Logo depois de tratar da importância da oração e referir-se ao comportamento do homem no culto público (2.8), Paulo passa a referir-se aos deveres das mulheres cristãs. A primeira prescrição diz respeito ao vestuário: “Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos” (2.9). A segunda diretriz está relacionada ao papel da mulher no culto: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio” (2.11,12). Percebe-se também que, na segunda prescrição feita por Paulo, está contido um princípio geral relativo ao relacionamento entre a mulher e o seu marido, que é a vedação do “uso de autoridade” por parte dela, ou seja, uma eventual pretensão de mando.
Apesar das muitas discussões sobre o comportamento ideal da mulher cristã (a conhecida pauta dos usos e costumes), devemos considerar que é preciso haver uma distinção clara na conduta das mulheres “que fazem profissão de servir a Deus” (2.10). Quando a mulher realmente assenta no coração o propósito de viver como uma serva de Deus, está pronta para abster-se do padrão definido pelo mundo e buscar um “traje honesto, com pudor e modéstia” (2.9).
Todo cristão equilibrado foge do radicalismo e não alimenta o legalismo; mas, de igual forma, não despreza o ensino bíblico e a correção, que produzem a necessária diferença entre quem serve a
Deus e quem não serve. É disso que Paulo trata em 1 Timóteo 2.9,10. A expressão “em traje honesto, com pudor e modéstia” deve ser tomada como um princípio de sobriedade na maneira de vestir- se, aplicável em todas as épocas e lugares em contraposição ao padrão mundano:
A palavra ‘pudor’ (gr. aidos), subentende vergonha em exibir o corpo. Envolve a recusa de vestir-se de tal maneira que atraia atenção para o seu corpo e ultrapasse os limites da devida moderação. [...] Vestir-se de modo imodesto para despertar desejos impuros nos outros é tão errado como o desejo imoral que isso provoca. Nenhuma atividade ou condição, justifica o uso de roupas imodestas que exponham o corpo de tal maneira que provoquem desejo imoral ou concupiscência em alguém (cf. Gl 5.13; Ef. 4.27; Tt 2.11,12; Mt 5.28).51
Fazendo um estudo do vernáculo grego, Donald Guthrie assim comenta o texto de 1 Timóteo 2.9:
A palavra traduzida por se vistam (katastole) provavelmente se refere à conduta bem como ao vestuário. A ênfase recai sobre a modéstia que acompanha a roupa. Apenas o comportamento ordeiro ou decente está em conformidade com o espírito da adoração cristã. Isso reflete uma atitude mental correta, pois Paulo era suficientemente perspicaz para saber que a roupa de uma mulher é um espelho de sua mente. Ele parece estar excluindo qualquer ostentação exterior por ser contrária a uma atitude de oração e devoção.
As palavras decência [...] e discrição são acrescentadas para explicar o que é roupa aceitável. De novo, é uma questão de dignidade e seriedade de propósitos, em oposição à leviandade e à frivolidade. Mediante o acréscimo de uma lista de proibições relacionadas com adornos exteriores, Paulo não deixa nenhuma dúvida quanto ao que quer dizer.
Fazer trança nos cabelos era um aspecto comum do penteado das mulheres judias, e as tranças requintadas eram presas com fitas e tiaras [...]. É claro que Paulo não está falando contra a atenção razoável do penteado, mas contra aquele penteado feito para chamar a atenção e que seria inadequado às mulheres cristãs. O mesmo princípio se aplica ao uso de joias ou roupas caras. Qualquer forma de ostentação tendia a prejudicar a finalidade principal da adoração.52
Uma Questão de Caráter
O texto paulino indica que, na época, as mulheres não cristãs tinham o costume de usar “tranças”, “ouro”, “pérolas” e “vestidos preciosos” no afã de tornarem-se atraentes. Os efésios apelavam muito para a sensualidade por meio da exposição do corpo da mulher. O uso de trajes imodestos era o meio de despertar o desejo sexual masculino, o que acontecia, inclusive, nos cultos pagãos. As mulheres da igreja efésia deveriam abster-se de tais usos, preferindo costumes recatados a fim de não chamarem a atenção para si e para os seus corpos. Esse deve ser o padrão em qualquer época: a discrição da mulher cristã como uma marca da sua conduta, fruto de uma transformação do seu caráter, o que o texto expressa com o uso dos adjetivos da honestidade, do pudor e da modéstia.
Infelizmente, tem sido muito comum existirem intensos debates focados em questões externas pontuais, quando o problema reside no interior de cada um. Quando somos transformados em nosso íntimo, o que expressamos através de nosso corpo e atitudes torna- se apenas um reflexo. Enquanto o “espírito de sensualidade” domina, a consequência é a rebelde insistência para expor o corpo visando atrair o sexo oposto, ainda que essa intenção não seja reconhecida. Por isso, conforme salientado no Comentário do Novo Testamento Aplicação Pessoal, o que se verifica do texto é que “Paulo enfatizou que o caráter interior era muito mais importante do que a aparência exterior”:
O padrão de vestir para as mulheres cristãs deveria ser caracterizado por traje honesto. O apelo que Paulo faz aqui é ao bom gosto e ao bom senso na cultura. As mulheres crentes deveriam “vestir” o seu comportamento de uma maneira que complementasse o seu caráter, em vez de discordar dele. As mulheres que adoravam na igreja cristã não deveriam ser dadas à ostentação, a enfeites caros, a e adornos excessivos. Tampouco era apropriado um modo de vestir sedutor ou sexualmente sugestivo. Elas não deveriam prejudicar a adoração, atraindo a atenção para si mesmas. Dizer que as mulheres de Éfeso não usassem tranças, ou ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos queria dizer, uma vez mais, que a sua ênfase deveria estar não na sua aparência, mas sim em quem elas eram.53
Cobiça e Assédio Sexual
O corpo da mulher deve ser adequadamente coberto para não despertar desejos sexuais. Convém lembrar, contudo, que a mesma Bíblia que reprova o mal comportamento da mulher com a exposição sensual do seu corpo também condena o pecado do homem, que, pelos olhos, se dá à cobiça (Mt 5.28; Mt 6.22,23; 1 Jo 2.16). De nada vale um culpar o outro, seja o homem cobiçoso, culpando a mulher por expor o seu corpo, seja a mulher vestida sem a devida decência, culpando o homem por conta do seu olhar malicioso. Deus não tem o culpado por inocente (Nm 1.3). “[...] cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus” (Rm 14.12).
Se, por um lado, o assédio sexual deve ser reprovado, por outro é preciso que também reprovemos os comportamentos sensuais e provocativos. O cristão não pode pautar-se pelo mesmo padrão de juízo mundano, no qual falta o devido equilíbrio para censurar o pecado reinante de ambos os lados. Além do mais, há um exacerbado protecionismo da mulher pela cultura atual, como se ela agisse como uma ingênua e inocente vítima do homem em todos os casos. Isso nega a pecaminosidade e a malícia feminina. Como fez no Éden, o Senhor exerce e exercerá o perfeito juízo sobre todas as suas criaturas na proporção das suas culpas (Gn 3.14-19; Ap 20.11,12).
Uma “Doutrina de Homem”?
Há quem ignore o ensino sobre a necessidade de vestir-se bem, cobrindo adequadamente o corpo, como se isso fosse uma exigência de homens. No Éden, após a Queda, Adão e Eva vestiram-se com aventais de folhas de figueira (Gn 3.7). O próprio Senhor preparou para eles roupas decentes, “túnicas de peles” (Gn 3.21). O cuidado com o corpo é, portanto, inspirado num ato pessoal do próprio Senhor Deus. O Novo Testamento ensina-nos com clareza que nosso corpo é templo do Espírito Santo (1 Co 6.19). A maneira como cuidamos dele deve, acima de tudo, glorificar a Deus, o Senhor (1 Co 10.31; Rm 15.1,2).
A mulher que decide servir a Deus precisa atentar com humildade para esse valioso ensino. O seu comportamento e vestuário devem ser santos, evitando roupas extravagantes (luxuosas, decotadas, transparentes, curtas ou muito coladas ao corpo). (Nesse último caso, os homens também estão incluídos!)
Não à Cultura da Afirmação
Ensinos bíblicos como o de 1 Timóteo 2.9 vão de encontro à cultura da afirmação vigente nas sociedades modernas, orientadas pelo antropocentrismo e por todo o espírito de “divinização” do homem. O esforço do indivíduo para afirmar-se perante a sociedade faz com que ele insista na ostentação dos seus padrões de conduta que não se sujeitam a qualquer tipo de paradigma convencional. Aliás, qualquer tipo de controle ou sugestão de limites para o comportamento é rotulado de cultura opressora. Isso se reflete, por exemplo, na relutância em aceitarem-se os modelos básicos de vestuário e outros usos e costumes no âmbito das igrejas.
Uma igreja onde a liderança busca estabelecer um padrão mínimo para o comportamento do seu próprio coletivo é considerada como um “ambiente de opressão”, que reprime as pessoas quanto às suas liberdades individuais, como o “direito” de expressar a sua identidade através do seu próprio estilo — o que inclui as roupas que decidir vestir e os adereços que quiser usar. Para quem pensa assim, Paulo difundiu um padrão opressor, porque foi bem enfático em prescrever às mulheres cristãs de Éfeso o abandono de qualquer traje ou enfeite que não pudesse ser considerado honesto, decoroso e modesto.
Não há, porém, abertura para qualquer dúvida quanto ao propósito de Paulo: que Timóteo ensinasse a igreja de Éfeso a assumir um estilo de vida distinto da cultura mundana da época. O uso da expressão “como convém a mulheres que fazem profissão de servir a Deus” deixa claro que o comportamento feminino já não mais poderia ser resultado de uma decisão pessoal de cada uma. Assim deve ser com todos que decidem ser discípulos de Cristo, seja homem, seja mulher, pois o chamado para servi-lo sempre importa em renúncia dos próprios desejos (Lc 9.23,24).
Entre os discípulos de Cristo, portanto, não pode funcionar a tal “cultura da afirmação”, mas a “cultura da negação” (Lc 9.23). Deve prevalecer um espírito de mansidão e humildade (Mt 11.29), inspirador de atitudes concretas de renúncia de nossas vontades pessoais (Mt 16.24).
O Ministério Feminino
Após ensinar a respeito da conduta da mulher no seu jeito de vestir, Paulo passa a tratar da participação feminina no culto público, como ele já havia feito na carta aos Coríntios, o que demonstra, desde logo, que o seu ensino não estava circunscrito a uma realidade exclusiva de Éfeso: “As mulheres estejam caladas nas igrejas, porque lhes não é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é indecente que as mulheres falem na igreja” (1 Co 14.34,35). O ensino em Éfeso deveria ser semelhante: “As mulheres aprendam em silêncio, com toda a sujeição”.
Esses textos estão entre os que mais incomodam os teólogos progressistas, que não se conformam com ensinos que contrariam as suas próprias visões de temas relativos a pautas como o ministério feminino. Herdeiros do liberalismo teológico, tais teólogos negam a plena inspiração das Escrituras, bem como a sua inerrância e infalibilidade, e sustentam a tese de que a Bíblia precisa ser atualizada. Cremos, contudo, que as Escrituras são a Palavra de Deus eterna e imutável (Sl 119.89), não contêm erros e têm forma normativa para a vida humana em todos os tempos.
O texto bíblico sob análise é bastante claro em alguns aspectos: o primeiro é que a mulher pode aprender — isso é um avanço trazido pelo cristianismo —, mas “em silêncio, com toda a sujeição”. A postura humilde da mulher para aprender é condição fundamental. Aprender em silêncio na igreja é a condição clara contida no versículo 11. Na sequência, Paulo afirma que a mulher não deve ensinar. Até aqui, a recomendação está claramente mais voltada para o aspecto público, mas quando o apóstolo diz “nem use de autoridade sobre o marido”, fica clara uma aplicação de aspecto geral.
A mulher não usar de autoridade sobre o marido quanto ao ambiente da igreja deixa induvidosa a impossibilidade do pastorado feminino. Cogitar diferentemente seria o mesmo que afirmar que a mulher não deve usar de autoridade sobre o marido em aspecto algum da vida, exceto se exercer a condição de “pastora”. Fato é que a expressão complementar contida no versículo 12 — “mas que esteja em silêncio” — é nitidamente um reforço ao ensino relativo ao culto público, ou seja, ao ambiente em que ela poderá aprender, só que em silêncio.
É preciso compreender, contudo, que o ensino paulino não corresponde a uma proibição total à participação da mulher no serviço público do Reino de Deus. Como sabemos, as mulheres tiveram participação ativa no ministério de Jesus. Elas acompanhavam o Mestre junto com os seus discípulos e contribuíam com os seus bens (Lc 8.1-3). Em vários outros textos do Novo Testamento, elas aparecem como importantes cooperadoras, inclusive ensinando a outros (At 16.11-15; 18.24-26; Rm 16.1-15; Fp 4.3; Cl 4.15). O que não há nas Escrituras é fundamento para o ministério feminino de liderança ou pastoreio de igrejas. Como comenta Donald Stamps: “O homem e a mulher são igualmente amados e preciosos à vista de Deus (Gl 3.27,28). Porém, foi ao homem que Deus entregou a responsabilidade de direção da família e da igreja”:
[1 Tm 2.12-25] mostra que não é permitido na igreja a mulher ensinar de modo normativo, diretivo e terminante, como faz o dirigente da congregação (cf. 1 Co 14.34). Entretanto, isto não quer dizer que é proibido à mulher cristã ensinar a homens individualmente (como em At 18.26); profetizar no culto da igreja, sob o impulso direto do Espírito Santo (1 Co 11.5,6 [...]); ensinar na igreja a outras mulheres, inclusive aos jovens (Tt 2.3,5 [...]); evangelizar em sua casa, instruindo homens e mulheres nos caminhos do Senhor (At 16.14,40).54
Assim, em vez de intensificar-se o debate acerca do pastorado feminino — tema, por sinal, totalmente ausente da Bíblia —, o mais sábio é que a mulher cristã concentre os seus esforços em tudo o que pode fazer no Reino de Deus em vez de insistir no que as Escrituras não prescrevem que ela faça. O cristianismo ampliou as oportunidades da mulher, e não as restringiu, mas responsabilidades como o pastorado foram dadas aos homens.
A Peculiaridade de Éfeso
Por que Paulo foi tão contundente ao tratar do comportamento da mulher na sua carta a Timóteo? São várias as opiniões. O mais provável é que estivesse havendo algum excesso na igreja de Éfeso, a favor ou contra a participação da mulher no culto. Por isso, foi preciso tratar do assunto de maneira enfática.
Antes de vermos um caráter repressivo na conduta paulina, precisamos considerar que a mulher enfrentava sérias restrições tanto na cultura grega como na judaica, inclusive para estudar. Conforme Donald Guthrie:
Proibições rabínicas eram muito mais sérias do que as proibições cristãs, já que a mulher, embora teoricamente tivesse permissão para ler a Torá em público, na prática não tinha autorização para ensinar nem mesmo crianças pequenas.55
O que temos, então, é que o cristianismo trouxe verdadeira revolução quanto à oportunidade de a mulher aprender, e não o contrário. É possível, assim, que a instrução de Paulo estava apenas trazendo ordem para um aspecto liberalizante e não restritivo produzido pela fé cristã.
Independentemente da questão local que tenha chegado à mente de Paulo para que este escrevesse sobre esse assunto tão específico na sua carta a Timóteo, o fundamento para a sua prescrição normativa não é casuístico ou isolado, ou seja, o ensino para que a mulher aprendesse em silêncio não era exclusivo para Éfeso por alguma distorção local.
Se Paulo tivesse terminado o seu ensino sobre as mulheres no versículo 12, seria possível aos hermeneutas progressistas buscarem mil razões fora do texto para um suposto “porquê” da norma contida nos versos 11 e 12. Contudo, o “porquê” de a mulher não poder ser a fonte do ensino diretivo da igreja — exercer o ofício de liderança do rebanho — está nos versículos 13 e 14: “Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão”.
A primeira razão é a precedência do homem em relação à mulher. Quando Gênesis descreve a criação do homem e, depois, da mulher (Gn 1.26,27; 2.18-22), está apresentando o propósito divino de ter o homem como líder e a mulher como a sua ajudadora (Gn 2.18).56 A narrativa bíblica é clara no sentido de a mulher ter sido criada para suprir a necessidade do homem de ter uma companheira, “uma auxiliadora que lhe fosse idônea” (Gn 2.18, ARA). Foi o próprio Criador quem disse: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele”, isto é, que lhe assista.
A segunda razão apresentada por Paulo é o fato de Eva ter sido enganada e caído em transgressão (2.14). “Eva, ao agir como chefe, independente do seu marido, comeu do fruto proibido”.57 Essas são, portanto, as razões bíblicas citadas por Paulo pelas quais o homem deve ser o chefe e líder espiritual no lar e na igreja; são razões imutáveis, sem nenhuma possibilidade de alteração em função de contextos econômicos, sociais, políticos ou culturais.
Calada sempre?
Os ensinos de Paulo em 1 Timóteo 2.11-14 são específicos para o culto público ou também representam um princípio aplicável à vida da mulher em todas as esferas da vida? Como já abordado, a Bíblia apresenta a mulher desempenhando vários ministérios (serviços) na igreja. O texto paulino tem uma aplicação no culto público relacionado ao ensino “normativo, diretivo e terminante”, como já assinalado. Apesar dessa aplicação a priori específica, há que se considerar, todavia, que, em um sentido geral, o que a Palavra de Deus estabelece é que a mulher deve ter uma vida discreta. Ela pode expressar-se, mas é sábio que observe o tempo, o lugar e o modo corretos. Ao falar da mulher virtuosa, Salomão diz que ela “abre a boca com sabedoria e a lei da beneficência está na sua língua” (Pv 31.26).
A mulher pode ser muito útil com as suas opiniões e instruções em muitos âmbitos, conquanto que “abra a boca com sabedoria” e esteja subordinada a uma permanente lei, a da beneficência, para que jamais fale o que possa fazer mal a alguém. O que se espera é que as palavras da mulher (assim como as do homem!) sempre façam o bem para quem a ouve.
Temos vários exemplos na Bíblia de mulheres que falaram com sabedoria. Abigail foi uma delas (1 Sm 25.24-26). O apóstolo Pedro aconselhou à mulher cujo marido não é crente a manter-se sujeita a ele e com um bom comportamento, para que ele seja “ganho sem palavra” (1 Pe 3.1). Aliás, de forma semelhante a Paulo, Pedro ensina às mulheres que tenham uma vida pura, em temor a Deus, valorizando mais a sua beleza interior do que a exterior (1 Pe 3.2-6). Sem temer a Deus e confiar plenamente na sua Palavra, nenhuma mulher encontrará condições de fazer tudo isso, ainda mais numa sociedade tão progressista, na qual as mulheres que ainda resistem e insistem no seu papel de esposa e mãe são desprezadas e até ridicularizadas, notadamente pelo público feminino, ante o espírito feminista que se multiplica em todas as esferas da sociedade e com muita influência nas igrejas evangélicas.
O Feminismo Evangélico
O Brasil é um país majoritariamente cristão e com um contingente evangélico muito grande. Dados da prévia do Censo de 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 28 de dezembro de 2022 dão conta de que o país tem 207,8 milhões de habitantes. Desse universo, cerca de 64,6% são católicos e 22,2% são evangélicos. Portanto, em torno de 86,8% da população considera-se cristã.
Nos últimos anos, tornou-se bem acentuada a polarização política e ideológica entre Direita e Esquerda em nosso país, principalmente em função de valores morais e costumes. Dentre os cristãos, a absoluta maioria declara-se de Direita. Entretanto, em certos temas, a prática demonstra o contrário. Uma delas é a que trata do papel da mulher e a sua posição na família, na igreja e na sociedade em geral.
Cresce assustadoramente no Brasil o chamado “feminismo evangélico”, fenômeno que já assombrou e causou muitos prejuízos na Europa protestante e nos Estados Unidos da América. Mas, ao que se percebe, a grande preocupação com a “esquerda teológica” em nosso país tem deixado ao largo um dos mais inflamados temas do esquerdismo, que é o feminismo. Não são poucos os evangélicos que se consideram de Direita, mas que, quando o assunto é o papel da mulher, falam e agem segundo a agenda esquerdista, talvez em nome do politicamente correto.
O grande problema é o que o feminismo evangélico causa na vida da igreja, especialmente pela abertura de caminho para outras distorções teológicas. Estudioso do assunto, Wayne Grudem alerta para o fato de que “o feminismo evangélico está se tornando um novo caminho para o liberalismo teológico para os evangélicos da nossa geração”.58 Citando trechos da sua obra Evangelical Feminism: A New Path to Liberalism? [Feminismo Evangélico: Um Novo Caminho para o Liberalismo?], Grudem denuncia o feminismo como uma evidente manifestação da teologia liberal e observa as consequências de negar-se a autoridade das Escrituras para acomodar o pensamento feminista moderno:
Uma vez corroída ou negada a autoridade da Escritura, certas consequências decorrem previsivelmente em uma denominação após a outra e algumas dessas consequências já se veem entre os feministas evangélicos, conforme observadas nos seguintes pontos:
As tendências recentes mostram agora que os feministas evangélicos caminham para a negação de tudo o que for particularmente masculino, para um Adão andrógino, que não é homem nem mulher, e para um Jesus cuja humanidade não tem importância. Esse já é um passo comum nos textos dos feministas evangélicos.59
Na sequência do seu texto, Grudem aponta que os passos seguintes são (1) “defender que Deus seja chamado de ‘nossa Mãe no céu’”; (2) “o crescente movimento a favor da aprovação da legitimidade moral do homossexualismo e (3) a “ordenação de homossexuais e a aprovação deles, colocando-os nas altas posições de liderança da igreja”.60
Essa é uma das razões pelas quais é um terrível engano imaginar-se estar combatendo a Esquerda com movimentos políticos, enquanto acolhemos os seus fundamentos em nossos púlpitos, práticas eclesiásticas e vida cotidiana, com pouca ou nenhuma contestação, como é o que se vê em relação ao crescente discurso feminista evangélico. A defesa do pastorado feminino é o carro-chefe nesse escandaloso movimento esquerdista. A grande questão, portanto, não é ser de Direita ou de Esquerda, é ser bíblico. É crer na Palavra de Deus e viver de acordo com o que ela prescreve.
“Salvar-se-á Gerando Filhos”
Fechando o ensino relativo às mulheres, Paulo faz mais uma declaração que não encontra consenso entre os exegetas. Trata-se do versículo 15 de 1 Timóteo 2. O que Paulo realmente quis dizer com a expressão “[A mulher] salvar-se-á, porém, dando à luz filhos”? A primeira coisa a ser afirmada é que gerar filhos não é uma condição para a salvação. Do contrário, o que seria das estéreis? Todos — homens e mulheres — somos salvos pela graça de Deus, e não por qualquer mérito nosso (Ef 2.8-10).
Por outro lado, é evidente que Paulo não fez uma afirmação aleatória e sem sentido algum. O que entendemos é que Paulo mencionou a geração de filhos como uma condição natural a que a mulher é submetida, tendo em vista, certamente, as dores que ela passou a sentir após o pecado (Gn 3.16). Assim, como todos os seres humanos devem obedecer a Deus e cumprir os seus propósitos, a mulher deve fazê-lo exercendo a maternidade, propósito a ela atribuído: “As mulheres que desempenham o seu papel designado por Deus, de dar à luz e de criar os filhos, estão demonstrando um verdadeiro compromisso e uma verdadeira obediência a Cristo”.61
John Kelly vê uma ligação indispensável entre o versículo 15 e os versos anteriores, no sentido de que Paulo teria tido a intenção de retirar qualquer impressão de que a mulher estivesse sujeita ao “desagrado permanente de Deus”, eis que também seria salva. A sua salvação, porém, não se daria “por meio de realizar tarefas masculinas, tais como ensinar na igreja, mas, sim, através da sua missão de mãe”:
Seu caminho para a salvação, noutras palavras, consiste em aceitar o papel que foi claramente destinado a ela em Gn 3:16 (“em meio de dores darás à luz filhos”). Até mesmo isto, no entanto, exige uma qualificação adicional, visto que a maternidade é o destino comum de todas as mulheres, e, de qualquer maneira, a salvação não é obtida mediante meras obras. Destarte, o Apóstolo acrescenta, como uma segunda condição vital, se elas permanecerem em fé e amor e santificação, com bom senso.
[...] Esta parece ser a única interpretação natural da passagem, por mais desagradável que a atitude para com as mulheres aqui subentendida seja vista por padrões cristãos contemporâneos.62
Por que será, então, que se discute tanto sobre o exercício de funções executivas para a mulher, inclusive na igreja, e tanto se minimiza o seu papel como esposa e mãe? Não há como deixar de ver nisso, mais uma vez, o esforço humano de tentar fazer prevalecer a sua própria vontade sobre a vontade de Deus.
Hans Bürki desenvolve um pensamento que nos faz entender que o ensino de Paulo tinha como finalidade evitar o orgulho espiritual das mulheres, que poderiam passar a acreditar que o fato de receberem dons e desempenhá-los na igreja iria torná-las isentas dos seus deveres primários:
Uma profetisa (e suas seguidoras) ou um herege e seu grupo poderiam ter declarado por “instrução divina”: por meio de Cristo a nova ordem do mundo já se concretizou. Ele libertou a mulher de sua comunhão de jugo com o homem, porque o Espírito de Deus lhe fala diretamente e lhe ordena o que tem de fazer e ensinar. A profetisa é consagrada a Deus e por isso redimida de sua sexualidade, de parir filhos e dos fardos domésticos. Agora possui uma incumbência superior que supera tudo o que havia antes.
[...] A mulher casada, porém, não encontra a salvação soltando-se dos laços matrimoniais e maternais, acreditando alcançar uma liberdade superior. No meio de suas labutas e dores cotidianas, terrenas e naturais ela é capaz de concretizar em todos os sentidos a santificação, de ativar a fé e o amor, e de fazer brilhar em tudo a verdadeira força ética da mulher. Permanecendo nisso, e não se deixando seduzir para outro caminho, ela será salva, mesmo através das dores da maternidade.63
Nem Feminismo e nem Machismo
O que se pode ser dito, para concluir, é que homens e mulheres devem viver em amor, honrando e respeitando uns aos outros, atentos para os seus respectivos deveres. Isso agrada e glorifica ao Senhor Deus. As razões apresentadas por Paulo para tratar da posição da mulher no lar e na igreja não foram culturais, mas bíblicas — logo, imutáveis. Bem faremos se atentarmos para o ensino das Escrituras, em vez de enredarmo-nos com as ideias progressistas, que não encontram outro fundamento senão os próprios desejos da sociedade moderna. Hoje, mais do que nunca, há teologia para todos os gostos. Como Paulo já havia advertido, chegaria o tempo em que a sã doutrina não seria suportada, o que levaria ao surgimento de muitos doutores segundo os desejos das massas (2 Tm 4.3).
A Bíblia não é um livro feminista e nem machista. Ela não tem compromisso com movimentos, conceitos ou ideologias humanas. Como Palavra de Deus, prescreve condutas e papéis distintos para pessoas distintas, conforme o plano divino para cada uma delas. Todos os que creem e praticam o que nela está escrito serão salvos se permanecerem “com modéstia na fé, no amor e na santificação” (1 Tm 2.15).
Sobre o Autor
Nome do Autor Silas Queiroz é pastor na Assembleia de Deus em Ji-Paraná (RO), e procurador-geral no mesmo município. Formado em Direito pela Universidade Luterana do Brasil e bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia Logos (FAETEL). Casado há 30 anos com Jocineide Machado de Almeida Queiróz e pai de Silas Junior, Gabriel e Ana Carolina.
47 Bíblia de Estudo Pentecostal, p. 1865.
48 GUTHRIE, Donald. 1 e 2 Timóteo e Tito. Introdução e Comentário. 1.ed. São Paulo: Vida Nova, 2020, p. 80.
49 Comentário do Novo Testamento. Aplicação Pessoal. Vol. 2. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2021, p. 489.
50 Bíblia de Estudo Pentecostal, p. 1866.
55 Op.cit.,p. 81, 82
56 Na obra Fundamentos Bíblicos para a Masculinidade e a Feminilidade,Wayne Grudem apresenta “Dez Motivos que Mostram a Liderança Masculina no Casamento Antes da Queda”, sendo eles: “1. A ordem.Adão foi criado primeiro, depois Eva (perceba a sequência em Gn 2.7 e Gn 2.18-23) [...]. 2. A representação:Adão, e não Eva, tinha o papel especial de representar a raça humana [...]. 3. O dar nome à mulher: Quando Deus fez a primeira mulher ‘e a trouxe ao homem’, a Bíblia diz: E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne;chamar-se-á mulher, porquanto do homem foi tomada. —Gn 2.23 [...]. 4. O dar nome à raça humana: Deus deu à raça humana o nome ‘homem’, e não ‘mulher’ [...]. 5. A principal responsabilidade.Deus falou primeiro a Adão após a Queda [...]. 6. O propósito.Eva foi criada como auxiliadora para Adão, e não Adão como auxiliador para Eva [...]. 7. O conflito.A maldição trouxe uma distorção dos papéis anteriores, e não a introdução de novos papéis [...]. 8. A restauração:Quando chegamos ao Novo Testamento, a salvação em Cristo reafirma a ordem criada [...]. 9. O mistério.Desde o começo da criação, o casamento foi um retrato do relacionamento entre Cristo e a igreja [...]. 10. O Paralelo com a Trindade.A igualdade, as diferenças e a unidade entre homens e mulheres refletem a igualdade, as diferenças e a unidade na Trindade” (GRUDEM, Wayne. Fundamentos Bíblicos para a Masculinidade e a Feminilidade.1.ed. Niterói: Templo de Colheita, 2013, p. 25/36).
57 Bíblia de Estudo Pentecostal, p. 1866.
58 GRUDEM, Wayne. Confrontando o Feminismo Evangélico.1.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 220.
59 Op. cit.,p. 220, 221.
60 Idem, p. 221.
61 Comentário Aplicação Pessoal, p. 493.
62 John N. D. Kelly. I e II Timóteo e Tito. Introdução e Comentário.1.ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1983, p. 72.
63 HANS, Bürki & BOOR, Werner de. Carta aos Tessalonicenses, Timóteo, Tito e Filemom. 1.ed. Curitiba, Editora Esperança, 2007, p. 205.
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