Lição 09: As Limitações dos Discípulos

Tropa de Elite

Por ocasião da morte de Osama Bin Laden em 2011, o mais temido terrorista do mundo islâmico, a revista Época trouxe uma extensa matéria sobre o assunto. Foi dado amplo destaque ao comando militar norte-americano denominado de SEALs como sendo o responsável por essa proeza. De acordo com o jornal inglês The Telegraph, a eliminação do terrorista número 1 “foi uma intervenção cirúrgica, levada a cabo por um pequeno grupo treinado para evitar efeitos colaterais”.

O grupo, denominado de SEAL TEAM 6 da Marinha americana, é formado a partir de uma rigorosa seleção e é considerado como o mais bem treinado do mundo. Os seus componentes buscam a perfeição em seus treinamentos a fim de evitar cometerem erros quando são enviados em alguma missão.

De acordo com a revista Epoca:

Os SEALs são super-soldados, treinados por dois anos além do normal para fuzileiros navais e mantidos pelo governo com um orçamento de US$ 1 bilhão por ano. No treinamento, disparam

3 mil tiros por semana, mais do que os colegas de Forças Armadas disparam em um ano inteiro. O nome é uma corruptela dos atributos especiais da tropa: São capazes de realizar operações no mar (“sea”, em inglês), no ar (“air”) e na terra (“land”). Estima-se que existam hoje 2,5 mil soldados SEAL em atividade.

O SEAL Team 6 é um grupo dentro dos SEALs escolhido pela Marinha para realizar as missões mais difíceis, normalmente em parceria com a CÍA, a agência de inteligência do governo americano. Oficialmente, o grupo sequer existe. Um dos antigos membros do Team 6, o atirador de elite Howard Wasdin, escreveu um livro sobre seus tempos de combatente, a ser lançado na semana que vem. A primeira frase do livro explica em poucas palavras a importância da tropa: “Quando a Marinha americana precisa de seus melhores homens, envia os SEALs. Quando os SEALs precisam de seus melhores homens, enviam o SEAL Team 6”, escreveu Wasdin.

HELL WEEKnos últimos cinco dias de treinamento, conhecidos como “Semana Infernal”, os postulantes a SEAL passam por uma simulação de guerra, com exercícios físicos extenuantes, tiros e explosões. O treinamento dessa equipe é semelhante à formação das principais tropas de elite no mundo. O exemplo brasileiro mais próximo é o do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio, o Bope, consagrado no filme Tropa de Elite. A diferença é que o regime imposto aos soldados SEAL é muito mais longo e extenuante. Segundo o site da revista americana Newsweek, os últimos cinco dias de treinamento são conhecidos como “Hell Week” (“Semana Infernal”, em tradução livre), com simulação de um ambiente de guerra. Os soldados são submetidos a rigorosos testes físicos em meio a tiros e explosões. Assim como acontece no treinamento do Bope, no Rio, quem não resiste à provação pode tocar uma sineta e desistir. Ainda segundo a Newsweek, dois em cada três soldados “pedem para sair”.1

Quando o presidente Barak Obama anunciou a morte de Bin Laden, a mídia imediatamente posicionou suas lentes rumo a esse superco- mando. Seus soldados foram ovacionados como heróis nacionais, tor- naram-se motivo de orgulho da nação e admiração no mundo inteiro. Que exército não gostaria de ter em suas fileiras homens desse nível?

A Lógica do Reino de Deus

É bastante conhecida a filosofia que afirma que somente os mais aptos sobrevivem; que o mercado é seletivo, escolhendo os melhores e excluindo os piores. Essa é a lógica! Como seres racionais estamos ha bituados com os princípios governados pela lógica formal. Todavia, no reino de Deus as coisas nem sempre são assim. Muitas vezes essa “ló- gica do reino se apresenta totalmente invertida. Por exemplo, quem não está disposto a perder também não ganha (Fp 3.7-8); quem não dá também não recebe (At 20.35); quem não perdoa também não é perdoado (Mt 6.13); quem não se humilha também não é exaltado (Lc 14.1); quem busca primeiramente as coisas secundárias não receberá as primárias (Mt 6.33); quem quiser ser o maior então deverá se tornar pequeno (Lc 22.26).

Isso pode ser visto com toda clareza no processo de “seleção” feito por Deus. Quem Ele escolhe?

“Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Porque vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele. Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção; para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Co 1.22-31).

Aqui aparece uma lógica que parece não ter lógica alguma! Paulo fala que Deus escolheu não os melhores, mas escolheu as coisas loucas, fracas, humildes, desprezíveis e que não são! Deus foi até ao lixão da humanidade e dali escolheu as suas escórias. Por outro lado, a sabedoria de Deus transforma em tolo aquele que parecia sábio (w.19-22); transforma em fraco quem achava que era forte (w. 22-25) e deu realeza a quem não possuía nenhuma (w. 26-29).

O expositor bíblico William Barclay destacou esse fato. Tanto os gregos, conhecidos pela sua cultura, como os judeus piedosos, tinham em conta os cristãos como néscios. Paulo faz uma citação livre do Profeta Isaías (Is 29.14 e 33.18) para mostrar que a sabedoria humana havia fracassado. Isso porque o mundo com toda a sua sabedoria não havia chegado ao conhecimento de Deus e continua buscando e tentando alcançá-la. Essa busca, sem sucesso, foi permitida por Deus para mostrar sua própria incapacidade e preparar o caminho para Jesus, a verdadeira sabedoria.

A mensagem pregada pelos primitivos cristãos (At 2.14-39; 3.12-26; 4.8-12 e 10.36-43), que provocou escândalo entre os judeus e tornou-se loucura para os gregos, pode ser resumida como segue:

1. Consistia no anúncio da chegada do reino de Deus;

2. Era fundamentada no anúncio da morte e ressurreição de Jesus;

3. Demonstrava que o que eles pregavam era cumprimento das profecias;

4. Era de natureza escatológica, isto é, mostra que Jesus voltará outra vez;

5. Chamava as pessoas ao arrependimento, mostrando que dessa forma era recebido o dom do Espírito Santo.2

Barclay observa que os judeus se escandalizaram com essa mensagem por várias razões. Primeiramente os judeus não podiam aceitar que alguém que fora morto em uma cruz, instrumento de maldição para eles (Dt 21.23), fosse escolhido por Deus para ser o Messias. Ao contrário de tudo isso, os judeus estavam na expectativa de um Messias político, guerreiro que enfrentaria o Império Romano com a força das armas.

Os gregos, por outro lado, não viam qualquer sentido na mensagem dos apóstolos por outras razões. Os gregos achavam uma falta de bom senso a ideia de um Deus que se fez homem, tornando-se vulnerável como os mortais, sentindo fome e dores. Deus, na concepção deles, era incapaz de possuir os sentimentos tão comuns aos mortais. Era o que eles denominavam de aphateia. Para um dos seus principais filósofos, Plutarco, era um insulto a Deus envolvê-lo em assuntos humanos. Portanto, a ideia de Deus se fazendo homem, conhecida na teologia cristã como encarnação, era totalmente repulsiva para os gregos. Não é de admirar que quando o apóstolo Paulo pregou Jesus e a ressurreição em Atenas, os gregos o ridiculizaram. Eles achavam que a “ressurreição”, que em grego é uma palavra feminina, seria a esposa de Jesus (At 17.32).

Homens, não Deuses!

Na cultura contemporânea traços dessa mentalidade judaica e grega ainda persistem e contaminaram setores do cristianismo institucional. Mas não são esses os princípios que apreendemos do cristianismo primitivo. Na escolha dos discípulos de Jesus não vemos o mérito sendo usado como critério de seleção. Pelo contrário, vemos a graça de Deus lidando com as imperfeições. Esses homens até mesmo falharam quando esperávamos que acertassem.

Por serem discípulos de Jesus, começamos a imaginar que esses homens eram os melhores em suas áreas. Gostaríamos que os discípulos de Jesus fossem uma espécie de SEAL TEAM 6. E mais, por terem aprendido aos pés do maior Mestre da história da humanidade, pensamos que os mesmos chegaram à perfeição. Mas não é isso que descobrimos quando lemos os Evangelhos. As narrativas bíblicas em vez de apresentarem heróis, mostram homens rodeados de imperfeições e limitações. Aprenderam sim com o Mestre e nunca mais foram as mesmas pessoas, mas não deixaram de ser humanos.

Às vezes se tem a ideia de que a fé cristã para ser genuinamente bíblica deve anular todas as fragilidades humanas, eliminar todos as suas limitações. Mas não é assim que a coisa acontece, nem tampouco é isso o que ensinam os Evangelhos. Deus trabalha sim com homens, mas homens imperfeitos, limitados e que constantemente estão dependendo dEle. Esse princípio é valido para todas as áreas da vida cristã. Estão presente na vida do leigo e também do clérigo. São esses princípios que nos tornam humanos ou que revelam a nossa humanidade e consequentemente a nossa carência de Deus.

Decepcionados ao Pé do Monte

Deus é soberano, age, intervém, mas atua respeitando nossas limitações. É o mesmo princípio que encontramos na vida dos discípulos de Jesus.

“E aconteceu, no dia seguinte, que, descendo eles do monte, lhes saiu ao encontro uma grande multidão. E eis que um homem da multidão clamou, dizendo, Mestre, peço-te que olhes para meu filho, porque é o único que eu tenho. Eis que um espírito o toma, e de repente clama, e o despedaça até espumar; e só o larga depois de o ter quebrantado. E roguei aos teus discípulos que o expulsassem, e não puderam. E Jesus, respondendo, disse: Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei ainda convosco e vos sofrerei? Traze-me cá o teu filho. E, quando vinha chegando, o demônio o derribou e convul- sionou; porém Jesus repreendeu o espírito imundo, e curou o menino, e o entregou a seu pai” (Lc 9.37-43).

A meu ver esse é um dos textos mais contundentes sobre as limitações dos discípulos de Jesus. É um texto que mostra claramente que os discípulos não eram homens perfeitos nem ilimitados. Eles foram derrotados diante de um possesso de demônio. Um desesperado pai exclama: “Roguei a teus discípulos que o expulsassem, e não puderam!” Não é que eles não tentaram! Tentaram, mas não puderam.E por que não puderam? As razões podem ser muitas. Jesus os censurou denominando-os de “geração incrédula” (Lc 9.41). Eles não apenas faziam parte de uma cultura incrédula, como também assimilaram seus valores. Foram contaminados pela cultura ao seu redor! Essa “contaminação cultural” sempre foi um perigo iminente para o povo de Deus.

Na passagem paralela do Evangelho de Marcos encontramos o texto: “Quando eles se aproximaram dos discípulos, viram numerosa multidão ao redor e que os escribas discutiam com eles” (Mc 9.14). Em vez de expelir o demônio, entraram em divagações teológicas com os escribas. Perderam o foco! Quando se perde o foco, os debates teológicos se tornam mais importantes do que a missão de libertar vidas. Por outro lado, os discípulos aprenderam a viver à sombra do seu Mestre. Acostumaram apenas a assistir Jesus expulsar os demônios e agora que tinha chegado o momento deles mesmos fazerem isso, não fizeram. Jesus também os alertou sobre a necessidade da oração em casos como esse (Mc 9. 29). Em outras palavras, não3 basta recorrer ao uso de técnicas e fórmulas na solução de coisas espirituais. Antes, é preciso cultivar um relacionamento com Deus. Os discípulos parecem ter esquecido que o ministério de libertação dependia do Espírito Santo. O Evangelho de Mateus associa o Espírito Santo com a expulsão de demônios durante o ministério público de Jesus: “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deu sobre vós” (Mt 12.28). Esse mesmo texto na teologia carismática de Lucas recebe a seguinte redação: “Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente, é chegado o reino de Deus sobre vós” (Lc 11.20). 

Não creio que os discípulos tivessem que passar por esse vexame. Como vimos em outro lugar desse livro, o Senhor deu-lhes autoridade sobre as forças do mal (Lc 10.17-19; Cl 2.14,15; Ef 1.20; 2.6). Essa autoridade, portanto, não acontece fora do senhorio de Jesus nem tampouco vem de forma automática. E fruto de um relacionamento com Deus e do poder do Espírito Santo. Se os princípios do evangelho do reino são seguidos, então não tem como dar errado.

Lembro que no final dos anos 80 e início dos anos 90 eu e mais dois companheiros estávamos fazendo um trabalho evangelístico em um dos bairros da nossa cidade. Quando chegamos à determinada residência, vimos um aglomerado de pessoas naquela casa. Após pedirmos permissão, adentramos no recinto e encontramos uma jovem deitada sobre uma cama, aparentemente sem nenhum sinal de vida. Foi nos informado pelo dono da casa que ela era a rainha de um culto afro-brasileiro e que havia tomado dezessete comprimidos de uma vez na intenção de cometer suicídio. Após recebermos autorização para fazermos uma oração por aquela jovem, desloquei-me em sua direção e impondo minhas mãos sobre ela percebi que forças malignas eram responsáveis por aquela situação.

Ao confrontar as forças do mal no poderoso nome de Jesus, vi aquela moça levantar-se com grande fúria e ficar frente a frente comigo. Falando em voz cavernosa e masculina disse que ia matá-la. Eu retruquei que isso não iria acontecer mais porque eles iriam ter que sair no nome de Jesus. Dito isso a jovem caiu no chão para logo em seguida se levantar. Confessou o Senhor Jesus como Senhor e Salvador e continua servindo a Ele com a sua família até hoje.

Primazia e Exclusivismo

“Levantou-se entre eles uma discussão sobre qual deles seria o maior. Mas Jesus, sabendo o que se lhes passava no coração, tomou uma criança, colocou -a junto a si e lhes disse: Quem receber esta criança em meu nome a mim me recebe; e quem receber a mim recebe aquele que me enviou; porque aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande” (Lc 9.4648).

Bispo de Alexandria

O escritor egípcio Michael Youssef ilustrou como esse desejo por primazia se torna uma poderosa ferramenta nas mãos do Diabo. Youssef conta que no século V, um famoso homem santo costumava passar muito tempo orando no deserto, tal como fez Jesus. Assim como Cristo, esse homem santo sofria tentações. Tão santo era ele, que o Diabo enviou um pelotão inteiro de demônios com o intuito específico de fazê-lo tropeçar e pecar — em suma, fazer o que fosse necessário para que o homem de Deus caísse. Eles utilizaram todos os métodos usuais. Pensamentos lascivos para arrastar seu espírito para baixo. Fadiga, para impedi-lo de orar. Fome, para fazê-lo abandonar seus jejuns. Mas não importava o que eles tentassem, ou quão arduamente trabalhassem, seus esforços sempre eram inúteis. No fim, Satanás estava tão irritado com a incompetência de seus lacaios, que os afastou do projeto e assumiu ele mesmo a operação.

“O motivo do fracasso”, ensinava ele a seus seguidores, “é que vocês usaram métodos muitos toscos com aquele homem. Ele não sucumbirá a um ataque direto. Vocês precisam ser sutis e atacá-lo de surpresa. Agora, observem o mestre em ação!”

O Diabo, então, aproximou-se do homem santo de Deus e, muito suavemente, sussurrou estas palavras em seus ouvidos: “Seu irmão foi ordenado Bispo de Alexandria”.

Imediatamente, o maxilar do homem de Deus se enrijeceu. Seus olhos se apertaram. Suas narinas se dilataram. O Bispo de Alexandria! Seu irmão! Que ultraje!

Continuando, diz Yosseff, “Bem, isso é uma lenda, não uma história. Mas ela mostra um ponto importante. Observe que os demônios que tentaram o homem santo não chegaram a lugar nenhum usando os grandes pecados morais. Ele podia vê-los chegando a um quilômetro de distância, e conseguia defender-se. Então, o que fez Satanás? Usou um pecado socialmente aceitável. Ele até mesmo o adequou à fraqueza particular daquele homem. Ele sabia que o homem estava vigilante contra a tentação da carne, e que era inútil tentar emboscá-lo daquela maneira. Assim, entrou de forma sutil usando a inveja e orgulho espiritual, e o fez pensar: ‘Ei, eu sou o santo da família. Por que o meu irmão está sendo ordenado Bispo de Alexandria e não euV’H

Querer ser o primeiro, o maior, o chefe ainda continua sendo uma poderosa tentação para muitos cristãos. Quando acontece no meio da liderança então, os seus efeitos são muito mais catastróficos. Hoje estamos vivenciando uma verdadeira fragmentação da igreja evangélica no Brasil e a causa principal é a disputa pela liderança. Ninguém quer mais ser índio, todos querem virar cacique.

Um Alerta contra o Consumismo

“A seguir, dirigiu-se Jesus a seus discípulos, dizendo: Por isso, eu vos advirto: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer, nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir.Porque a vida é mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes” (Lc 12.22,23).

Na passagem paralela de Mateus os discípulos são advertidos pelo Senhor a não assumirem o comportamento dos gentios. Os gentios aqui representam uma mentalidade mundana e consumista.

“Por isso, vos digo: não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo, mais do que a vestimenta? Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? E, quanto ao vestuário, porque andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pequena fé? Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos vestiremos? (Porque todas essas coisas os gentios procuram.) Decerto, vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas; Mas buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mt 6.25.34).

A preocupação demasiada com as coisas desta vida demonstrou a imaturidade dos discípulos que ainda não tinham conseguido adquirir uma mentalidade diferente daquela da cultura à sua volta. Jesus deixou bem claro que os “gentios procuram todas essas coisas” (Mt 6.32). Que coisas?

1. Os gentios valorizavam mais o corpo do que a alma, mais a estética do que a ética (Mt 6.25).

Os gentios, especialmente os gregos, não apenas cuidavam do corpo mas o cultuavam. Havia um verdadeiro culto somático na Grécia antiga. Evidentemente que esse cuidado tinha reflexos na escala de valores onde o estético se sobrepunha ao ético. Não é errado cuidar do corpo nem tampouco zelar pela sua aparência, mas isso não constitui essência da existência humana. Hoje há uma preocupação demasiada com a imagem, com o que é visto e tocado. Todavia não há esse mesmo interesse naquilo que parece abstrato, como os valores da alma.

Os gentios entesouravam na terra, mas não possuíam reservas no céu (Mt 6.26).

Jesus incentivou o investimento em valores espirituais e não a simples aquisição de coisas materiais. Mais importante do que construir grandes impérios terrenos é a aquisição de tesouros eternos.

Os gentios buscavam as coisas grandes esquecendo-se das pequenas (Mt 6.28-30).

A busca pelas coisas grandes acaba por ofuscar a forma como se vê as pequenas. Qual o valor de um passarinho ou uma planti- nha? Que lições elas podem nos ensinar? Deus está preocupado com coisas tão pequenas? A ideia que se tem é que Deus tem coisas mais importante para fazer. Todavia, nos ensinos de Cristo, as pequenas coisas são revestidas de um grande valor diante de Deus. Ele se preocupa com elas. Nós, como criaturas feitas pela sua própria mão, somos muito mais importantes.

Os gentios priorizavam a obrigação, mas esqueciam a devoção (Mt 6.33).

A lógica prioriza a obrigação, o trabalho, a empresa, os negócios. Não há nada errado em se trabalhar, cumprir horários e buscar o resultado na produção. Isso faz parte da vida. Todavia, na vida cristã, a obrigação e a devoção são como os dois lados da mesma moeda. Na verdade, à luz do Novo Testamento, não existe um dualismo que separa o trabalho da adoração.

O nosso culto deve ser racional e, portanto, envolve todas as dimensões do nosso ser. Todavia, quando o reino é sacrificado por conta de uma inversão de valores, colocando-se Deus em segundo plano, então alguma coisa está errada. O reino deve vir em primeiro lugar.

5. Os gentios preocupavam-se muito com o futuro, mas esqueciam o presente (Mt 6.35).

Como será o dia de amanhã? Ninguém sabe, senão Deus! Então porque se preocupar tanto com o amanhã? Os gentios não apenas se preocupam com o dia de amanhã ou fazem projetos para isso, mas querem controlá-lo. Somente Deus conhece o futuro e tem o poder de controlá-lo.

Tudo o que escrevi tem a ver com uma cultura de consumo. O consumismo parece ser uma prática humana bem antiga, pois Jesus já advertia seus discípulos para não andarem preocupados com o dia de amanhã. O cuidado com a aparência e o estômago tem sido uma das principais preocupações da sociedade pós-moderna. Zygmunt Bauman observou acertadamente que “em uma sociedade de consumidores é muito difícil ser sujeito (gente) sem primeiro virar mercadoria”. E verdade! O desejo pelo bem-estar e a busca desenfreada pelo prazer é uma das principais marcas dessa geração.

NOTAS
1 Revista Época de 03.05.2011. Editora Globo.
2 BARCLAY, William. Comentário al Nuevo Testamento, 17 tomos em
1. Editorial CLIE, Barcelona, Espanha.
3 Veja um exposição mais detalhada sobre esse assunto no livro de minha autoria: Porção Dobrada. Rio de Janeiro: CPAD.
4 YOUSSEF Michael. Conheça o Seu Real Inimigo. Rio de Janeiro: CPAD.

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