O Perigo do “Bezerro de Ouro” Dentro da Igreja Evangélica Brasileira

Em 31 de Outubro de 1517 eclodiu em toda Europa, partindo da Alemanha, a Reforma Protestante. O monge católico da ordem agostiniana, Martinho Lutero, catedrático de teologia na Universidade de Wittenberg, afixou suas noventa e cinco teses convocando a Igreja de Roma para debate. O impacto das teses de Lutero foi revolucionário. Em poucos meses as teses se espalharam por toda Europa através do invento da prensa de tipos móveis de Gutenberg. Deste momento em diante a Igreja Ocidental jamais seria a mesma. O estudioso da história da igreja Roger Olson, comentando em seu livro História da Teologia Cristã, destaca a Reforma Protestante como o terceiro grande Cisma dentro da vasta história da cristandade, depois da divisão em 1054, entre Ocidente e Oriente, e a luta medieval entre os três papas no período de 1378 a 1417 (pg.380). 

Em 1520, Martinho Lutero foi excomungado da Igreja de Roma. E, em 1521, convocado pelo Vaticano para comparecer na Dieta, na cidade alemã de Worms, para dar explicações sobre suas teses e se retratar diante da igreja romana e do imperador Carlos I. O que aconteceu em Worms ficou registrado na história. Martinho Lutero foi obrigado pelo Vaticano a se retratar. Mas, nestas palavras se expressou: “Minha consciência serve à Palavra de Deus. Por isso não posso nem quero me retratar, pois ir contra a minha consciência não é seguro nem salutar. Não posso agir de outra maneira, esta é minha posição. Que Deus me ajude. Amém” (apud, pg. 388). Assim nasceu o Protestantismo. O movimento protestante se espalhou fortemente por vários países. Na Alemanha, Luteranismo. Na Suíça e Países Baixos, Calvinismo. Na Escócia, Presbiterianismo. Na Inglaterra, Puritanismo.

O pensamento e teologia protestante foram se solidificando de acordo com as necessidades através das históricas Confissões. As principais Confissões protestantes são: Confissão Luterana de Augsburgo, Alemanha (1530), Confissão de Westminster, Inglaterra (1647/1648) e o Documento Confessional Calvinista de Dort, na Holanda (1618/1619).

A Reforma Protestante irá completar 499 anos de História. Uma grande herança legada à posteridade, sem dúvida foi o amor a Deus, a Cristo e às Escrituras na total dependência do Espírito Santo. O cristianismo oriundo da Reforma transformou tremendamente o mundo, sobretudo cristão. E uma área de grande relevância da igreja que sofreu fortemente esta transformação foi o culto. O culto Protestante deste momento em diante seria regido somente pela Escritura – Sola Scriptura. Aprendemos com os reformadores que o culto público deve ser bíblico. E o princípio que deve reger este culto está inquestionavelmente registrado nas Escrituras. Sobre a importância do culto e de seu princípio regulador, Paulo Anglada, em seu livro Princípio Regulador do Culto, faz uma citação importante do grande reformador de Genebra, João Calvino:

“... a regra que distingue entre o culto puro e o culto corrompido é de aplicação universal, a fim de que não adotemos nenhum artifício que pareça apropriado, mas atentemos para as instruções do Único que está autorizado a legislar quanto ao assunto. Portanto, se quisermos que Ele (Deus) aprove o nosso culto, esta regra, que Ele impõe nas Escrituras com o máximo rigor, deve ser cuidadosamente observada. Pois há duas razões pelas quais o Senhor, ao condenar e proibir todo culto fictício, requer que obedeçamos apenas à Sua voz: primeiro, porque não seguir o nosso prazer, mas depender inteiramente da Sua soberania, promove grandemente a Sua autoridade. Segundo, porque a nossa corrupção é de tal ordem, que quando somos deixados em liberdade, tudo o que estamos habilitados a fazer é nos extraviar. E então, uma vez desviados do reto caminho, a nossa viagem não termina, enquanto não nos soterremos numa infinidade de superstições...” (p.14. Editora: Pes).

Há um fato bíblico em que esta declaração de João Calvino jamais deve ser desprezada e esquecida. Em Êxodo 32.1 – 35 contêm um registro muito triste e vergonhoso na história do povo de Deus envolvendo um ambiente de culto. Os dois principais personagens desta história são: Moisés e seu irmão, Arão. Para termos uma ideia da importância deles, só em Êxodo, seus nomes até o capítulo 32 aparecem mais de 330 vezes. Foram chamados ao ministério pessoalmente por Deus. Foram instrumentos para libertar Israel do cativeiro egípcio:

“Depois, foram Moisés e Arão e disseram a Faraó: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Deixa ir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto. Respondeu Faraó: Quem é o Senhor para que lhe ouça eu a voz e deixe ir a Israel? Não conheço o Senhor, nem tampouco deixarei ir a Israel. Eles prosseguiram: O Deus dos hebreus nos encontrou; deixa-nos ir, pois, caminho de três dias ao deserto, para que ofereçamos sacrifícios ao Senhor, nosso Deus, e não venha ele sobre nós com pestilência ou com espada” (Êx 5.1-3).

Ambos tiveram experiências extraordinárias com Deus. Conheciam muito bem a obstinada idolatria de Israel. Em Êx 32.21, 22 Moisés pergunta a Arão que acabara de fabricar o bezerro fundido de ouro: “Que te fez este povo, que trouxeste sobre ele tamanho pecado?”. Arão respondeu com estas palavras: “Não se acenda a ira do meu senhor, tu sabes que o povo é propenso para o mal”. Estas são algumas características peculiares entre os irmãos. Mas no que se refere à liderança em conduzir o povo em adoração a Deus às diferenças tomam proporções gigantescas. Eis o contraste entre uma liderança bíblica e uma antibíblica.

Podemos aprender muito com estes dois líderes. Creio que a liderança e postura exercida por Moisés neste episódio devem servir de orientação e motivação para igreja buscar a verdadeira reforma que precisa. Creio que Arão representa a maior parte da liderança evangélica brasileira. Creio que a grande maioria dos crentes brasileiros é tão adoradora do “bezerro de ouro” quanto Israel o foi no deserto. Creio que Deus tem reservado um remanescente fiel à semelhança dos fiéis no deserto que não adoraram ao bezerro fundido. Creio que os Reformadores do século XVI foram instrumentos nas mãos do Criador para resgatar a verdadeira adoração, assim como Moisés o foi no deserto. Creio que Arão e seus seguidores representam a adoração em que o princípio regulador do culto é antropocêntrico. Creio que a liderança evangélica tem se acovardado em geral ao enfrentar a pressão do povo em adorar o “bezerro do ouro” dentro da igreja, assim como Arão no deserto.

No período da Reforma Protestante o culto a Deus voltara a ser regido pelo Princípio Regulador: A Escritura.

Quais são os elementos bíblicos que fazem parte de um culto verdadeiro a Deus? Quais são as suas circunstâncias? Citarei elementos e circunstâncias de um culto reconhecendo que não existe unanimidade entre os estudiosos, principalmente nos dízimos, ofertas e bênção apostólica. Espero explorar detalhadamente em outro estudo tais elementos e circunstâncias.

Elementos:
1 – Leitura da Palavra
2 – Louvor
3 – Oração
4 – Ordenanças
5 – Dízimos e Ofertas
6 – Bênção Apostólica

Circunstâncias:
1 – Lugar
2 – Horário
3 – Acentos
4 – Iluminação
5 – Climatização
6 – Instrumentos
7 – Vestes, dentre outros.

Não devemos como igreja desprezar as circunstâncias que envolvem um culto a Deus. Estes elementos circunstanciais devem potencializar a adoração a Deus. Mas não são permanentes nem devem corromper o culto.

O culto Reformado era marcado por confissão de pecados e arrependimento sob a direção do Espírito Santo. A verdadeira alegria cristã protestante tinha este fundamento. Era resultado da adoração cristocêntrica e bíblica. No culto Reformado regido pelo princípio regulador o que a Bíblia não autorizava de maneira explícita ou implícita não era de forma alguma inserida. Quanta diferença para os dias de hoje! Os reformadores em tudo na vida buscavam sempre em primeiro lugar honrar a Deus em a Sua perfeita justiça e santidade. Na adoração não era diferente. Hoje na igreja brasileira o que tem predominado é uma inversão:

A bênção no lugar do Deus da bênção;
O assistir ao culto no lugar do prestar culto;
O culto sentimental no lugar do culto racional;
O culto hedonista e místico no lugar do culto reflexivo e bíblico.

Neste contexto se valoriza mais um culto informal e livre do que um regido por princípios bíblicos. Não é de se admirar o porquê as mais estranhas e inimagináveis inserções fazem parte “fundamental” de nossa adoração!

Neste momento, lamentavelmente a “síndrome de Arão no deserto” tem exercido imensa influência sobre grande parte da igreja brasileira. Há um “bezerro de ouro” dentro de nossa igreja! Há muito tempo deixamos de lado o princípio regulador do culto fundamentado na Escritura, representado por Moisés pelo princípio antibíblico regido por Arão:

“Arão, vendo isto, edificou um altar diante dele e, apregoando, disse: Amanhã, será festa ao Senhor. No dia seguinte, madrugaram, e ofereceram holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo assentou – se para comer e beber e levantou – se para divertir – se” (Êx 32.5, 6).
Quando o princípio regulador do culto cai na mão do homem, a adoração a Deus é mesclada e até mesma substituída por outra desviada, estranha e idólatra:

“Então, disse o Senhor a Moisés: Vai, desce; porque o teu povo, que fizeste sair do Egito, se corrompeu e depressa se desviou do caminho que lhe havia eu ordenado; fez para si um bezerro fundido, e o adorou, e lhe sacrificou, e diz: São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito” (Êx 32.7, 8).

O “bezerro de ouro” na igreja atual tem se materializado de várias formas:

Danças
Coreografias
Teatros
Apresentações
Cerimoniais
Vendas
Indulgências, entre outros elementos estranhos.

Estes elementos foram sistematicamente inseridos no culto que estamos prestando a Deus. Estão tão impregnados que muitos pensam fazer parte integral e permanente de um verdadeiro culto ao Senhor. É fogo estranho sobre o altar. Tem que ser removido. Arão não removeu. Disse ele a Moisés depois de ter fabricado o bezerro de ouro levando o povo à idolatria: “Não se acenda a ira do meu senhor; tu sabes que este povo é propenso para o mal” (Êx 32.22). Todo líder da escola de Arão jamais enfrentará com êxito a pressão daqueles que desejam idolatrar o “bezerro de ouro”. É muito fácil discernir por este prisma porque a igreja no Brasil está assim! Podemos até dividi–la em três partes: Na entrada, uma banca para venda. No meio, um palco para apresentações. No púlpito, a presença de um palhaço. Lamentável. Triste e decadente. Idolatria pura! Há esperança? Há esperança. Graças a Deus. Deus é grande. Ele ainda procura verdadeiros adoradores.

Quando a idolatria ao bezerro de ouro no deserto começou, Deus chamou seu fiel servo Moisés e disse–lhe:

“Vai, desce; porque o teu povo, que fizeste sair do Egito, se corrompeu e depressa se desviou do caminho que lhe havia eu ordenado; fez para si um bezerro fundido, e o adorou, e lhe sacrificou, e diz: São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito” (Êx 32.7, 8).

Quando Moisés desceu do monte para enfrentar a idólatra de Israel, o desfecho terrível fora registrado nestes termos: “... e caíram do povo, naquele dia, uns três mil homens” (Êx 32.28). Deus é fogo consumidor. Ele é santo três vezes. Ele é temível. Depois de tantas mortes, disse ainda ao servo Moisés:

“Vai, pois, agora, e conduze o povo para onde te disse; eis que o meu Anjo irá adiante de ti; porém, no dia da minha visitação, vingarei, neles, o seu pecado. Feriu, pois, o Senhor, porque fizeram o bezerro que Arão fabricara” (Êx 32.34, 35).

Fica claro que a adoração a Deus deve ser do jeito que Ele quer e não da maneira que queremos ou achamos. Adoração é vida ou morte. É notório que a grande massa da igreja brasileira tem adorado ao “bezerro de ouro” à semelhança de Arão e os seus discípulos no deserto. É fato também que Deus tem levantado líderes e adoradores à semelhança de Moisés e todos aqueles que não se dobraram nem apostataram diante dos deuses estranhos materializados no bezerro fundido. A igreja e o princípio regulador do culto sempre estarão nas mãos de Deus. Os Reformadores criam assim. Creio que nestes últimos dias Deus tem tirado o princípio regulador do culto das mãos de “Arão” e entregue nas mãos de “Moisés”. Que a verdadeira reforma e o verdadeiro avivamento venham sobre nós. Pois, a igreja evangélica brasileira está na “UTI” urgentemente precisando. Soli Deo Gloria. Glória somente a Deus. Amém!

***
Autor: Pr. Vilmar Rodrigues Nascimento
Divulgação: Bereianos

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