo dia após a criação e abençoou este dia e o santificou. Gênesis é o livro das origens de todas as coisas: dos céus e da terra, do homem e do pecado, do sacrifício e da promessa de redenção, do casamento, da família, das nações, das línguas, da nação de Israel, do sábado e da semana. O sábado e a semana tiveram a sua origem em Deus. A divisão hebdomadária do tempo aparece desde os dias pré-diluvianos e no período patriarcal (Gn 7.4, 10; 8.10, 12; 29.27, 28). Mas a semana na Me- sopotâmia seguia as fases da lua, por isso nem sempre o sábado coincidia com o sétimo dia. A semana dos egípcios era de dez dias.

Aqui está a base do sábado institucional e do sábado legal. Deus completou a sua obra da criação no sétimo dia. Duas vezes o texto sagrado declara que Deus "descansou" ou seja, cessou, esse é o significado do verbo hebraico usado aqui, shãbat,è& cessar, desistir, descansar" (Gn 8.22; Jó 32.1; Ez 16.41). Descansar é sinônimo de cessar de criar. Esse repouso indica a obra concluída e não ociosidade, pois Deus não para nem se cansa (Is 40.28; Jo 5.17). Ele continua sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder (Hb 1.3). O Senhor Jesus também assentou-se à destra de Deus depois de concluir a obra da redenção (Hb 8.1; 10.12). A expressão "acabado no sétimo dia” parece indicar que houve mais alguma atividade de Deus na criação nesse dia. É o que pensam muitos expositores da atualidade. Deus terminou a sua obra no dia sexto: segundo a Septuaginta, en tê hêméra tê hektê,69 "no dia sexto", e também no Pentateuco Samaritano, bayyôm hashishi,7 "no dia sexto". A Peshita segue também essa linha, mas tudo indica que se trata de alguma emenda deliberada. Segundo Um- berto Cassuto, um estudo cuidadoso desse versículo mostra que "sétimo dia" é a forma correta (1998, p. 61).

O substantivo hebraico shabbat, "o dia de sábado", não aparece aqui; sua primeira ocorrência acontece no relato do maná (Êx 16.23). Mas este termo vem da raiz do verbo "descansar", shãbat. Há quem afirme que essa omissão foi intencional porque o shãbat é o término da semana e há fortes evidências da identificação filológica do termo aqui com o acádico shabatu[m] ou shapattu, que aparece nas inscrições babilônicas como o dia da lua cheia. Trata-se do 15° dia de um mês lunar, dedicado à adoração do deus lua, Sin-Nanar e a outros deuses. Este dia se chamava também üm nüch libbi, "dia de descanso do coração" (ORR, vol. IV, 1996, p. 2630). Outros afirmam que se trata mais de um dia de expiação ou pacificação, e não necessariamente de um dia de descanso. No entanto, foram descobertos tabletes em que revelam o shabatu, como os dias 7o, 14°, 21° e 28°, que segundo o registro dessas inscrições ocupavam espaço destacado no calendário mesopotâmio. Neles havia restrições a diversos tipos de trabalho, já que o dia era dedicado aos deuses (TENNEY, vol. 5, 2008, p. 267). O sábado dos israelitas era o dia de descanso reservado a cada seis dias de trabalho para todo o povo; entretanto, o shabatu era computado com base nas quatro fases da lua.

Há muitas discussões sobre a relação do shabatum com o sábado dos israelitas, e Umberto Cassuto explica o que está por trás de tudo isso. Os críticos liberais insistem em afirmar que os israelitas copiaram o sábado dos mesopotâmios e com isso querem associar o sábado de Israel com as quatro fases da lua. Cassuto questiona a existência da proibição de trabalho nos dias 7o, 14o, 21o e 28o do mês do luna na Babilônia e na Assíria. Segundo esse autor, o pensamento da Torá é justamente o oposto ao sistema babilônico e desvincula completamente o sábado da adoração aos astros: "O dia de sábado de Israel não será como o sábado das nações pagãs; não será o dia da lua cheia, ou outro dia conectado com as fases da lua, nem ligado, em conseqüência, com a adoração da lua, mas será o sétimo dia" (1998, p. 68). É um sábado completamente desassociado de sinais nos céus, das hostes celestiais e de qualquer conceito astrológico, "mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus" (Êx 20.10). Assim, o propósito da omissão do termo hebraico shabbat, "sábado", no relato da criação é evitar sua identificação com o shabatu dos mesopotâmios.

O sétimo dia da criação não era mandamento, mas revela a necessidade natural do descanso de toda natureza, homem, animal, máquina, agricultura. O repouso noturno de cada dia não é suficiente para isso. Deus abençoou e santificou esse dia não somente para comemorar a obra da criação, mas para que nesse dia todos cessem o trabalho tendo em vista o descanso físico e mental e também o culto de adoração a Deus. É importante que todos os seres humanos possam refletir que o universo foi criado por um Deus pessoal, Todo-poderoso, sábio e transcendente, que planejou todas as coisas que foram criadas. Parece que esse dia foi logo esquecido pelo gênero humano, mas há resquício dele em muitos povos da antiguidade.

Deus abençoou e santificou o sétimo dia como um repouso contínuo, a dispensação da inocência, interrompido por causa do pecado. Agostinho de Hipona lembra que não houve tarde no dia sétimo, pois Deus o santificou para que ele permanecesse para sempre: "Ora o sétimo dia não tem crepúsculo. Não possui ocaso porque Vós o santificastes para permanecer eternamente" [Confissões, Livro XIII.36). Adão e Eva viveram esse repouso durante a inocência até a Queda: "Foi o princípio e o tipo de repouso ao que a criação, depois que caiu da comunhão com Deus pelo pecado do homem, recebeu a promessa de que uma vez mais seria restaurada pela redenção, em sua consumação final" (KEIL & DELITZSCH, tomo 1, 2008, p. 41). O sábado da criação aponta para o descanso de Deus para o mundo inteiro no fim dos tempos: "Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus" (Hb 4.9).

O sábado legal não foi instituído aqui. Isso só aconteceu com a promulgação da lei. O sétimo dia é o fundamento da guarda do sábado dada aos israelitas, visto que este dia foi santificado desde o princípio do mundo. O sábado institucional é para toda a humanidade e por isso Deus o santificou antes de estabelecê- -lo como mandamento para Israel. "A santificação do sábado institui uma ordem para a humanidade segundo a qual o tempo é dividido em tempo e tempo sagrado... Por santificar o sétimo dia, Deus instituiu uma polaridade entre o dia a dia e o solene, entre dias de trabalho e dias de descanso, a qual deveria ser determinante para a existência humana" (WESTERMANN, 1994, p. 171). O sábado institucional não é necessariamente o sétimo dia da semana, mas um a cada seis dias.

0 QUARTO MANDAMENTO

A instituição do sábado legal no Decálogo tinha o propósito duplo, social e espiritual, de cessar os trabalhos a cada seis dias de labor para dar descanso aos seres humanos e aos animais e dedicar um dia inteiro para adoração a Deus:

8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. 9 Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra, 10 mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro que está dentro das tuas portas. 11 Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há e ao sétimo dia descansou; portanto, abençoou o SENHOR

o dia do sábado e o santificou (Êx 20.8-11).

O quarto mandamento é o mais longo do Decálogo e difere dos três primeiros, cuja formulação é negativa. O versículo 8 introduz o mandamento positivo que impõe a obrigação de santificar o sábado, e o versículo 9 fala sobre a obrigação de trabalhar seis dias. Isso se repete no sistema mosaico (Êx23.12; 31.13-17; 34.21; Lv 23.3), mas aqui aparece também a formulação negativa. Quando Moisés no seu discurso em Deuteronômio repete o Decálogo substitui o verbo hebraico usado para "lembrar" zãchor,n "recordar, lembrar", por outro, "guardar", shãmôr,72 "guardar, cuidar, vigiar", quando diz: "Guarda o dia de sábado" (Dt 5.12). Os dois verbos estão no infinitivo absoluto, que tem função de um forte imperativo, bastante comum em leis e mais próximo de um futuro cominatório, ameaçador. O propósito do uso deste verbo "lembrar" aqui em Êxodo é manter o sábado como dia santo. Isso mostra que o povo já conhecia esse dia, mas parece que a sua observância não era levada a sério antes da revelação do Sinai. As palavras "como te ordenou o SENHOR, teu Deus" (Dt 5.12b) não aparecem em Êxodo e são uma referência ao Sinai, quando a lei foi promulgada, visto que Moisés está relatando um fato acontecido no passado.

Fica evidente que houve um sábado antes da promulgação da lei. Muitos acreditam que o verbo "lembrar" se refere ao relato do maná no deserto (Êx 16.22-30). Isto fica claro pelo fato de que "a maneira incidental em que a matéria é introduzida e a repreensão do Senhor pela desobediência do povo sugerem que o sábado já era previamente conhecido" (TENNEY, vol. 5, 2008, p. 267). No entanto, segundo o rabino Benno Jacob, "lembrar" aqui não tem conotação de "não esquecer", como aconteceu com o evento do maná, mas de um "memorial do passado para estabelecer um relacionamento especial para o futuro" (1992, p. 563).

O livro de Gênesis não menciona os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó observando o sábado. Segundo Justino, o Mártir, Abraão e seus descendentes até o Sinai agradaram a Deus sem o sábado (Diálogo com Trifão 19.5). Irineu de Lião diz que Abraão, "sem circuncisão e sem observância do*sábado, acreditou em Deus e lhe foi imputado a justiça e foi chamado amigo de Deus" (Contra as Heresias, Livro IV, 16.2). O sábado institucional não era mandamento nem havia imposição sobre a sua observância; talvez, seja essa a razão de aos poucos ter caído no esquecimento. A linguagem do quarto mandamento "Lembra-te do dia de sábado" (Êx 20.8) reforça a ideia de que não se trata de uma instituição nova, mas existente desde a criação.

O mandamento consiste em parar de trabalhar a cada seis dias e é extensivo a todos os israelitas, seus familiares e também servos, animais de carga, convidados, imigrantes estrangeiros e qualquer um que esteja dentro de seus portões (v. 10). Mas aqui se omite uma informação que aparece em Deuteronômio e revela o aspecto humanitário do mandamento: "para que o teu servo e a tua serva descansem como tu" (Dt 5.14b). Em Êxodo, é revelado o caráter espiritual, pois se mostra que a lei do sábado deriva da criação e se refere ao sétimo dia em que Deus descansou (v. 11). O sábado do Decálogo é semanal e uma amostra do descanso eterno de Deus (Sl 95.11; Hb 4.3-6).

O sábado legal é exclusividade dos israelitas e nenhum povo da terra recebeu tal responsabilidade, nem mesmo a Igreja (Êx 31.13- 17). A adoração no tabemáculo acontecia semanalmente e isso justifica a instrução da lei do sábado na presente seção que aborda a ordem do culto e demais serviços no tabemáculo. O tema do sábado havia sido tratado por ocasião do maná (Êx 16.23-30) e no quarto mandamento (Êx 20.8-11); no entanto, Javé retoma o assunto aqui para que o presente preceito seja observado de maneira apropriada.

A observância do sábado legal é perpétua, sob pena de morte para quem violar (vv. 14-6) e isso por se tratar de um sinal entre Javé e Israel (Êx 31.13, 17). Não é mandamento para todos os povos nem para a Igreja. É o segundo sinal para os israelitas, que já tinham a circuncisão como primeiro sinal desse concerto (Gn 17.10-14). Ao longo dos séculos, os judeus trataram esses dois preceitos com a mesma atenção. O Decálogo registrado em Deuteronômio apresenta o sábado como memorial da saída dos israelitas do Egito: "Porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão forte e braço estendido; pelo que o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado" (Dt 5.15). O sábado legal é mandamento exclusivo para o povo de Israel.

0 SÁBADO NO NOVO TESTAMENTO

A observância do sábado nos dias do ministério terreno de Jesus havia se tornado externa e formal. As autoridades religiosas de Israel haviam criado muitas restrições e estabeleceram regras meticulosas. A Mishnah, antiga literatura religiosa dos judeus, nos tratados Shabbat e Erub, registra minúcias de como o sábado deve ser observado. A tradição dos anciãos criou 39 proibições concernentes ao sábado. Por essa razão, o Senhor Jesus entrou diversas vezes em conflito com os escribas e fariseus. Uma delas aconteceu quando ele defende os seus discípulos por colherem espigas no sábado (Mt 12.1-5).

1 Naquele tempo, passou Jesus pelas searas, em um sábado; e os seus discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas e a comer. 2 E os fariseus, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer num sábado. 3 Ele, porém, lhes disse: Não tendes lido o que fez Davi, quando teve fome, ele e os que com ele estavam? 4 Como entrou na Casa de Deus e comeu os pães da proposição, que não lhe era lícito comer, nem aos que com ele estavam, mas só aos sacerdotes? (Mt 12.1-4).

A passagem paralela aparece em Marcos 2.23-26 e Lucas 6.1-4. Em todas elas, o Senhor Jesus mencionou um trecho do Antigo Testamento em que Davi comeu o pão da proposição na casa do sacerdote Abiatar, quando estava sob a perseguição de Saul (1 Sm 21.6). Assim, ele colocou a guarda do sábado na mesma categoria do preceito cerimonial. A lei proibia que estranhos comessem do pão sagrado da proposição, o qual era restrito aos sacerdotes (Êx 29.33; Lv 22.10). Jesus foi além e disse que os sacerdotes no templo podiam violar o sábado e ficar sem culpa (Mt 12.5). Um mandamento moral é obrigatório por sua própria natureza. Não existe concessão para preceitos morais; aqui, a vida está acima do sábado.

Em outra ocasião, o Senhor Jesus torna a considerar o sábado um preceito cerimonial com base na própria lei de Moisés. Ele nem precisou reivindicar a sua autoridade de Filho de Deus e Messias, ao lembrar às autoridades religiosas que a circuncisão de uma criança pode ser feita num dia de sábado. A lei prescreve que o menino deve ser circuncidado no oitavo dia de seu nascimento (Lv 12.3). Jesus disse que a circuncisão pode ser feita mesmo quando o oitavo dia coincide com sábado (Jo 7.22, 23).

Jesus declarou: "O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem, por causa do sábado" (Mc 2.27). Muitos comparam essas palavras a uma frase do Talmude creditada ao rabi Simeon ben Menasya, cerca de 180 d.C.: "O sábado foi dado a vocês, não vocês entregues a ele". A interpretação judaica diz respeito à permissão da quebra do sábado em casos especiais, como a vida em perigo. Mas o que Jesus disse significa que os seres humanos não foram criados para observar o sábado, mas que o sábado foi criado para o benefício humano. Ele não disse que o sábado foi feito por causa dos judeus ou de Israel, mas por causa de todos os seres humanos. O sábado legal, do Decálogo, foi dado a Israel como sinal entre Javé e os israelitas (Êx 31.13, 17; Dt 5.15; Ez 20.12). Aqui, o Senhor Jesus se refere ao sábado institucional que Deus estabeleceu para o bem-estar e gozo de todos os seres humanos, e isto está acima de observância meticulosa do sábado.

A frase "Assim, o Filho do Homem até do sábado é senhor" (Mc 2.28) e as passagens paralelas (Mt 12.8; Lc 6.5) são disputadas pelos expositores do Novo Testamento. Há duas linhas principais de interpretação: a) a autoridade sobre o sábado foi conferida aos seres humanos, e b) trata-se do próprio Senhor Jesus. A primeira nos parece menos aceitável porque Deus nunca delegou autoridade sem limites aos humanos e, também, porque a expressão grega ho huios tou anthrõpos,73 "o Filho do Homem", no singular, é título messiânico e não relativo a humanos. Está claro que Jesus se referia a si mesmo. Esta é a melhor interpretação. Ele revelou seu poder e sua autoridade sobre as enfermidades, sobre a natureza, sobre todos os poderes das trevas, sobre a morte e o inferno; assim, nada mais natural ser mesmo o Senhor do sábado. O sábado veio de Javé e somente ele tem autoridade sobre a instituição. Então, não há outro no universo investido de tamanha autoridade, senão o Filho de Deus.

Mais uma vez, o Senhor Jesus Cristo apresenta o profeta Oseias como autoridade para fundamentar seu ensino (Mt 12.7; Os 6,6). Ele acrescentou ainda que é "lícito fazer bem nos sábados" (Mt 12.12). Isso o próprio Jesus o fez (Mc 3.1-5; Lc 13.10- 13; 14.1-6; Jo 5.8-18; 9.6, 7, 16), e nós também devemos fazer o bem, não importa qual seja o dia da semana. Como o sábado do relato da criação, não é regra legal opressiva; é chamado de sábado institucional que se transferiu para o domingo por causa da ressurreição de Jesus, mas não como mandamento.

Assim, como nada há no Novo Testamento que indique a sua observância, isso por si só mostra que o quarto mandamento não é um preceito moral. Esta interpretação é corroborada pelo fato de nem Jesus nem os apóstolos ensinarem a guarda do sábado. O sábado não foi mencionado quando Jesus citou os mandamentos para o moço rico (Mt 19.17-19). Toda a lei se resume no amor a Deus e ao próximo (Mt 7.12; 22.40; Mc 12.31; Rm 13.10).

O apóstolo Paulo omitiu o quarto mandamento (Rm 13.9). Ele considerava retrocesso espiritual guardar dias, meses e anos (G1 4.10, 11). Os primeiros cristãos eram judeus de origem e era natural para eles observar os serviços da sinagoga; ainda hoje, muitos judeus que são convertidos à fé cristã preferem não abrir mão de sua identidade judaica, principalmente aqueles que residem em Israel. É mais uma questão cultural. Paulo via o sábado e os preceitos dietéticos, o kashrut, como mera opção pessoal. E, mesmo não havendo prova de que o apóstolo distinguisse preceitos morais e cerimoniais, aqui ele coloca o sábado e o kashrut na mesma categoria (Rm 14.1-6). Segundo Paulo, o antigo concerto foi abolido (2 Co 3.7-14) , incluindo o sábado (Os 2.11). De fato, isso já era anunciado desde o Antigo Testamento (Jr 31.31-34).

Paulo disse que Jesus riscou na cruz "a cédula que era contra nós nas suas ordenanças" (Cl 2.14). O substantivo grego para "cédula" é cheirgraphon,74 um hapax legomenon,75 literalmente, "escrito à mão”. É um documento escrito à mão usado aqui metaforicamente. O termo aparece na literatura grega extrabíblica com vários significados: "lei mosaica, obrigação escrita, contrato (ROBINSON, 2012, p. 984); "registro de uma conta financeira, conta, registro de dívida" (LOUW & NIDA, 2013, pp. 352, 353). É um certificado de dívida, uma nota promissória. A ordenança, ou dogma16, significa "decreto, ordenança, edito", um termo usado também em referencia à lei de Moisés (Ef 2.15). É esse o sentido aqui, pois Jesus disse que a lei nos acusa (Jo 5.45). O pensamento paulino revela o aspecto condenatório da lei mosaica (Dt 27.26; 1 Co 15.56; Gl 3.10) e também o padrão divino para a vida humana (Rm 7.13, 14).

A acusação da lei contra nós foi cancelada na cruz do Calvário, e aí o apóstolo inclui o sábado. O apóstolo emprega os dois termos "cédula" e "ordenança" metaforicamente para dizer que fomos perdoados e estamos livres de legalismo: "Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo" (Cl 2.16, 17). Com exceção do sangue (At 15.20, 28), as restrições dietéticas de Levítico foram removidas, pois Deus purificou os animais cerimonialmente imundos (At 10.12-15). Nenhum alimento é imundo por si mesmo (Rm 14.14, 20; 1 Tm 4.3, 4). O que contamina o ser humano é o que sai dele, não o que entra (Mt 15.11-20).

O sábado cerimonial é um termo para designar os festivais de Israel que englobam as festas anuais, mensais e semanais (1 Cr 23.31; 2 Cr 2.4; 8.13; 31.3; Ez 45.17). O sábado cerimonial já está incluído na expressão "dias de festa". Assim, a "lua nova", refere-se à festa mensal e a expressão "dos sábados" diz respeito aos sábados semanais. O novo concerto nos isenta de todas essas coisas. Paulo parece empregar uma linguagem platônica no tocante ao mundo real e ao mundo das ideias no v. 17. A sombra é temporária e identifica com imperfeição o objeto que a projetou, sendo portanto inferior a ele. O apóstolo afirma nesta metáfora que a lei é uma projeção, uma sombra da realidade, que é o corpo de Cristo.

0 SÁBADO CRISTÃO

O sábado legal do Decálogo foi estabelecido para Israel se lembrar da escravidão no Egito (Dt 5.15). Há certa analogia com o sábado cristão, o domingo, que, sem precisar de imposição legal, passou a ser o dia de adoração cristã coletiva em memória à ressurreição de Cristo que ocorreu num domingo (Mc 16.1-6; Lc24.1-6). Éosábado institucional. Isso está claro em três passagens do Novo Testamento: "No primeiro dia da semana, ajuntando os discípulos para o partir do pão" (At 20.7). Era um domingo, "talvez 24 de abril de 57 d.C.", segundo F. F. Bruce (apud STOTT, 1994, p. 360). O "partir do pão" é um termo usado para a Ceia do Senhor (At 2.42; 1 Co 10.16; 11.20-26). Segundo o autor citado, essa passagem "é a evidência inequívoca mais primitiva que temos da prática cristã de reunir-se para a adoração nesse dia". Isso se confirma mais adiante no Novo Testamento: "No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que se não façam as coletas quando eu chegar" (1 Co 16.2). Temos aqui outra prova de que o primeiro dia da semana era o dia de culto regular. O apóstolo recomendou que nessas reuniões se levantasse uma coleta para socorrer os irmãos pobres de Jerusalém.

O apóstolo João foi arrebatado no dia do Senhor: Eu fui arrebatado em espírito, no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta" (Ap 1.10). A expressão dia do Senhor" não é escatológica, pois a construção grega aqui, en tê kyriakê hêmera,77 se refere ao domingo. Versões católicas como Figueiredo, Matos Soares e a Bíblia do Peregrino empregam "num dia de domingo" para traduzir a referida frase. Esta tradução é aceitável porque está de acordo com o contexto

bíblico e histórico.

A palavra kyriakê significa "domingo" ainda hoje na Grécia. O termo "domingo", literalmente quer dizer, "dia do senhor , do latim, dominus, "senhor", e dies, "dia". Inácio de Antioquia usa a mesma frase grega do apóstolo João em Apocalipse, para indicar o primeiro dia da semana: "Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor™ em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte" (Magnésios 9-1, Coleção Patrística 1, Padres Apostólicos). Inácio foi o terceiro bispo de Antioquia e conheceu os apóstolos Paulo e João. Preso em 110 no reinado de Trajano, foi levado a Roma e atirado às feras. Trata-se de alguém da segunda geração dos apóstolos.

Outra razão que confirma essa interpretação é o fato de a Septuaginta usar uma forma diferente para o "dia do Senhor escatológico, hêmera tou kyriou ou hêmera kyriou.79 E o mesmo acontece nas cinco vezes que a frase aparece no Novo Testamento grego (At 2.20; 1 Co 5.5; 2 Co 1.14; 1 Ts 5.2; 2 Pe 3.10). 

Os primeiros pais da Igreja mostram que nos três primeiros séculos da história da Igreja o domingo continuava sendo o dia de reunião dos cristãos. Além de Inácio de Antioquia, isso pode ser ainda visto na Epístola de Barnabé (que não era o Barnabé citado do Novo Testamento). Trata-se de um documento da primeira metade do século 2, que declara: "Eis por que celebramos como festa alegre o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de se manifestar, subiu aos céus" (Epístola de Barnabé, 15.9).

Herdamos dos dias apostólicos essa prática que foi perpetuada pelo tempo. Os preceitos cerimoniais não desobrigam os seres humanos de cultuarem a Deus, mas estes não precisam de rituais e nem lhes é exigido irem a Jerusalém. Da mesma forma, o sábado não precisa ser o sétimo dia da semana. Os adventistas do sétimo estão equivocados quando afirmam que o imperador Constantino substituiu o sábado pelo domingo, e sua doutrina não tem sustentação bíblica. É um erro teológico e histórico

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